México: uma placa, dois sismos e nenhuma relação entre ambos

por RTP

Em 11 dias, dois grandes sismos - o primeiro de 8.1 na escala de Richter e o segundo de 7.1 - afetaram o México, fazendo centenas de mortos. Ambos tiveram origem na placa de Cocos, que está entalada entre a placa do Oceano Pacífico e a da América do Norte e que está a ser empurrada pela primeira para debaixo da segunda.

Os dois sismos ocorreram dentro da placa e não na zona onde esta desaparece sob a América do Norte. Apesar disso, os dois fenómenos não estarão relacionados.

"O México é um local extremamente ativo no plano sísmico", lembra o sismólogo Michel Campillo, professor da Universidade de Grenoble, em França.

"O sismo de terça-feira está ligado à subdução da placa de Cocos - uma micro placa - sob a placa da América do Norte", explica Yann Klinger, especialista em tectónica de placas no Instituto de Física do Globo, em Paris.

Mas não foi um sismo clássico de subdução, causado por uma rutura da interface que corre ao longo da costa ocidental do México, onde a placa Cocos desaparece sob a da América do Norte a uma média de três centímetros por ano.

"O sismo desta terça-feira é um pouco peculiar, pois localizou-se bastante para leste. Em vez de se enfiar bem suavemente, a placa Cocos flutuou um pouco e acabou por mergulhar um pouco mais longe, para leste, Torceu-se e quebrou. Foi nesse local que se produziu o sismo", refere Klinger, diretor de estudos no Centro Nacional de Pesquisa Científica, CNRS.
Distantes e dentro da placa
Tal como o do princípio do mês, o sismo de terça-feira foi 'inter-placa', ou seja ocorreu dentro da placa quando esta se deforma. Em cada caso, os abalos deram-se bem abaixo da superfície, o primeiro a 70 quilómetros de profundidade, o segundo a 50.

A placa Cocos, à medida que é forçada a desaparecer sob a placa da América do Norte, deforma-se, fazendo com que a sua estrutura se enrugue e desfaça, acumulando pressão que de repente se solta ocasionando ondas sísmicas. Contudo, ambos os abalos que afetaram recentemente o México tiveram epicentros noutras zonas da placa. 

Resultaram sem dúvida da acumulação de tensão que de repente se soltou. Mas o facto dos respetivos epicentros terem distado bastante um do outro - um deu-se em terra o outro no oceano - leva os especialistas a mostrarem-se céticos quanto a uma possível relação entre ambos.

Stephen Hicks, da Universidade de Southampton, explica: "É bastante longe para ambos estarem diretamente ligados. Poderá ter aumentado ligeiramente a pressão mas se o fez foi muito pouco e a falha (que originou o sismo de dia 19) devia estar próximo do ponto de rutura de qualquer forma".
Cidade do México, especialmente vulnerável
O epicentro do sismo desta terça-feira situou-se a 120 quilómetros da capital mexicana e apesar de ser de menor intensidade teve nesta um efeito muito mais devastador do que o do início do mês, ocorrido a 725 quilómetros da Cidade do México.  

A explicação do fenómeno pode estar ligada aos estragos causados a estruturas dos edifícios pelo primeiro sismo. Os especialistas apontam contudo outras causas, ligadas à própria zona onde está edificada a cidade de 20 milhões de habitantes.

A Cidade do México ergue-se numa bacia, sobre o leito seco de um lago cheio de camadas profundas de sedimentos, o que a torna especialmente vulnerável a qualquer tipo de ondas sísmicas causadas seja por choque inter-placas seja por subdução.

"Há dois efeitos nefastos que se conjugam. As ondas ficam presas nas paredes da bacia e são amplificadas. Por outro lado os sedimentos móveis 8argilas e areias) perdem a sua coerência ao serem agitados e liquidificam-se um pouco como areias movediças", explica Yann Klinger.
Dúvidas quanto à edificação
David Rothery, professor de geociências na Open University do Reino Unido, sublinha também ele que "a natureza do solo tende a amplificar os tremores de terra, como em 1985".

Nesse ano, precisamente no mesmo dia 19 de setembro, um sismo provocou a derrocada de dezenas de edifícios, fazendo 10.000 a 30.000 mortos.

O mesmo sucedeu esta terça-feira, embora a construção anti-sísmica desenvolvida e aplicada desde então tenha permitido a muitos prédios manterem-se de pé.

Pelo menos 44 edifícios caíram com o sismo de terça-feira, incluindo uma escola edificada recentemente, o que irá levantar várias questões sobre a forma como foram construídos. Milhares de pessoas têm passado a noite nas ruas, temendo novos abalos e a queda de mais estruturas.

Habitualmente os sismos provocam réplicas nos dias imediatos - o de terça-feira já produziu mais de 20 - geralmente de menor intensidade. Contudo os analistas admitem que neste caso, não se pode excluir a hipótese de choques mais fortes.
pub