"Muito pior que o Watergate". Trump pressiona secretário de Estado da Geórgia a inverter resultado

por Andreia Martins - RTP
Ken Cedeno - EPA

O Presidente dos Estados Unidos pressionou o secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, a "encontrar" votos suficientes para derrotar Joe Biden. Dois meses depois da eleição, Donald Trump continua a recusar-se a conceder a vitória. Carl Bernstein, jornalista que denunciou o Watergate, considera que este caso é "muito pior" que o escândalo que envolveu o Presidente Richard Nixon nos anos 70.

A menos de três semanas de deixar a Casa Branca, Donald Trump encetou numa derradeira tentativa de inverter o resultado eleitoral de novembro que determinou a vitória do candidato democrata, Joe Biden.

Numa chamada telefónica publicada no domingo pelo jornal norte-americano The Washington Post, o atual Presidente dos Estados Unidos pressiona um responsável da Geórgia a inverter os recalcular os resultados obtidos naquele Estado.

“As pessoas da Geórgia estão furiosas, as pessoas no país estão furiosas. E não há nada de errado em dizer (…) que recalculou os resultados”, diz o Presidente dos Estados Unidos na conversa telefónica.

Brad Raffensperger, da ala republicana, tem atestado nas últimas semanas a vitória de Joe Biden na Geórgia. O secretário de Estado daquele território responde ao Presidente, durante a chamada: “Bem, mas senhor Presidente, o desafio aqui é que os dados que está a indicar estão errados”.

Donald Trump riposta: “Veja uma coisa. A única coisa que quero é isto. Só quero que encontrar 11.780 votos, o que é mais do que nós tivemos. Porque nós vencemos o Estado. Não é possível que eu tenha perdido na Geórgia. Não é possível. Vencemos por centenas de milhares de votos”.



No áudio divulgado pelo Post, é ainda possível ouvir Donald Trump a sugerir que tenha havido votos rasgados em Fulton County com base num "rumor", e ainda que a Dominion [Voting Systems], empresa de tecnologia que proporcionou muitas das máquinas e software que os norte-americanos usaram para votar, tenha interferido no resultado.

"A Dominion é muito rápida a livrar-se das suas máquinas", diz o Presidente norte-americano. Não existem quaisquer provas desta interferência, mas as várias teorias da conspiração em volta desta eleição já obrigaram um responsável da empresa nos Estados Unidos a esconder-se por motivos de segurança após ter recebido várias ameaças.  

É nesta altura da conversa que Ryan Germany, conselheiro do secretário de Estado da Geórgia, também participa na chamada telefónica: "Não, a Dominion não deslocou quaisquer máquinas de Fulton County", assevera. Ao que o Presidente Trump questiona: "Mas eles não moveram partes internas das máquinas e substituíram-nas por outras partes?"

Após um longo silêncio, Ryan Germany responde: "Não". O Presidente norte-americano insiste: "Tem a certeza, Ryan?", ao que o conselheiro responde: "Tenho a certeza".

Noutro momento da conversa telefónica, o Presidente norte-americano insiste: "Vocês deveriam querer ter uma eleição correta. E vocês são republicanos". Raffensperger responde: "Acreditamos que tivemos uma eleição correta".

"Vocês sabem o que eles fizeram e não estão a divulgá-lo. Isso é uma infração penal. Não podem permitir que isso aconteça. Isso constitui um grande risco para si [Raffensperger] e para Ryan [Germany], o seu advogado. Eles estão a cortar votos, na minha opinião, com base no que ouvi. Estão a remover máquinas, estão a movê-las o mais rápido que conseguem" insiste Trump.
"Isto é algo muito pior do que o Watergate"

A publicação da conversa gerou contestação e mesmo alguns pedidos de um segundo processo de impeachment contra Donald Trump. Bob Bauer, conselheiro de Joe Biden, considera que esta é uma “prova irrefutável” de um Presidente a “pressionar e a ameaçar” alguém do seu próprio partido a rescindir da “legítima contagem de votos, certificada por um Estado” e a “fabricar outro resultado”.

Ainda antes da divulgação da conversa pelo Washington Post, Donald Trump denunciava Raffensperger no Twitter: “Ele não quer responder ou não consegue responder a questões sobre votos debaixo da mesa, destruição de cédulas, eleitores de fora do Estado, eleitores mortos, e muito mais. Ele não faz ideia!”.

Como já aconteceu noutras ocasiões, a rede social deixa novamente o alerta anexo à mensagem de Donald Trump: "Esta afirmação sobre fraude eleitoral é controversa".

O responsável estadual respondia, também através do Twitter: “Respeitosamente, Presidente Trump, o que está a dizer não é verdade. A verdade será conhecida”, escreveu.


Nas eleições presidenciais de novembro, Donald Trump perdeu na Geórgia, naquele que foi o primeiro escrutínio desde 1992 em que um democrata venceu aquele Estado. O resultado já foi certificado em dezembro: “Contámos os votos por três vezes e os resultados permanecem inalterados. Continuar com desmentidos e alegações de uma eleição roubada só prejudica o nosso Estado”, disse na altura o governador Brian Kemp.

Ainda que alguns senadores e representantes na Câmara e no Senado próximos de Trump coloquem objeções ao resultado de novembro, a vitória de Joe Biden no colégio eleitoral após as eleições novembro será ratificada pelo Congresso norte-americano já esta quarta-feira. A tomada de posse do novo Presidente está marcada para 20 de janeiro.

Carl Bernstein, um dos repórteres norte-americanos que revelou, ao lado de Bob Woodward, o escândalo do Watergate nos anos 70, considera que esta situação é ainda mais grave do que a que envolveu na altura Richard Nixon e que desencadeou a renúncia do então Presidente.

“Isto não é um déjà-vu. Isto é algo muito pior do que o que aconteceu no Watergate. Esta gravação mostra o que o Presidente está disposto a fazer para enfraquecer o sistema eleitoral. De uma forma ilegal, inapropriada e imoral, Trump está a tentar incitar um golpe para continuar como Presidente dos Estados Unidos”, afirma Carl Bernstein.

Num tweet, Adam Schiff, uma das principais figuras no julgamento de impeachment de Donald Trump em 2019-2020, considerou que este é mais um momento em que "o desprezo de Trump pela democracia fica exposto".



"Pressionar um responsável eleitoral para 'encontrar' votos de forma a que possa vencer é uma ação potencialmente criminosa e outro flagrante abuso de poder por parte de um homem corrupto, que seria um déspota se o permitissemos. Não vamos permitir", acrescentou.
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