Nostalgia autoritária leva Marcos Jr. ao poder nas Filipinas -- académicos

por Lusa

A nostalgia autoritária e juventude sem memória são responsáveis por conduzir até à presidência das Filipinas Marcos Jr., filho do antigo ditador do país e que "não é lembrado por nada" na política, segundo académicos ouvidos pela Lusa.

Sobe ao poder nas Filipinas, a 30 de junho, mais um membro da poderosa dinastia política Marcos: Ferdinand Marcos Jr., de 64 anos, filho do falecido ditador com o mesmo nome, que venceu as presidenciais de 09 de maio com 58,8% dos votos. É o primeiro candidato a conquistar a maioria absoluta desde que o pai foi deposto em 1986.

Em entrevista à Lusa, Jean Encinas-Franco, cientista política da Universidade das Filipinas-Diliman, defendeu que os eleitores foram movidos por uma "nostalgia autoritária" na escolha do futuro líder.

Para a análise dos resultados, a académica observou dois barómetros -- o Asian Barometer Survey e o World Value Survey - que indicam que "os valores filipinos apoiam líderes autoritários". E avaliou: "A maioria da população gosta de líderes que prometem manter a lei e a ordem e que também estão orientados para a segurança em detrimento das liberdades".

Durante o regime de Ferdinand Marcos (1965-1986), que culminou com o exílio da família nos Estados Unidos, morreram pelo menos três mil pessoas em execuções extrajudiciais e mais de 35 mil cidadãos foram torturados. Episódios da história contemporânea recordados por poucos num "país muito jovem", apontou à Lusa Tom Smith, académico da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido.

"A grande maioria da população não tinha nascido durante a primeira ditadura de Marcos", recordou Smith, avaliando que "a classe trabalhadora - a vasta maioria da população -- e a população mais nova não foram marcados [pelo regime], em comparação com a geração mais velha".

Dados dos Censos de 2020 revelam que, nesse ano, 82% da população filipina tinha nascido após 1972, ano em que foi imposta a lei marcial, durante a qual milhares de opositores do regime de Marcos foram vítimas de repressão.

Sobre o filho homónimo, que assume agora a liderança da nação, Tom Smith lembrou que, apesar de ser um político de carreira, Marcos Jr. "não tem sido forte na política", fazendo por "evitar cair em armadilhas e meter-se em confusões".

"Este é um líder que venceu as eleições sem fazer campanha, ou pelo menos sem fazer campanha de uma forma muito tradicional, furtando-se do confronto direto e debates com outros candidatos e com a imprensa", sublinhou o professor de Relações Internacionais, especialista em terrorismo e violência política no Sudeste Asiático.

Jean Encinas-Franco concorda. No campo legislativo, `Bongbong`, como também é chamado Marcos Jr., "não é lembrado por nada, por nenhuma lei que tenha promovido ou sido aprovada".

"Isso diz muito sobre a forma como conduziu o serviço público no passado. Ele não tem boas credenciais, só tem o nome de família", concretizou.

A entrada do futuro presidente no palco político filipino deu-se em 1980, quando assumiu o cargo de vice-governador da província de Ilocos Norte, reduto do clã Marcos. O jovem de 23 anos, único varão do casamento de Ferdinand Marcos com Imelda Marcos, ascendeu a governador três anos mais tarde. No regresso do exílio, Marcos Jr. continuou sempre ligado à política, nomeadamente enquanto deputado no Congresso.

Aliás, vários elementos da família impuseram-se no panorama político nacional: a irmã, Imee Marcos, e o filho, Sandro Marcos, são membros do Congresso; a mãe, de 92 anos, julgada e condenada por corrupção, e recordada pela extensa coleção de sapatos, o cabelo impecavelmente penteado e os tradicionais trajes `filipianas`, ocupou vários cargos públicos ao lado do marido e depois deste morrer.

Nas eleições de 09 de maio assistiu-se, além disso, à associação de Marcos a outra influente dinastia política: os Duterte. Marcos Jr. substitui o populista Rodrigo Duterte, mas vai governar ao lado da filha, eleita vice-presidente.

"Ele deve muito a Sara Duterte", notou Encinas-Franco.

Para a académica da Universidade das Filipinas, o facto de a filha de Duterte ter "desistido de concorrer à presidência, e de ter dado [a Marcos Jr.] os votos do Sul das Filipinas", faz com que "seja impossível" também a Marcos ceder a qualquer pressão para responsabilizar o ainda chefe de Estado pelas milhares de vítimas da guerra contra a droga.

Na campanha que o levou à vitória nas presidenciais de 2016, Duterte prometeu sanear o país de narcotraficantes e toxicodependentes. Até setembro de 2021, a cruzada antidroga provocou mais de sete mil mortes, de acordo com o gabinete governamental antidroga das Filipinas - Philippine Drug Enforcement Agency - embora estimativas do Tribunal Penal Internacional apontem para entre 12 mil e 30 mil óbitos.

É "pouco provável" - notou Tom Smith -- que Marcos Jr. altere o rumo da guerra antidroga iniciada pelo antecessor. E mais: poucas decisões da próxima presidência deverão desviar-se das políticas securitárias "muito rígidas" de Duterte, defendeu o professor, prevendo uma "crescente militarização" do país.

"Na realidade, a única política mencionada por Marcos durante a campanha eleitoral foi militar, que é tornar o serviço militar obrigatório, para adultos, e introduzir o serviço militar para todos os estudantes universitários", disse.

Jean Encinas-Franco salientou, por sua vez, que os resultados eleitorais representaram um golpe "para um segmento da população", porque significam "o repúdio da revolução de 1986", que afastou Ferdinand Marcos do poder.

Além disso, para a académica, Marcos Jr. foi "o maior beneficiário" de uma campanha de desinformação nas redes sociais que chegou, nomeadamente, à comunidade de trabalhadores migrantes filipinos a viver fora do país.

"E ele venceu entre os eleitores no estrangeiro", frisou.

Nos próximos tempos, prevê Encinas-Franco, Marcos Jr. deverá optar por medidas populistas para continuar a captar a atenção do eleitorado, embora haja inúmeros desafios pela frente, como os "biliões de dívida, devido à má gestão da pandemia de Duterte", a covid-19, o desemprego e a "alta inflação".

Uma promessa eleitoral que poderá marcar uma viragem na liderança de Manila prende-se com os direitos sobre o Mar das Filipinas ocidental, onde estão localizadas ilhas disputadas com a China. Num corte com o passado -- e com a retórica de início da campanha - Marcos Jr. prometeu firmeza no diálogo com Pequim sobre a disputa territorial.

O Tribunal Arbitral de Haia declarou, em 2016, que as reivindicações marítimas chinesas na região são ilegítimas, numa decisão contestada por Pequim e que ficou marcada pela indefinição da posição do Presidente Duterte.

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