Milhares de migrantes ameaçados de expulsão sob novo decreto de Joe Biden

por Graça Andrade Ramos - RTP
Migrante venezuelano expulso de regresso ao México ao abrigo do Title 42 agarrado à rede do Instituto nacional de Migração em Cidade Juarez, a seis de janeiro de 2023 Reuters

Desde o início do ano, migrantes oriundos de Cuba, da Venezuela, da Nicarágua e do Haiti passaram a viver num limbo fronteiriço devido às novas regras sobre pedidos de asilo impostas pela Administração Biden. Ao mesmo tempo, agravou-se a ameaça de expulsão ao abrigo da legislação sanitária Title 42, aplicada por Donald Trump durante a pandemia de Covid-19, cujo âmbito foi alargado.

Os planos foram anunciados pelo Presidente norte-americano no início de janeiro.

Para tentar controlar os números recorde de entradas ilegais nos Estados Unidos, Joe Biden emitiu um decreto presidencial para restringir os pedidos de asilo ao longo das fronteiras sul do país interpostos por cidadãos daqueles quatro países.

Os interessados em entrar nos Estados Unidos terão de se candidatar a um processo que permite até 30.000 refugiados e migrantes entrarem mensalmente nos EUA "perdoando" tentativas anteriores.

As exigências de qualificação são contudo extremas. Os candidatos terão de se submeter a exames de antecedentes, possuir um passaporte válido, ter condições para comprar um bilhete de avião e provar que têm um patrono nos Estados Unidos capaz de os sustentar financeiramente.

Em troca poderão obter um certificado de trabalho válido por dois anos.

A única alternativa, para quem arrisque e acabe detido após entrar ilegalmente nos Estados Unidos, é a expulsão. Com a agravante de ser considerado permanentemente inelegível para o programa de asilo aplicado pela ordem executiva de Biden.

A Administração Biden considera este um programa "humanitário". "O processo que criámos é seguro, célere e custa apenas o preço de uma passagem aérea comercial", referiu um alto funcionário. "Comparado com os milhares de dólares que os contrabandistas de pessoas exigem aos migrantes por uma viagem perigosa, a escolha é clara".
Quebra nas detenções
Fontes oficiais norte-americanas afirmam que as novas regras estão já a ter efeitos e a provocar uma quebra significativa na interceção de migrantes ilegais em território dos Estados Unidos.

Na semana passada os números providenciados à Reuters indiciavam que, no início de janeiro foram detidos diariamente uma média de 4.000 migrantes ilegais, uma descida face aos cerca de 7.400 diários na semana antes do Natal.

Esta quarta-feira, o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos da América anunciou que, durante uma semana entre dezembro e 24 de janeiro, o número de migrantes de Cuba, Haiti, Nicarágua e Venezuela, detidos a tentar entrar no país na fronteira com o México, registou uma quebra de 97 por cento.

A média diária de migrantes intercetados pelas autoridades foi de apenas 155, contra 3.367 na semana terminada a 11 de dezembro, indicaram os mesmos serviços.

Estatísticas publicadas pela CBS News desde o anúncio do programa indicam que o número de migrantes apanhados diariamente após atravessarem ilegalmente a fronteira entre os EUA e o México diminuiu mais de 40 por cento.

A este ritmo, as detenções em fevereiro serão as mais baixas desde o mês homólogo de 2021, quando Biden tomou posse. Não há contudo garantias que o programa implementado quanto aos pedidos de asilo produza os resultados pretendidos, apesar dos números recentes.

Vários responsáveis norte-americanos afirmam que as detenções fronteiriças registam tipicamente uma quebra devido ao período de festas do Natal e do Novo Ano, o que contribuiu provavelmente para a diminuição registada em janeiro.

A quebra segue-se a mais um mês de detenções recorde. Em dezembro, as patrulhas de fronteira intercetaram mais de 221.000 pessoas.
Administração Biden recorre a lei de Trump para deter e expulsar
Todos eles e milhares de outros que entraram por via marítima no Estado da Florida, caso sejam apanhados, serão expulsos ao abrigo da Title 42 revista e alargada, lei à qual a Administração Biden tem recorrido para evitar as leis de migração.

A lei foi implementada pela Administração Trump com o pretexto de impedir a disseminação do vírus SARS-CoV 2, ao prever "a suspensão do direito de entrada de tais pessoas ou bens requerida no interesse da saúde pública", se estes originarem de "lugares designados, para prevenir a disseminação de doenças infeciosas".

A Title 42 impôs aos imigrantes do México, de alguns países centro-americanos e venezuelanos, o crivo das autoridades sanitárias e quarentenas. Caso falhassem, a Patrulha Fronteiriça norte-americana e a autoridade Aduaneira e de Proteção de Fronteiras estavam autorizadas a devolvê-los à procedência.

Apesar da pandemia de Covid-19 estar controlada, a Administração Biden continuou a aplicar a Title 42 em 2021 e 2022 e alargou o seu âmbito para abranger cubanos, haitianos e nicaraguenses.

As expulsões ao abrigo da Title 42 não se baseiam no estatuto de migração e seguem trâmites diferentes à descrição da Administração.

Sob as novas regras as pessoas abrangidas não são sequer encaminhadas para áreas comuns para serem processadas sendo, em vez disso, expulsas de imediato de regresso ao último país de trânsito ou ao seu país de origem. Outra possibilidade é expulsa-los para um país terceiro que os aceite. A Title 42 pode ser aplicada até a cidadãos que teriam normalmente estatuto de proteção temporária com base no seu país de origem.

Organizações como as Nações Unidas e a Humans Rights Watch estão entre as mais críticas da legislação, que consideram uma subversão dos direitos legais a asilo nos EUA.

Uma decisão judicial proibiu a 15 de novembro passado a aplicação da Title 42 por violação da Lei Administrativa. A decisão foi por sua vez suspensa temporariamente a 19 de dezembro de 2022 pelo presidente do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, John Roberts. A suspensão tornou-se permanente a 27 de dezembro por votação 5-4 do mesmo tribunal.
Contestação republicana
O novo programa de asilo está já entretanto a ser contestado por uma coligação de 20 estados liderados por republicanos, a qual interpôs um processo à Administração Biden, considerando que ele “não se aplica numa base caso-a-caso, não obedece a razões humanitárias urgentes e não providencia qualquer benefício público significativo”, como justificou o procurador-geral do Texas, Ken Paxton.

O Presidente Joe Biden alega que o programa já está a levar à diminuição da pressão migrante.

Em comunicado, criticou o processo judicial. "Eles [os republicanos] bloquearam uma reforma de imigração abrangente e financiamentos fronteiriços, e agora pretendem banir um programa que reduziu drasticamente o número de pessoas que tentam entrar no país ilegalmente", referiu o documento.

Não existem apesar de tudo garantias de que o novo programa de asilo refreie as tentativas de migração ilegal.


Em relação aos cubanos, por exemplo, esse cenário será muito improvável, consideram especialistas, citando os problemas económicos e políticos que estão na origem da fuga.

"Os cubanos estão tão desesperados. Vão tentar continuar; [o programa] não os vai deter", afirmou Raul Gonzalez, diretor geral de uma clínica em Miami que providencia cuidados médicos e sociais aos migrantes.
Uma vaga crescente
Os controlos aduaneiros e fronteiriços dos Estados Unidos estimam que, só de Cuba, 306.612 cidadãos – mais de dois por cento de toda a população da ilha – tenham atravessado a sua fronteira sul em fuga do colapso económico cubano.

Em todo o ano fiscal transato mais de 6.100 cubanos foram intercetados em trânsito pelas Guarda Costeira norte-americana, contra 838 no ano anterior.

Ao todo, quase 8.000 cubanos e haitianos foram interditados nas águas da Florida desde agosto passado - cerca de 50 por dia, comparados contra os 17 diários do ano fiscal anterior e aos dois por dia entre 2020 e 2021.

O governador republicano da Florida, Ron De Santis, apelou a seis de janeiro à Guarda Nacional apoio de vigilância, depois de mais de 700 migrantes terem chegado às ilhas Keys no fim-de-semana de Ano Novo, incluindo 337 no Parque Nacional das Tortugas.

Os cubanos e haitianos que chegam à Florida por via marítima são ainda uma fração dos 220.000 detidos na fronteira norte-americana com o México no ano fiscal de 2021-22, quase seis vezes mais do que no ano anterior.

Em dezembro, mais de 22.000 migrantes esperavam em abrigos precários erguidos numa terra de ninguém entre o México e os Estados Unidos, se a proibição da Title 42 se iria manter ou se iria ser anulada.

O Supremo Tribunal determinou a sua aplicação, tornando o seu destino ainda mais incerto e vulnerável.
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