NATO. Acordo entre Ancara e Estocolmo desperta receios entre curdos na Suécia

por RTP
A comunidade curda na Suécia é composta por 100 mil pessoas e a defesa dos direitos deste povo por Estocolmo tem sido um dos pontos de atrito nas relações com Ancara. Yves Herman - Reuters

Os curdos residentes na Suécia receiam tornar-se peões nas negociações de Estocolmo sobre a sua adesão à Aliança Atlântica. As preocupações surgem depois de Suécia e Finlândia terem assinado um acordo com a Turquia no qual fazem cedências às exigências desse país do Médio Oriente para que este facilite a adesão à NATO. No mesmo acordo está prevista a extradição de curdos que se oponham ao Governo turco.

A Suécia e a Finlândia pediram a adesão à NATO na sequência da invasão russa da Ucrânia. Os pedidos foram calorosamente recebidos e classificados como um “momento histórico” pelos líderes da Aliança. Houve, porém, um entrave desde o início: a Turquia decidiu vetar a adesão, argumentando que Estocolmo apoia militantes curdos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), classificados pela Turquia, União Europeia e Estados Unidos como organização terrorista.

Qualquer pedido de adesão à NATO tem de conseguir o apoio dos 30 membros da Aliança. A Turquia é membro há mais de 70 anos. Na terça-feira esse país levantou o veto, anunciando a assinatura de um acordo com os dois países nórdicos que salvaguarda as preocupações turcas em relação à luta contra o terrorismo.

“A Finlândia e Suécia comprometem-se a apoiar totalmente a Turquia contra ameaças à segurança nacional e isto inclui emendas às legislações nacionais, reprimir as atividades do PKK e chegar a um acordo com a Turquia sobre extradições”, revelou o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg.“Não queremos os curdos na nossa mesa de negociações”, frisou Shiyar Ali, representante escandinavo das regiões maioritariamente curdas no norte da Síria.

A comunidade curda na Suécia é composta por 100 mil pessoas e a defesa dos direitos deste povo por Estocolmo tem sido um dos pontos de atrito nas relações com Ancara.

“A Suécia tem sido um entrave no caminho da Turquia ao criticar os abusos dos Direitos Humanos pelos turcos. Há uma diáspora curda forte e vibrante na Suécia, parque da qual é simpatizante do PKK”, explicou à agência Reuters Paul Levin, diretor do Instituto de Estudos Turcos da Universidade de Estocolmo.

“Tudo isto vai contra a perspetiva turca, segundo a qual o PKK e os seus afiliados são uma ameaça à segurança nacional da Turquia”.
“Curdos foram traídos muitas vezes na História”
O Partido dos Trabalhadores do Curdistão tem vindo a protagonizar uma insurgência na Turquia desde 1984. Desde então, mais de 40 mil pessoas morreram em conflitos entre as duas partes.

A Suécia é assumidamente contra o PKK, mas nunca negou ajuda humanitária à Síria e aos refugiados na região, fornecendo esse apoio maioritariamente através de organizações internacionais.

Recentemente, quando Estocolmo demonstrou a intenção de se juntar à NATO, o presidente turco Tayyip Erdogan ameaçou lançar uma nova incursão no norte da Síria para recapturar cidades controladas pelas Forças Democráticas Sírias, coordenadas pelos curdos e apoiadas por Washington. “Estamos preocupados que os curdos se tornem vítimas da política”, admitiu Ahmed Karamus, codiretor sueco do Congresso Nacional do Curdistão.

Agora que Turquia e Suécia assinaram um acordo que envolve o PKK e extradições de curdos, estes temem as possíveis consequências destas negociações. O curdo Osman Aytar, que nos anos 1990 fugiu da Turquia para a Suécia para escapar à sentença de prisão perpétua, lembrou em entrevista à Reuters que “os curdos foram traídos muitas vezes na História”.

Agora com 62 anos e professor numa universidade sueca, Aytar alerta que “talvez Erdogan pense que pode invadir novas partes da Rojava [regiões maioritariamente curdas do norte da Síria] e que o Ocidente vai ficar de braços cruzados devido à questão da adesão à NATO”.

“Se o Ocidente fechar os olhos, Erdogan vai ficar feliz”, defendeu, dizendo ainda esperar “que a Suécia não faça cedências de que se envergonhe mais tarde”.

O Governo sueco já recusou comentar as negociações atuais com a Turquia e vê-se agora numa situação complicada, depois de anos a promover os Direitos Humanos e a defesa de minorias étnicas.

Este mês, o executivo da Suécia sobreviveu a uma moção de censura com a ajuda de um antigo combatente curdo que exigiu, em troca, a continuação do apoio ao povo curdo.
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