Meloni apela à abstenção. Italianos votam direito à cidadania e trabalho em referendo

Os eleitores italianos foram chamados às urnas, entre este domingo e segunda-feira, para um referendo sobre cidadania e trabalho, promovido pela oposição, que denuncia falta de debate sobre medida que se aplica a filhos de estrangeiros nascido em Itália, e com o Governo a incentivar a abstenção.

Inês Moreira Santos - RTP /
Matteo Minnella - Reuters

Atualmente, um adulto estrangeiro vindo de um país fora da União Europeia, que não se case ou tenha laços consanguíneos em Itália, deve residir no país pelo menos dez anos antes de poder solicitar a cidadania. A proposta do referendo, que é votado este domingo e até ao fim do dia de segunda-feira, pretende reduzir esse período para cinco anos, como já acontece em países como a Alemanha e a França.

Os italianos são chamados a votar sobre a flexibilização das regras de cidadania e das leis trabalhistas, com o Governo a assumir que se opõe a ambas as mudanças. A primeira-ministra Giorgia Meloni pediu, inclusive, à população que se abstenha. Na prática, os italianos vão votar em cinco referendos de revogação, ou seja, para a eliminação total ou parcial de uma norma, relativa a questões de obtenção de nacionalidade e de direitos laborais.

A proposta de referendo foi promovida por uma campanha popular liderada por organizações não-governamentais que acreditam que cerca de 2,5 milhões de pessoas podiam ser beneficiadas com esta reforma, apoiada pelo Partido Democrata, de centro-esquerda.

Já Meloni, chefe de Governo e do partido de extrema-direita Irmãos de Itália, é a favor do corte da imigração ilegal, mesmo aumentando o número de vistos de trabalho legais para migrantes, e assumiu ser veementemente contra a medida que vai a votos. Na quinta-feira afirmou que o sistema atual "é uma lei excelente, entre as mais abertas, no sentido de que estamos há anos entre as nações europeias que concedem o maior número de cidadanias a cada ano".

Mais de 213.500 pessoas adquiriram a cidadania italiana em 2023, o dobro do número de 2020 e um quinto do total da União Europeia. Mais de 90 por cento eram de fora do bloco europeu, principalmente da Albânia e de Marrocos, além da Argentina e do Brasil – dois países com grandes comunidades de imigrantes italianos.
Governo apela à abstenção
Os três partidos que formam o Governo de direita radical são contra as alterações propostas e, em vez de estarem a fazer campanha pelo voto contra, estão a encorajar as pessoas a boicotar a consulta, de modo a que não se alcance o quórum de 50 por cento mais um voto para que seja válida.

A posição assumida pelos partidos Irmãos de Itália e pelos parceiros de coligação governamental, a Liga (extrema-direita) de Matteo Salvini, e o Força Itália (direita), de Antonio Tajani, está a merecer fortes críticas dos partidos da oposição, indignados por as forças políticas no poder fomentarem a abstenção.

Estando também contra as propostas em matéria laboral, o Governo de Meloni opõem-se em particular a alterações à lei sobre os requisitos necessários para que um adulto nascido no estrangeiro possa requerer a cidadania.

O cantor italiano Ghali, que nasceu em Milão, filho de pais tunisianos, tem apelado às pessoas que votem numa publicação online, observando que o referendo, realizado no domingo e na segunda-feira, corre o risco de fracassar a menos que pelo menos 50 por cento dos eleitores elegíveis compareçam.

“Eu nasci aqui, sempre vivi aqui, mas só recebi a cidadania aos 18 anos”, disse Ghali, pedindo um voto favorável para que se reduza o requisito de residência de dez para cinco anos.

Enquanto os promotores e apoiantes do referendo argumentam que a alteração à lei tornaria cerca de 2,5 milhões de pessoas elegíveis para a cidadania e seria um reconhecimento da contribuição dos estrangeiros, além de que ajudaria a compensar o declínio da taxa de natalidade em Itália – dos países mais envelhecidos da Europa –, os partidos de direita e extrema-direita no poder, que têm como uma das principais bandeiras o combate à imigração, rejeitam “oferecer numa bandeja de prata” a cidadania italiana a milhões de estrangeiros, tal como afirmou recentemente Matteo Salvini.

Ativistas, juntamente com os partidos de oposição, têm denunciado a falta de debate público sobre as medidas, acusando a coaligação de direita no Governo está a tentar diminuir o interesse dos italianos em questões delicadas que afetam diretamente imigrantes e trabalhadores.

Em maio, a autoridade de comunicações da Itália AGCOM apresentou uma queixa contra a televisão estatal RAI e outras emissoras por falta de cobertura adequada e equilibrada.


A abstenção é o cenário mais provável, já que nos 29 referendos realizados em Itália desde 1995, apenas quatro superaram o quórum de 50 por cento de participação para serem considerados válidos.
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