Nova geração que já nasceu em democracia está a surgir em Timor-Leste

O presidente do Futuros Alternativos - Instituto de Políticas e Assuntos Internacionais, Fidélis Magalhães, afirmou hoje que os protestos dos universitários em Timor-Leste representam o surgimento de uma nova geração, com outro modelo de civismo.

Lusa /

"Estamos a viver o surgimento de uma nova geração, nascida durante o tempo da independência, da democracia e, creio eu, isso também significa um outro modelo de civismo. Espero que isto não pare por aqui", disse à Lusa o analista político, quando questionado sobre os protestos, que decorreram em Díli, entre segunda e terça-feira.

Os universitários saíram à rua para a exigir o cancelamento da compra de novas viaturas para os deputados, o fim da pensão vitalícia para os parlamentares, a revisão da lei sobre liberdade de reunião e manifestação e financiamento adequado para os setores produtivos no debate do próximo Orçamento do Estado, que terá início em outubro.

Na quarta-feira, os cinco partidos que compõem o parlamento comprometeram-se com as exigências dos estudantes, um dia depois de terem aprovado uma resolução a cancelar a compra de viaturas.

"O maior problema de Timor-Leste não são os carros, as pensões, mas temos de ver a nossa política. Em Timor-Leste temos culturas dentro dos partidos políticos que não facilitam para que haja uma participação ativa", salientou o também antigo ministro.

"Partidos existem, mas os que são eleitos, os que assumem os lugares do parlamento são, normalmente, os menos qualificados, com menos capacidade para poder contribuir para a legislação, na governação", disse Fidélis Magalhães.

Para o analista, que também faz parte do Movimento Timor Avante (Motiva), criado para fortalecer o pensamento e as preocupações com o destino do Estado e do país, há problemas reais para enfrentar e os partidos políticos devem repensar as suas qualidades democráticas.

Segundo os Censos de 2022, 64,6% dos 1,3 milhões de habitantes do país têm menos de 30 anos.

Dados divulgados num relatório sobre capital humano do Banco Mundial, em 2023, indicam que cerca de 20% dos jovens timorenses não estudam, nem trabalham devido à falta de educação, limitações na prestação da saúde e ineficácia da proteção social.

O documento refere também que a taxa de desemprego em 2021 era de 14%, sobretudo devido aos "fracos sistemas de formação profissional, exacerbada pela baixa procura de mão de obra no setor privado", e que o mercado não absorve metade dos trabalhadores com formação universitária.

O Banco Mundial refere também que 72% da população trabalha no setor informal, o que "faz com que a maioria dos trabalhadores em Timor-Leste seja particularmente vulnerável a crise laborais".

Questionado se o descontentamento dos jovens, que representam a maioria dos eleitores, poderia levar ao surgimento de novas formações partidárias, Fidélis Magalhães disse não saber, mas salientou que "há uma divergência, uma alteração geracional, que deverá resultar num novo clima político, numa nova cultura política".

"Timor-Leste tem muitos problemas em termos de governação, de alocação de recursos públicos, gestão de recursos públicos, temos de ser honestos e admitir", afirmou, dando, como exemplo, o dinheiro que é gasto em simbolismos e cerimónias, que não trazem melhorias para a qualidade de vida da população.

Para o analista, os protestos devem servir para que "haja uma mudança mais aprofundada na vida política e cívica".

"As mudanças não são sempre perigosas e não são sempre uma ameaça. Quando ainda há recursos suficientes como agora, temos uma oportunidade de gerir a mudança e adaptar à realidade", salientou.

Fidélis Magalhães considerou também que os líderes não podem ver os protestos como uma ameaça, mas como uma "oportunidade para garantir uma mudança positiva rumo ao desenvolvimento e à sustentabilidade do país".

"É do seu próprio interesse abrir uma conversa séria para não deixar cair o país. No futuro, sem recursos, sem gasóleo na máquina, será mais difícil para acabar com gastos que não trazem benefícios", afirmou.

O analista recordou também que Timor-Leste não pode perder outra geração.

"Temos de trabalhar, ser sérios e as mudanças trazem oportunidades para discussões aprofundadas e não só o Governo, toda a sociedade, caso contrário [o país] não vai aguentar e ser sustentável no futuro", insistiu.

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