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Metade dos ativos de combustíveis fósseis do mundo poderão ser inúteis em 2036, revela estudo
Cerca de metade dos ativos de combustíveis fósseis do mundo poderão ser desnecessários e produzir muito pouco lucro já daqui por 15 anos, devido às consequências da transição energética. Um novo estudo revela, no entanto, que os países que iniciarem mais cedo a descarbonização poderão conseguir amortizar algumas das perdas. Em teoria, a prevalência de energias mais limpas no mercado deverá ser benéfica para a economia de alguns países e irá compensar as perdas para a economia global. Porém, a transição pode trazer grande instabilidade e até provocar uma crise financeira como a de 2008, alertam os peritos.
Um estudo publicado esta quinta-feira na revista Nature revela que metade dos ativos de combustíveis fósseis no mundo pode tornar-se desnecessária daqui por apenas 15 anos.
Jean-François Mercure, da Universidade de Exeter, investigador principal deste estudo, refere que a mudança para a energia limpa irá beneficiar a economia mundial em geral, mas deve ser tratada com cautela para evitar colapsos locais e regionais, que provocariam uma possível instabilidade a nível global.
Mercure salienta, em concreto, o impacto negativo para cidades dependentes da exploração do petróleo, como Houston por exemplo, que poderão ter o mesmo destino de Detroit aquando do declínio da indústria automóvel nos EUA, isto caso a transição não seja cuidadosamente gerida.
O perito envolvido neste estudo defende ainda a partilha e o maior envolvimento entre os dois lados (atuais importadores e exportadores de combustíveis fósseis), para que os ganhos ou perdas da transição energética possam ser mais partilhados e equilibrados entre todos. “Esta tem de ser uma história de cooperação internacional, de não deixar ninguém para trás”, sublinha o investigador, citado pelo Guardian.
De acordo com a investigação, o excedente da produção de gás e petróleo deverá representar 11 milhões de biliões de dólares, ou 14 milhões de biliões de euros.
As empresas ligadas a este tipo de explorações poderão ficar na posse de “ativos ociosos”: infraestrutura, terrenos, fábricas e investimentos. O valor destes combustíveis fósseis poderá cair ao ponto de já não ser possível a estas empresas lucrar de nenhuma forma.
“Na pior das hipóteses, as pessoas vão continuar a investir em combustíveis fósseis até que, de repente, a procura que esperavam vai deixar de existir e as empresas se apercebam que o que têm em sua posse não vale nada. Podemos ter uma crise financeira à escala da crise de 2008”, alerta o coordenador do estudo, citado pelo Guardian.
O artigo científico prevê uma mudança geopolítica significativa com a queda na procura dos combustíveis fósseis, isto porque os fluxos de investimento atuais e os compromissos dos Governos para atingir a neutralidade carbónica até 2050 fazem com que a energia renovável se vá tornando gradualmente mais eficiente, mais barata e estável.
Por outro lado, os combustíveis fósseis terão maior volatilidade de preços. Muitos ativos de carbono, como reservas de petróleo, de carvão, ou as respetivas infraestruturas, vão deixar de produzir valor para os proprietários.
Este estudo prevê que as perdas sejam mais evidentes em locais remotos ou onde a exploração e extração das matérias é mais difícil e desafiante. Nestes locais, a viabilidade económica da extração dos recursos irá perder-se mais rapidamente com a desvalorização dos mesmos, preveem os cientistas. Dão o exemplo da extração de areias e xistos betuminosos ou explorações petrolíferas no Mar Ártico ou em águas profundas.
Noruega, Canadá, Estados Unidos, Rússia ou Brasil são dados como alguns dos principais perdedores, a menos que se diversifiquem rapidamente face à dependência de combustíveis fósseis.
“Uma história de cooperação internacional”
Neste cenário, os países que mais ganham são os atuais importadores de petróleo, gás e carvão, desde logo a União Europeia, Japão e Índia, por exemplo.
Para estes, de acordo com o estudo, a transição económica trará independência energética e vantagens económicas, ao passarem a investir o dinheiro anteriormente utilizado na compra de combustível ou em energias renováveis, modernização de infraestruturas e criação de empregos nos respetivos países.
De salientar que a extensão dos prejuízos a nível global irá depender da atuação dos produtores de baixo custo como a Arábia Saudita e restante OPEP. Se optassem por aumentar exponencialmente a produção para retirar rapidamente o máximo de lucro, em modo liquidação "até ao fundo do poço", outros exportadores acabariam por ser rapidamente eliminados.
No entanto, se os exportadores de petróleo definirem um sistema de quotas, os efeitos nefastos seriam menores e mais uniformemente distribuídos pelos vários países.
“Se a Arábia Saudita atuar de uma forma e os Estados Unidos de outra, teremos instabilidade económica, financeira e política no mundo, com bancos a caírem e mudanças nos fluxos de capital”, alerta o investigador Jean-François Mercure.
Para evitar o caos, os exportadores de petróleo devem diversificar as suas economias o mais rapidamente possível, antecipando-se às alterações na procura por parte dos principais importadores.