Milhares de civis vão morrer no Iémen se bloqueio saudita persistir

por Graça Andrade Ramos - RTP
Uma criança tratada por má nutrição num hospital da Sanaa, a 4 de novembro de 2014. Khaled Abdullah - Reuters

É o segundo aviso dramático da ONU numa semana. OMS, Unicef e PAM estão de acordo e lançaram um alerta angustiado através de um comunicado conjunto sobre o Iémen. "Milhares de vítimas inocentes e entre elas muitas crianças, vão morrer" se não se houver acesso a ajuda humanitária, escrevem os responsáveis daquelas agências da ONU.

"Juntos, lançamos um novo apelo urgente à coligação, para permitir a entrada de bens de primeiros socorros no Iémen, em resposta àquilo que é hoje a pior crise humanitária no mundo", assinam Tedros Adhanom Ghebreyesus (da OMS), Anthony Lake (da Unicef) e David Beasley (do PAM).

"Os bens, que incluem os medicamentos, as vacinas e alimentos, são essenciais para combater a doença e a fome", acrescentam.Há seis dias Mark Lowcock, subsecretário-geral da Organização das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários, alertou para o risco do Iémen enfrentar a "pior crise de fome das ultimas décadas". Agora são os responsáveis das agências humanitárias a apelarem ao sentido humanitário do regime saudita.

"Mais de 20 milhões de pessoas, entre as quais mais de 11 milhões de crianças, necessitam urgentemente de assistência humanitária", referem no comunicado.

Sublinham ainda um perigo de "má nutrição severa aguda" que ameaça de mortes "perto de 400 mil crianças".

O relatório de uma agência humanitária, a Save The Children, calcula que 130 crianças morram diariamente no Iémen devido à guerra e à falta de assistência e de recursos.

Já a Arábia Saudita culpa as milícias imenitas xiitas pelo bloqueio.
"Guerra estúpida" diz Guterres
Em Nova Iorque, a porta-voz do secretario-geral da ONU afirmou esta tarde que António Guteres está "muito desapontado" de não ver o levantamento do bloqueio exigido desde há uma semana pelo Conselho de Segurança.

"É uma crise criada pelo homem", acrescentou Stéphane Dujarric, acrescentando que Guterres classificou o conflito no Iémen como uma "guerra estúpida".

As três agências da ONU anteveem "as consequências humanitárias do bloqueio".

Falam em 120 casos de difteria já diagnosticados, que resultaram em "14 mortes - principalmente de crianças nas últimas semanas", quando as vacinas e os medicamentos permanecem bloqueado nas fronteiras iemenitas. O surto de difteria ameaça um milhão de crianças, sublinham os responsáveis da OMS, Unicef e PAM.

Já a epidemia de cólera - da qual já foram registados 900 mil casos suspeitos em sete meses que resultaram em 2,200 mortes - estará em declínio mas, "se o embargo não for levantado", alerta o comunicado, ela "retomará o seu curso".
Apoio do Banco Mundial
Esta quinta-feira o Banco Mundial assinou com o Gabinete da ONU para Projetos e Serviços (UNOPS) um empréstimo ao Iémen de cerca de 150 milhões de dólares em ajudas, para as cidades mais atingidas no conflito poderem restaurar infraestruturas base e combater a epidemia de cólera.

"O novo projeto irá dirigir-se a problemas como recolha de lixo e tratamento de esgotos, além de providenciar eletricidade a serviços essenciais e a reparação urgente de estradas, para melhorar a mobilidade e a acessibilidade", refere o comunicado emitido pelo UNOPS.O acordo abrange a capital controlada pelas milícias Houthi, Sanaa, e o porto do Mar Vermelho de Hodeiah, assim como a cidade portuária do sul, Áden.

O Iémen tem estado sob ataque desde março de 2015, por parte de uma coligação de países árabes liderados pela Arábia Saudita, que tentam evitar a conquista total de poder pelas milícias xiitas Houthi. A Arábia Saudita impôs igualmente um bloqueio terrestre e marítimo.

A 1 de novembro, um míssil disparado a partir do Iémen foi intercetado antes de atingir Riade. A Arábia Saudita, que acusa o Irão e a milícia xiita libanesa Hezbollah de armarem os rebeldes, apertou o bloqueio, especialmente ao porto de Hodeiah, que serve as milícias Houthis. Para o levantar, exige um controlo mais apertado da ajuda humanitária enviada para o país.

A ONU já apelou Riade a permitir o desembarque da ajuda em todos os portos iemenitas antes do reforço do controlo.
Crise desde 2015
A crise iemenita compreende-se num quadro de guerras por procuração pela influência no Médio Oriente, entre a Arábia Saudita, sunita, e o Irão, xiita.

Iniciou-se com a contestação das milícias Houthi, xiitas, oriundas do norte do país e alegadamente apoiadas pelo Irão, que denunciaram perseguições por parte de responsáveis políticos sunitas locais.

Armadas, eficazes e após meses de conflito, acabaram por depor, no início de 2015, o Governo do Presidente Abed Rabbo Mansour Hadi, obrigando-o à fuga para Áden, no sul, e depois para a Arábia Saudita.

Áden é neste momento a capital provisória de Hadi, que regressou ao país com o apoio de tropas sauditas.

As milícias Houthis controlam a capital Sanaa e o norte do Iémen. O sul é disputado por tropas iemenitas armadas pelos sauditas, milícias xiitas e grupos armados filiados no grupo Estado Islâmico.

Agências humanitárias denunciam atrocidades provocadas por todos os grupos contra a população civil.
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