Moldavos combatem desinformação e `t-shirts` russas com "democracia minimalista"

por Lusa

Numa semana histórica na Moldova, pela organização da cimeira da Comunidade Política Europeia, as atenções da propaganda e desinformação pró-russa estavam viradas para a capital, fenómeno que os moldavos tentam combater com aquilo que designam com "democracia minimalista".

Foram várias as vezes que as autoridades moldavas salientaram que a segunda cimeira da Comunidade Política Europeia, a plataforma de cooperação que junta a União Europeia (UE) e outros países europeus, era um evento histórico no país, por ser o de mais alto nível e de maior dimensão alguma vez organizado, ao juntar na Moldova cerca de 50 chefes de Governo e de Estado e quase 600 jornalistas, principalmente estrangeiros.

Mas apesar de o evento ter decorrido em Bulboaca, a 20 quilómetros da fronteira com a Ucrânia e a cerca de 35 quilómetros da capital, Chisinau, o foco da propaganda e da desinformação pró-russa centrou-se precisamente na maior cidade do país.

"Se apoias Maia Sandu [Presidente moldava, pró-europeia], és a favor de silenciar a oposição ao banir `media` independentes, de cancelar eleições livres e justas e de detenções de grande escala que abranjam a oposição política", lia-se em inglês em t-shirts brancas e de letras vermelhas usadas por dezenas de idosas moldovas que caminhavam, por estes dias, nas principais artérias e mais movimentadas de Chisinau.

Iniciativa que, segundo ativistas ouvidos pela agência Lusa em Chisinau, visava precisamente a imprensa estrangeira no país.

"Essas pessoas nunca usariam `t-shirts` com frases em inglês se não fosse para serem vistas por pessoas como tu, jornalistas, ou se não fosse nesta semana", de cimeira da Comunidade Política Europeia, contextualiza Vitalie Sprinceana, sociólogo e membro do Centro de Políticas, Iniciativas e Investigação - Platzforma.

De acordo com o ativista, esta ação é um exemplo de vários casos de propaganda e desinformação no país, que aumentaram com a guerra da Ucrânia causada pela invasão russa, sendo desta vez orquestrada pelo oligarca Ihan Shor, pró-Rússia.

"O problema é muito mais geral", garante Vitalie Sprinceana, que diz que o uso destas `t-shirts` revela a falta de literacia mediática no país, que torna os idosos numa camada de população "mais suscetível à desinformação e propaganda russa", nomeadamente por serem "manipulados através da nostalgia" sobre a antiga União Soviética.

"Os idosos, que são dos que mais falam russo, estão em situação de extrema pobreza e lembram-se dos tempos da União Soviética, quando tinham melhores condições, e por isso sentem-se assustados e discriminados e acabam por acreditar na narrativa russa e interiorizar coisas como não se poder dizer mal de Putin [Presidente russo]", nas mensagens difundidas em meios ligados ao Kremlin, como a televisão russa, as redes sociais ou através da igreja ortodoxa na Moldova.

Lilia Nenescu, antropóloga e membro da Platzforma e da organização Comunidades Ativas para uma Democracia Participativa, garante que a questão das `t-shirts` "foi por causa da cimeira", mas lamenta que as autoridades moldavas queiram combater estes casos de desinformação "atirando tudo para baixo do tapete, em vez de resolver os problemas" e avançar com apoios públicos à imprensa ou literacia mediática para todas as faixas etárias.

"É fácil comprar as pessoas em países pobres" e, neste caso, "as idosas estavam apenas andar na rua, provavelmente sendo pagas e sem saber o que usavam, e a polícia abordou-as e exigiu-lhes que tirassem as t-shirts", acrescenta Lilia Nenescu.

Apontando que "o problema era o oligarca, que deveria estar preso" pelos escândalos de corrupção, a ativista vinca que "o governo [moldavo] acaba por silenciar a oposição e até é irónico porque confirmam o que estava nas t-shirts".

Vitalie Sprinceana contrapõe que "as pessoas não sabem que os russos estão a mentir", pelo que defende que "tem de haver educação e não só informação" contra a desinformação ou propaganda.

"Isto não se resolve com censura", vinca.

Numa altura em que a Moldova tenta aderir à UE, Vitalie Sprinceana reconhece avanços nas reformas exigidas pela Comissão Europeia, mas aponta que o país é atualmente "uma democracia minimalista", por estas ações, por ser governado constantemente "em estado de emergência" -- primeiro pela pandemia e agora pela guerra --, por não ter transparência e ainda pela corrupção.

"Não sabem governar sem ser com base neste estado de emergência, através do qual impõem medidas à população", destaca Lilia Nenescu, para quem "o país tem de trabalhar nas suas estruturas democráticas porque está a ir numa direção oposta".

Após ter obtido o estatuto de candidato para aderir à UE em junho de 2022, a Moldova ainda tem um longo caminho a percorrer no cumprimento dos critérios de adesão, referentes à existência de uma democracia estável e de um Estado de Direito.

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