Na prisão, na Bélgica, nas ruas. Eis a Catalunha, uma semana depois da independência

por Christopher Marques - RTP
Albert Gea - Reuters

Há precisamente uma semana, o Parlamento da Catalunha aprovava uma declaração unilateral de independência, poucas horas antes de o Governo de Madrid anunciar a destituição dos líderes catalães. Uma semana depois, o jogo complicou-se para os independentistas: a fuga de Carles Puigdemont para Bruxelas não só contribuiu para a prisão dos seus companheiros de governo como não desembocou na europeização do conflito. Resta perceber se a dura resposta madrilena vai favorecer a mobilização das massas, seja nas ruas ou nas urnas de 21 de dezembro.

A 27 de outubro o Parlamento catalão aprova uma declaração de independência. Nesse mesmo dia, o Senado espanhol valida a aplicação do artigo 155 e Carles Puigdemont deixa a Catalunha. A 28 de outubro torna-se efetiva a destituição do Governo catalão e a dissolução do Parlamento regional.

A 30 de outubro, o Ministério Público acusa os membros da Generalitat destituída de rebelião e sedição. Convoca-os para dia 2 de novembro. Chega a audição, Carles Puigdemont falta à convocatória e a justiça espanhola coloca em prisão preventiva oito membros do seu executivo.

Assim chegamos a 3 de novembro,
com o ex-vice-presidente da Catalunha preso preventivamente, juntamente com sete dos seus conselheiros. Espera-se agora um mandado de captura europeu para Carles Puigdemont e os restantes ex-governantes que com ele se encontram na Bélgica.

Entre os ex-governantes que ficaram em prisão preventiva na quinta-feira encontra-se Oriol Junqueras, líder da Esquerda Republicana de Catalunha e ex-vice-presidente do governo regional.

Um dos motivos apontados pela juíza da Audiência Nacional para justificar a prisão preventiva é a própria ida de Carles Puigdemont e de outros quatro membros da Generalitat destituída para Bruxelas, que a usa para comprovar que há risco de fuga dos arguidos. “Basta recordar que alguns dos acusados deslocaram-se para outros países, escapando às responsabilidades criminais em que possam ter ocorrido”, escreve a magistrada no auto de detenção.

Entre os nove ex-governantes que se apresentaram na quinta-feira na Audiência Nacional, apenas a um deles foi dada a possibilidade de sair. O ex-conselheiro Santi Vila vai aguardar julgamento em liberdade mediante o pagamento de uma fiança no valor de 50 mil euros.

Vila era o conselheiro da Empresa e do Conhecimento mas demitiu-se em desacordo com Carles Puigdemont antes de declaração de independência. Santi Vila defendia a convocação de eleições autonómicas pelo presidente da Generalitat, apresentando uma postura mais moderada que os restantes membros do governo independentista.

Os oito membros a quem é aplicada prisão preventiva efetiva arriscam-se agora a ficar detidos até ao início do julgamento, o que poderá demorar até dois anos. Arriscam depois 25 anos de prisão pelo crime de rebelião, 15 pelo de sedição e oito por prevaricação.
E agora, Puigdemont?
Com mais de metade do “governo legítimo da Catalunha” detido, Carles Puigdemont mantém-se no centro de todas as atenções. Na quinta-feira, exigiu a libertação dos antigos membros do seu Governo. O líder catalão acusou o Governo espanhol de promover um “clima de repressão sem precedentes” antes das eleições regionais de 21 de dezembro.

Puigdemont alertou ainda o povo catalão para a “repressão grande e feroz” que os espera mas pediu-lhes para que combatam como “fazem os catalães”. “Sem violência, em paz”, acrescentou na declaração emitida pela televisão pública catalã.

Aguarda-se agora que a justiça espanhola emita um mandado europeu de captura contra o líder catalão e os restantes quatro ex-conselheiros que estarão com ele na Bélgica.

O advogado de Puigdemont, Paul Bekaer, disse também na quinta-feira que o presidente destituído tenciona cooperar com as autoridades e que está pronto a entregar-se à polícia belga caso isso seja solicitado. Caso diferente será o aceitar da extradição para Espanha.

Ou seja, a confirmar-se a permanência de Carles Puigdemont em território belga, as autoridades espanholas deverão solicitar a sua detenção e extradição ao Ministério Público belga. A detenção de Carles Puigdemont deverá ser quase imediata, tendo as autoridades belgas já garantido que pretendem aplicar a lei.

Mais difícil será a extradição para Espanha, que o advogado belga Paul Bekaer, especialista neste tipo de processos, tentará impedir ou, pelo menos atrasar. A estratégia será mostrar que está em causa o respeito dos direitos fundamentais dos acusados e que a acusação é desproporcional perante os feitos.

Se uma extradição consentida pode concretizar-se numa dezena de dias, a batalha na justiça belga poderá atrasar o processo dois meses. Ou seja, mesmo que seja emitido já o mandado de captura europeu, Carles Puigdemont poderá encontrar-se ainda em território belga a 21 de dezembro, quando os catalães são convidados a eleger um novo Parlamento regional e, por inerência, o novo executivo da Generalitat.
A caminho do 21D
Com Puigdemont na Bélgica e grande parte do executivo destituído na prisão, restam dois grandes instrumentos na defesa da independência catalã: a rua e as urnas. Os catalães são chamados a votar no dia 21 de dezembro.

De recordar que esta eleições foram convocadas pelo Governo de Espanha, depois de ter sido ativado o artigo 155 que suspende a autonomia catalã e de Mariano Rajoy ter anunciado a destituição da Generalitat e a dissolução do Parlamento da Catalunha.

Apesar de serem convocadas com o recurso ao artigo 155 e de Carles Puigdemont se apresentar como “presidente do Governo legítimo da Catalunha”, o próprio líder destituído respeita a convocatória de eleições e promete respeitar o resultado.

Se Mariano Rajoy anuncia as eleições como forma de repor a “legalidade” e a normalidade nas instituições, as eleições autonómicas poderão criar um novo imbróglio ou manter o existente.

A menos de dois meses das eleições – e não sendo certo de que forma é que os desenvolvimentos da última semana podem influenciar o resultado, - as sondagens preveem um resultado muito semelhante ao de 2015. Ou seja, os partidos independentistas conseguirão menos de 50 por cento dos votos mas conseguirão ter maioria absoluta de deputados.

A sondagem da Sociométrica para o El Español divulgada no dia 1 de novembro indica que a Esquerda Republicana de Catalunha deverá conseguir 31,2 por cento dos votos e 48 deputados. O partido de Carles Puigdemont (PdeCat) pode ter 10,1 por cento dos votos e 13 deputados.



Estes são os dois partidos que fizeram parte em 2015 da coligação Juntos pelo Sim e que governavam até há uma semana a Generalitat. A repetir-se a coligação dá-se aqui uma inversão de forças: a esquerda de Oriol Junqueras possui agora mais poder do que a direita de Carles Puigdemont.

A maioria independentista fica ainda fechada com os sete deputados que a CUP deverá conseguir. A CUP é um partido antissistema e radical que não faz parte do executivo mas que tem aprovado as manobras independentistas no hemiciclo catalão. Ao todo, ERC, PdeCAT e CUP obtêm nesta sondagem 47 por cento dos votos e 68 deputados, número mínimo de uma maioria absoluta no hemiciclo catalão.

Os restantes partidos obtêm 49,5 por cento dos votos e 67 mandatos. Incluem-se aqui as intenções de voto no Ciudadanos (18,3 por cento e 26 deputados), Partido Socialista da Catalunha (12,2 por cento e 13 deputados), Catalunha, sim é possível (dez por cento e 13 deputados) e Partido Popular (nove por cento e 12 deputados).

Esta sondagem foi realizada depois de Carles Puigdemont ter partido em direção à Bélgica, mas antes de oito membros do governo destituído terem sido colocados em prisão preventiva. Ainda não se sabe que efeito estas ações poderão ter no eleitorado catalão nem a estratégia que será seguida pelos partidos independentistas.

Não se sabe sequer se será reeditada a coligação Juntos pelo Sim que concorreu às eleições autonómicas de 2015 ou se a ERC e o PdeCat pretendem concorrer em separado a 21 de dezembro.
Hora das ruas
Se, para as eleições, é hora de mobilização nos partidos e de definição de estratégias políticas, a mobilização nas ruas é a mais imediata. Na verdade, é uma mobilização que não tem parado ao longo das últimas semanas.

Na noite de quinta-feira, milhares de pessoas manifestaram-se contra o que consideram ser a repressão de Madrid e o regresso dos “presos políticos”. Esta manhã, várias vias de comunicação foram cortadas em protesto contra a prisão preventiva aplicada a Oriol Junqueras e restantes ex-governantes catalães.

Houve linhas férreas cortadas e mesmo autoestradas que foram palco de protestos. A Gran Via de Barcelona, grande avenida que atravessa a capital catalã, esteve também cortada numa manhã difícil para quem tentou chegar à cidade condal.

Também esta manhã a presidente do Parlamento da Catalunha regressou ao hemiciclo catalão, onde foi ovacionada pelos funcionários da assembleia. Carme Forcadell está agora sob vigilância policial, depois de ter comparecido na quinta-feira no Supremo Tribunal. Esta instância decidiu adiar a sessão para 9 de novembro, aceitando o tempo pedido pela defesa para se preparar melhor.

Ao contrário de Puigdemont e Junqueras, Forcadell faz parte da junta permanente do Parlamento, com mais cinco deputados, que continuam em funções e beneficiam portanto de imunidade parlamentar. Estão por isso sob jurisdição do Supremo Tribunal e não da Audiência Nacional.
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