Mortes devido à SIDA caíram para metade mas resistência aos tratamentos está a aumentar

por Graça Andrade Ramos - RTP
Seropositivos e familiares de vítimas de SIDA durante uma vigília a lembrar as vítimas do VIH no México, em 22 de maio de 2017 Jose Luis Gonzalez - Reuters

Desde 2016, morreu um milhão de pessoas de causas ligadas à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, SIDA. É quase metade do pico de mortes atingido em 2005, afirma um relatório da ONU publicado esta quinta-feira. O texto afirma que "o equilíbrio pende por fim" para o lado bom da luta contra a epidemia. Contudo, é demasiado cedo para cantar vitória, adverte a Organização Mundial de Saúde.

A resistência do vírus responsável pela SIDA aos medicamentos está a aumentar em vários países de baixos rendimentos ou de nível intermediário e poderá vir a provocar novas mortes e mais contaminações.

"Esta ameaça crescente poderá anular os progressos globais alcançados na luta contra a SIDA, se não forem colocadas em prática medidas preventivas e eficazes", avisa a OMS em comunicado.

Em seis de 11 países analisados pela OMS, em África, na Ásia e na América Latina, mais de 10 por cento dos doentes desenvolveram uma resistência aos tratamentos anti retrovirais mais correntes afirma a agência da ONU.
De acordo com projeções matemáticas da OMS, se nada for feito, nos próximos cinco anos 135 mil mortos e 105 mil novos casos poderão ficar a dever-se à resistência aos tratamentos, o que poderá implicar mais 560 milhões de euros em perdas económicas.
A OMS sublinha que, "esta resistência se desenvolve quando os pacientes não seguem o tratamento prescrito, muitas vezes porque não dispõem de bons acessos a cuidados de boa qualidade contra o VIH", o Vírus da Imunodeficiência Humana.

Desta forma, os doentes poderão transmitir a outros o vírus resistente aos medicamentos. Devem por isso mudar para outros tratamentos, "mas estes podem ser mais caros e, em certos países, ainda mais difíceis de conseguir", comentou Gottfried Hirnschall, diretor do Departamento da luta contra a SIDA e as hepatites da OMS, citado no comunicado.

"Quando os níveis de resistência se tornam demasiado elevados, recomendamos aos países que utilizem outros medicamentos para os pacientes que iniciam um tratamento", acrescentou.

"Devemos combater estas resistências crescentes se queremos atingir o objetivo de acabar com a SIDA até 2030", declarou por seu lado o novo diretor-geral da OMS, Tedros Ashanom Ghebreyesus.
Decréscimo de mortes
No final de 2016 viviam com a SIDA em todo o mundo 36,7 milhões de pessoas, das quais 19,5 milhões - ou seja mais de metade, 53 por cento - com acesso a tratamentos, de acordo com números divulgados esta quinta-feira pelo Onusida, o programa da ONU de coordenação da luta contra as consequências do VIH.

Já o decréscimo do número de mortes registado desde 2005, deveu-se a uma melhor difusão dos tratamentos anti retrovirais que impedem o desenvolvimento do VIH, explicou a Onusida.

Só em 2016, "foi possível colocar sob tratamento 2,4 milhões de novas pessoas", anunciou Michel Sidibé, diretor executivo da organização. "Estamos a salvar vidas" felicitou-se.

A ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) congratulou-se com o relatório do Programa da ONU sobre a sida, através de Sharonann Lynch, assessora para VIH e tuberculose da Campanha de Acesso a Medicamentos da organização, mas advertiu que o flagelo persiste.

"É uma boa notícia que tantas pessoas estejam recebendo agora tratamento para o VIH mas um milhão de mortes em um ano ainda é demais. Ainda existe uma crise de SIDA e é muito preocupante que a ajuda internacional para o VIH/SIDA esteja a recuar a partir da conclusão equivocada de que a batalha foi vencida", declarou a responsável.

"Os dados da Onusida mostram que uma em cada três pessoas com VIH só começa o tratamento antirretroviral depois de desenvolver a SIDA. Isso torna mais provável que o resultado do tratamento seja pior. Além disso, pessoas com VIH frequentemente não recebem o tratamento de que precisam para essas infeções oportunistas", como a tuberculose, observou Sharonann Lynch.
Pôr fim à SIDA
O relatório da Onusida foi publicado esta quinta-feira e antecipa a abertura domingo em Paris, França, de uma conferência internacional de pesquisa sobre a doença.

Intitulado "Pôr fim à SIDA", o relatório "é uma demonstração muito clara de que podemos atingir o objetivo 90-90-90" estimou Sidibé, referindo-se ao objetivo lançado há três anos de que, até 2020, 90 por cento das pessoas portadoras do VIH saibam da sua condição, que, entre elas, 90 por cento estejam a ser tratadas e que, entre estas últimas, 90 por cento tenham uma carga viral indetetável.

No final de 2016 esta proporção era de 70, 77 e 82 por cento, de acordo com a Onusida.

Ainda não existe uma vacina contra o VIH e as pessoas seropositivas têm de seguir tratamentos por anti retrovirais ao longo de toda a vida.Em 2016, registaram-se ainda 1,8 milhões de novas infeções com VIH, ou uma a cada 17 segundos. O número tem vindo a diminuir de forma regular desde o máximo de 3,5 milhões de contaminações, atingido em 1997. Mas a descida é demasiado lenta para atingir o objetivo de 550.000 novas contaminações em 2020, que permitiria dominar a epidemia, advertiu a Onusida.

Os tratamentos anti retrovirais são por outro lado caros e têm efeitos secundários mas transformaram a existência dos seropositivos e prolongaram a sua esperança de vida.

Sem eles, as pessoas que contraíram o vírus desenvolvem a SIDA, já que o VIH enfraquece o sistema imunitário e o expõe a infeções oportunistas. A tuberculose foi em 2016 a primeira causa de morte entre os pacientes com VIH.

Apesar dos problemas apontados pela OMS, a luta contra a disseminação do vírus conseguiu resultado positivos nós últimos anos, particularmente no continente continente africano. 

Preocupação a leste da Europa
Na África austral e de leste, onde se encontra mais de metade das pessoas seropositivas, as mortes ligadas à SIDA caíram 42 por cento desde 2010 e as novas infeções, 29 por cento. Seguiram-se o oeste e o centro de África, com somente 35 por cento de pessoas seropositivas em tratamento, contra 60 por cento no sul e no leste do continente.

A Onusida está sobretudo preocupada com a explosão da epidemia na Europa de leste e na Asia central. O número de mortes cresceu 27 por cento em seis anos. "E a minha deceção", admitiu Michel Sidibé, particularizando a Rússia, que centra 81 por cento das novas infeções nesta zona do globo.

No seu relatório, a OMS afirma que "dispomos de todos os recursos necessários para erradicar a epidemia".

"A falta de vontade política e de meios para tornar as palavras em atos é o maior obstáculo", estimou por seu lado a Coalition plus, um agrupamento de associações de luta contra a SIDA.
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