Norte-americanos receiam mais os movimentos "antifascistas" do que a extrema-direita

por RTP
Jim Urquhart - Reuters

Durante as campanhas para as eleições presidenciais de 2016, e desde que Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos em 2017, deu-se um reaparecimento da extrema-direita no país. À medida que estes grupos foram ganhando força, começaram também a aparecer movimentos "antifascistas". Mas, se a extrema-direita mostrou representar um perigo muito maior, porque é que tantos norte-americanos têm medo dos antifas?

No início de setembro, os incêndios florestais que atingiram Molalla, no Estado de Oregon, geraram alguma controvérsia e "desinformação".

A jornalista independente Alissa Azar relatou à Al Jazeera que quando tentava filmar e captar imagens dos incêndios e das populações a fugir foi abordada por três homens vestidos à civil e armados. Olharam-na de alto a baixo, tentaram perceber o que estava ali a fazer e exigiram que dissesse o que "sabia sobre os ladrões e desordeiros" que teriam aparecido na cidade.

Nem ela nem os dois colegas sabiam do que os homens falavam, nem o que pretendiam.

"Saiam nossa cidade", terão dito os homens a Azar, que acrescenta que enquanto abandonava o local os três homens armados tiraram fotos do veículo e da placa de matrícula.

Com vários incêndios a devastar várias zonas do país, começaram a surgir relatos e rumores na Internet e até nos meios de comunicação, proliferando-se ainda pelos site de notícias associadas à extrema direita. Alguns diziam que os "fascistas provocaram um incêndio" de propósito e que tentavam assaltar as casas dos desalojados.

O site InfoWars, do teórico da conspiração Alex Jones, culpava os "terroristas democratas" por desencadearem os incêndios. O portal Pundit, de extrema-direita, afirmou que um "radical antifa" tinha sido preso por provocar incêndios florestais, embora mais tarde tenha removido a palavra antifa. Até uma conhecida apresentadora da Fox News, Laura Ingraham, se juntou ao coro da "desinformação".

A população foi tomada pelo pânico e as denúncias aumentaram, tendo o Departamento de Polícia de Molalla de assegurar aos locais que "não houve nenhum antifa na cidade", acrescentando: "Por favor, fiquem calmos e usem o bom senso".

A jornalista declarou nunca ter considerado que "a ideia de que um incêndio florestal pudesse ser político", mas a corrente de rumores continuou.

No condado de Douglas, os serviços de emergência tentavam atender as inúmeras chamadas de residentes preocupados que queriam mais informações sobre um relatório - uma alegação infundada enviada através do Twitter do candidato republicano ao Senado, Paul Romero - no qual constava que a polícia mantinha seis ativistas antifascistas detidos por supostamente provocarem incêndios.

"Isso não é verdade", disse o gabinete do chefe da polícia local em comunicado. "Infelizmente, as pessoas estão a espalhar esse boato e isso está a causar problemas".

As autoridades acabariam por provar que os relatórios eram falsos e que, além de alarmarem toda a população, as chamadas dos locais impediam o funcionamento das linhas dos serviços de emergência para situações realmente urgentes.

"Teorias de conspiração e desinformação roubam recursos valiosos aos bombeiros locais e aos polícias que trabalham dia e noite para controlar esses incêndios", disse Loren Cannon, agente especial do FBI.
Crescimento da extrema-direita potencia movimentos antifascistas

A 12 de agosto de 2017, milhares de nacionalistas brancos e neonazis desceram em Charlottesville, Virgínia, onde protestaram contra a decisão da cidade de remover uma estátua confederada. Ao longo do dia, os manifestantes de extrema-direita atacaram os moradores e os contra-manifestantes e entraram em confronto com os antifascistas.

No final desse dia, um manifestante de extrema-direita, chamado James Alex Fields Jr, lançou o carro conta contra uma multidão de manifestantes antirracismo, matando uma pessoa e deixando dezenas de feridos.

A extrema-direita voltou a reaparecer em novembro de 2018, quando Trump afirmou que uma caravana de migrantes e refugiados com destino aos EUA ensaiava uma "invasão" na fronteira sul com o México. Nessa altura, manifestantes contra os imigrantes inundaram as fronteiras, conspirando ainda para enviar bombas a vários democratas.

A verdade é que a maioria dos ataques violentos nos Estados Unidos continuam a ser perpetrados pelos grupos da extrema-direita. Segundo concluiu um relatório do Centro de Estudos Estratégicos, os "terroristas de direita perpetraram a maioria - 57 por cento - de todos os ataques e conspirações" entre 1994 e 2020. Também descobriu que "em 14 dos 21 anos entre 1994 e 2019, em que ocorreram ataques terroristas fatais, a maioria das mortes resultou de ataques da extrema-direita".

Já os antifa não são uma organização. Antifa é uma ideologia e um movimento descentralizado que inclui pessoas de toda a esquerda - anarquistas, comunistas e socialistas, entre outros - que lutam contra a ascensão da extrema-direita.

Os antifascistas são ativistas que lutam através da educação pública, protestos contra a extrema-direita, por exemplo, mas é a disposição do movimento de usar o confronto direto e danificar propriedades que atrai grande parte da atenção pública - daí o medo das pessoas em relação aos antifascistas.

"O que é esquecido é tudo o que as pessoas não veem", disse Mark Bray, historiador e autor de Antifa: The Anti-Fascist Handbook.

"O que eles veem e o que enche as manchetes e se torna um espetáculo nos media é o confronto, mas isso é apenas uma pequena porcentagem do que os antifascistas fazem".

Bray explicou ainda que a pesquisa, a construção de coligações e outras táticas não violentas desempenham um papel importante nos esforços do movimento antifascista para impedir a extrema-direita de construir um "movimento político coerente".

Mas , com a ameaça de uma escalada, políticos de direita e muitos liberais culparam a antifa pela destruição de propriedades, assaltos e confrontos com a polícia durante os protestos Black Lives Matter, por exemplo, o que contribuiu para a imagem negativa que os norte-americanos tem do Antifa.
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