Militares desencadeiam novo golpe na Guiné-Bissau

Um grupo de militares invadiu esta quinta-feira o gabinete do primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior, motivando uma vaga de protestos contra um novo golpe de Estado. O antigo chefe da Armada Bubo Na Tchuto, retirado das instalações da ONU, onde se encontrava refugiado há 94 dias, surgiu ao lado dos responsáveis pelo golpe para dizer que Gomes Júnior e o chefe das Forças Armadas, Zamora Induta, “vão responder em tribunal”.

RTP /
Bubo Na Tchuto fala à imprensa na Guiné-Bissau Moussa Balde, Lusa

A invasão do gabinete de Carlos Gomes Júnior deu-se cerca das 10h30 (11h30 em Lisboa). Decorridos alguns minutos, um segundo grupo de militares entrava nas instalações das Nações Unidas em Bissau para dali remover o antigo chefe da Armada José Américo Bubo Na Tchuto. Sobre o militar impendia uma anterior acusação de tentativa de golpe de Estado. Na Tchuto foi depois transportado até à sua residência e daí para o quartel-general das Forças Armadas, na Fortaleza de Amura.

Num primeiro momento, o primeiro-ministro terá sido mantido como refém no quartel-general de Amura. Contudo, pelas 11h25 (hora local) seria novamente conduzido ao seu gabinete a bordo de uma viatura pertencente a um oficial. À porta do Palácio do Governo, centenas de populares começavam, então, a concentrar-se para repudiar a tentativa de golpe e manifestar apoio ao Executivo de "Cadogo" (Carlos Gomes Júnior).

Em conferência de imprensa a partir do quartel-general de Bissau, o vice-chefe das Forças Armadas, António Indjai, ameaçou, em crioulo, mandar executar Gomes Júnior em resposta às manifestações nas ruas da capital: "Digam à população para abandonar as ruas, que voltem para as suas casas, senão vou matar Cadogo".

Ameaça de "barbaridades"

Ao lado de Indjai, Bubo Na Tchuto afiançou que tanto o primeiro-ministro como o chefe das Forças Armadas, Zamora Induta, "vão responder em tribunal" por alegados crimes perpetrados contra o povo. E não hesitou em dizer-se apostado em "fazer barbaridades" para desmobilizar os apoiantes de Carlos Gomes Júnior.

"Zamora Induta está preso pelos males que fez contra os seus próprios camaradas. Tentou mandar matar o António Indjai. Carlos Gomes Júnior, que não lutou por este país, mandou matar muita gente, por isso ambos vão responder em tribunal", afirmou o antigo chefe da Armada na Fortaleza de Amura.

"Ainda não fizemos nada, mas vou avisar a população. Se não abandonarem as ruas, vou-me fardar, pegar num grupo de militares e vamos fazer barbaridades", ameaçou o contra-almirante, adiantando que, por ora, conta ficar "em casa" e "aguardar" pelo evoluir da situação.

Apelo do PAIGC

Em Bissau, o repórter da RDP África Nuno Sardinha descrevia, ao início da tarde, o ambiente das ruas da cidade: "Estou na Avenida dos Combatentes. É a Avenida principal que dá acesso ao Parlamento de Bissau, onde estão concentrados alguns milhares de pessoas. Há um carro de bombeiros que tenta apagar fogos que foram aqui lançados com pneus. Estou próximo da casa do primeiro-ministro, onde se concentrou grande parte da população que estava na baixa da cidade".

Os manifestantes concentrados à porta da residência de Carlos Gomes Júnior, explicou o jornalista, estariam ali em resposta a um apelo feito em conferência de imprensa pelo PAIGC.

Pouco depois da conferência de imprensa de Bubo Na Tchuto, um grupo de soldados rumava à casa de Carlos Gomes Júnior, para onde fora levado o primeiro-ministro, e disparava para o ar rajadas com espingardas automáticas. Paus e pedras arremessados por jovens em protesto juncavam meia centena de metros na rua que liga o Palácio do Governo à casa do chefe do Executivo. Sabe-se também que o Presidente da Guiné-Bissau, Malam Bacai Sanhá, não terá sido envolvido nas manobras dos militares, mantendo-se no seu gabinete.

CPLP sem perceber "quem controla a situação"

Em declarações à agência Lusa, o secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) veio lamentar o golpe militar em território guineense, uma "perturbação interna" que o país "não merece". "Espero que as partes envolvidas compreendam que é necessário dar uma oportunidade ao país e isso só se faz com tranquilidade, acalmia e com respeito da ordem interna e constitucional", reagiu o guineense Domingos Simões Pereira.

A CPLP, prosseguiu o responsável, encara "com grande preocupação esta situação, qualquer que sejam as razões que estejam por detrás". "E por ainda não ser tarde, é importante as pessoas falarem, poderem contactar-se e nós, da CPLP, temos embaixadores no terreno, de Angola, Brasil, Cabo Verde e Portugal, perfeitamente disponíveis para servirem de primeiros interlocutores".

"Nós também nos colocamos à disposição das eventuais modalidades, já que não sei a quem devo me dirigir neste momento, mas, para quem tiver o controlo da situação, saiba que estamos aqui para escutar o que está a acontecer e no sentido de apoiarmos uma solução mais tranquila, reconfortante para a população guineense", disse ainda o secretário executivo da CPLP.

No termo da reunião do Conselho de Ministros, o ministro português da Presidência, Pedro Silva Pereira, disse que Lisboa "acompanha com preocupação a situação na Guiné-Bissau e está neste momento a recolher informação". Por seu turno, o secretário de Estado das Comunidades, António Braga, indicou que "todos os portugueses" na Guiné-Bissau "estão bem".

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