Meio milhão de pessoas em Gaza em risco de fome "catastrófica", indica relatório da IPC

por RTP
Distribuição de ajuda alimentar em Gaza dia 8 meio de 2025 Mahmoud Issa - Reuters

O mais recente relatório da Classificação Integrada de Segurança Alimentar (IPC), publicado esta segunda-feira com o apoio das Nações Unidas, indica que meio milhão de pessoas na Faixa de Gaza enfrenta um risco de insegurança alimentar aguda de níveis "catastróficos" nos próximos meses.

O documento da iniciativa reflete os alertas das agências internacionais sobre uma catástrofe iminente e aponta falhas na distribuição de bens planeada por Israel.

A previsão é de que 2,1 milhões de pessoas em Gaza - aproximadamente a população inteira - venha a enfrentar níveis elevados de insegurança alimentar aguda até ao final de setembro, sendo que 469.500 delas deverão atingir níveis "catastróficos". O relatório projeta que quase 71.000 casos de malnutrição aguda, incluindo 14.100 casos graves entre crianças dos 6 aos 59 meses, deverão ocorrer entre abril de 2025 e março de 2026.

A avaliação refere que houve uma "grande deterioração" desde outubro de 2024, concluindo que, a fome só não está atualmente a ocorrer por o cessar-fogo de dois meses entre Israel e o Hamas ter levado "a um alívio temporário" da crise alimentar.

Os bens indispensáveis ​​à sobrevivência das pessoas estão esgotados ou deverão esgotar-se nas próximas semanas” alertou, referindo que o retomar das hostilidades e o bloqueio israelita à ajuda - em curso desde o início de março - "reverteram" quaisquer melhorias registadas no início do ano.

Os planos israelitas para operações militares de grande escala em Gaza, juntamente com a "persistente incapacidade" das agências de ajuda para entregar bens e serviços essenciais, significam a existência de um "alto risco" de fome no período de projeção de 11 de maio a 30 de setembro, apontou. 

As estimativas apontam que um em cada cinco habitantes de Gaza pode vir sofrer de fome naquele período. A análise acrescenta que se prevê uma subnutrição aguda generalizada, especialmente no norte de Gaza, uma área quase totalmente destruída, e em Rafah, na parte mais a sul da Faixa de Gaza.

Os autores do relatório apelam a uma ação urgente para evitar o risco "cada vez mais provável" de fome.

As principais conclusões do documento mostraram que 1,95 milhões de pessoas, ou 93 por cento da população do enclave costeiro, estão atualmente a viver em níveis elevados de insegurança alimentar aguda, incluindo 244.000 a enfrentar os níveis mais graves, ou "catastróficos".

A análise de outubro do IPC dizia que 133 mil pessoas estavam na categoria "catastrófica".
Israel culpa Hamas
Um porta-voz israelita, David Mencer, negou que haja fome em Gaza e culpou o Hamas por uma "crise alimentar planeada" e por roubar ajuda destinada a civis.

David Mencer desvalorizou o relatório, referindo que o IPC "fala constantemente de fome". Esta "nunca aconteceu por causa dos esforços de Israel para obter mais ajuda", acrescentou.
O Hamas negou várias vezes estas alegações, acusando por sua vez Israel de usar a fome como arma de guerra.
O presidente israelita, Isaac Herzog, pediu na segunda-feira à comunidade internacional auxílio para desenvolver um novo plano de forma a distribuir ajuda diretamente ao povo de Gaza, excluindo o Hamas do processo.

O plano para a distribuição das autoridades israelitas foi por sua vez criticado pelo IPC, que o considera "altamente insuficiente para satisfazer as necessidades essenciais da população em termos de alimentação, água, abrigo e medicamentos".

"Além disso, os mecanismos de distribuição propostos irão provavelmente criar barreiras de acesso significativas para grandes segmentos da população", criticou.

Prevendo que a continuação do bloqueio possa levar á deslocação de pessoas em busca de áreas com melhores acessos a bens alimentares, o IPC conclui que "isto agravaria a agitação civil e a competição pelos escassos recursos que restam, corroendo ainda mais quaisquer mecanismos limitados de apoio e de enfrentamento da comunidade que ainda existam.”

"A ação imediata é essencial para evitar mais mortes, fome e desnutrição aguda e para um declínio da fome", aconselhou.
FAO aprova conclusões
Para que a fome seja declarada, pelo menos 20 por cento da população tem de sofrer uma extrema escassez de alimentos, sendo que uma em cada três crianças gravemente subnutridas e duas pessoas em cada 10.000, morrem diariamente de fome ou de subnutrição e de doenças.

O relatório "demonstra realmente que a situação em Gaza se deteriorou drasticamente nos últimos meses", reagiu entretanto Beth Bechdol, vice-diretora da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

"Desde dois de março, o bloqueio abrangente impediu realmente a entrega de mantimentos humanitários essenciais e até comerciais", disse a responsável da FAO à Reuters.

"Podemos certamente presumir que os tipos de números que estamos a ver neste relatório só continuarão a aumentar", afirmou Bechdol. O relatório mostra que há "um número muito grande de pessoas a enfrentar agora a fome".
Escalada de preços

O relatório do IPC aponta para um aumento de 3.000% no preço da farinha de trigo desde Fevereiro em Deir el-Balah, no centro de Gaza, e Khan Younis, no Sul.

Na Cidade de Gaza, Ghada Mohammad, mãe de cinco filhos, disse que teve de pagar cerca de 1.000 shekels (281 dólares) para comprar um saco de 2 kg de farinha, que normalmente custaria 25 shekels antes da guerra e durante os períodos de cessar-fogo em Janeiro e Fevereiro.

Em declarações à Reuters através de uma aplicação de mensagens, a habitante da Gaza citou a dependência de alimentos enlatados, água pouco saudável e pão feito com farinha infestada de insetos. E deixou uma pergunta. "Sabe o que é não conseguir fazer uma refeição com frango, legumes ou carne durante várias semanas?"

com agências
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