Militar dissidente na origem de ataque na Venezuela

por Andreia Martins - RTP
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As imagens do ataque desta terça-feira ao Supremo Tribunal e ao Ministério do Interior venezuelanos parecem ter sido retiradas de um blockbuster de Hollywood. Na verdade, o helicóptero que sobrevoou Caracas – de onde partiram pelo menos 15 tiros e quatro granadas - foi conduzido por Óscar Pérez, um militar dissidente que também já abraçou a carreira de ator.

Antigo agente de destaque no corpo de elite da polícia científica da Venezuela, dissidente e opositor ao regime de Nicolás Maduro, principiante no mundo do cinema. Óscar Pérez, ex-militar de 36 anos, tem 15 anos de experiência na Brigada de Ações Especiais, o corpo de elite da polícia científica venezuelana.

O Governo venezuelano garante que foi este antigo inspetor que comandou na terça-feira o helicóptero a partir do qual foram disparados 15 tiros contra o ministério venezuelano do Interior e foram largadas quatro granadas sobre o Supremo Tribunal. O aparelho foi alegadamente roubado da base aérea Francisco de Miranda, no coração de Caracas. Desde o ataque de terça-feira que as autoridades desconhecem o paradeiro de Óscar Pérez e do helicóptero furtado à polícia política venezuelana.

Nas imagens registadas durante o ataque, Óscar Pérez exibe uma faixa de grandes dimensões com palavras de ordem da oposição venezuelana como “Liberdade” e o número “350”, em referência ao Artigo da Constituição que prevê o direito à oposição e manifestação contra um regime não-democrático. 

No Instagram, o antigo militar publicou ontem uma sucessão de vídeos onde se assume ao lado “de uma coligação de militares, polícias e funcionários civis que está contra este Governo transitório e criminal."



“Neste dia, realizamos uma operação aérea e terrestre com o fim único de devolver o poder ao povo democrático, e assim fazer cumprir as leis e reestabelecer a ordem constitucional”, refere noutro dos vídeos publicados.

Para além da faceta política e militar, Óscar Pérez protagonizou e produziu em 2015 o filme “Muerte suspendida”, do realizador Óscar Rivas, que não foi bem recebido pela crítica venezuelana.

O jornal espanhol El País salienta que a leitura negativa do trabalho cinematográfico por parte da imprensa pode ter sido uma forma de crítica indireta às forças governamentais. Isto porque a participação de Pérez foi interpretada como um ato de propaganda, com o propósito de enaltecer as capacidades da polícia científica venezuelana e o caráter incorruptível dos seus inspetores.

"Muerte suspendida"
conta a história do sequestro de Bernardino Correia, um português proprietário de várias estações de serviço na Venezuela e que é sequestrado por delinquentes que pedem um resgate milionário.

“Participaram neste filme funcionários do Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminais (CICPC) ainda no ativo, dando maior realidade à parte tática e operacional da mais importante polícia científica do país”, pode ler-se na apresentação da película que é disponibilizada na íntegra no YouTube.  
Golpe encenado?
O ataque perpetrado na terça-feira contra o regime de Nicolás Maduro é o mais recente episódio no movimento de oposição que tem levado a cabo manifestações frequentes contra o Governo venezuelano. 

Maduro classificou o ataque ao Supremo Tribunal e ao Ministério do Interior como um “ataque terrorista”. Esta quarta-feira, o regime venezuelano referia que Óscar Pérez teria sido o antigo piloto de Miguel Rodríguez Torres, ex-ministro venezuelano do Interior que tem sido um ativista frontal às políticas de Nicolás Maduro. A acusação foi entretanto desmentida pelo chavista desertor, que garantiu através do Twitter que sempre voou nos helicópteros da polícia política enquanto foi membro do Governo.
 
Já o ministro da Comunicação e Informação, Ernesto Villegas, considerou que os ataques fazem parte de "uma escalada golpista contra a Constituição e as suas instituições", indicando ainda que o inspetor da divisão de transporte aéreo da polícia científica, identificado como Óscar Pérez, está a ser investigado pelas "ligações à Agência Central de Inteligência" (CIA) e à Embaixada dos Estados Unidos na Venezuela.

Perante as acusações e clamores do regime de Caracas, a agência Reuters refere no entanto que algumas forças da oposição venezuelana colocam a hipótese de este ataque ter sido “encenado”, permitindo ao Governo novas medidas de repressão e mais ações de pressão sobre os deputados da Assembleia Nacional. Pelo menos 20 parlamentares alegam que estão a ser vítimas de perseguição por forças pró-governamentais. 

Desde o final de março que a oposição venezuelana protesta contra a deriva autoritária do Presidente e exige a marcação de eleições antecipadas. Os protestos opõem-se também à criação de uma nova Assembleia Constituinte com vista a suspender os poderes do Congresso venezuelano, onde a oposição detém a maioria desde as últimas eleições.

Nos últimos meses, as ações de protesto na Venezuela já fizeram pelo menos 75 mortos e várias centenas de feridos e detidos. 
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