Nova Zelândia. Atacante enviou “manifesto” à primeira-ministra antes do massacre

Mais de 24 horas depois do ataque a duas mesquitas de Christchurch, onde morreram 49 pessoas e outras 48 ficaram feridas, o mundo continua em estado de choque à procura de respostas. Sabe-se agora que o atirador, Brenton Tarrant, enviou um documento à primeira-ministra, bem como às principais figuras da política neozelandesa e a cerca de 70 meios de comunicação social, poucos minutos antes do ataque.

RTP /
Jorge Silva - Reuters

O “manifesto” racista com 74 páginas foi publicado em várias redes sociais e enviado à primeira-ministra neozelandesa, ao líder da oposição, ao porta-voz do Parlamento e a vários meios de comunicação social, poucos minutos antes do ataque. 

Um porta-voz da primeira-ministra Jacinda Ardern refere que o e-mail endereçado à chefe do Governo neozelandês foi enviado minutos antes do ataque, mas que o seu conteúdo e timing “em nada poderiam ter servido para prevenir o ataque”.

No documento, Brenton Tarrant assume-se como defensor da ideologia da supremacia branca, fascista, anti-imigração e anti-Islão.   

Com o título “A Grande Substituição” o "manifesto" faz referência a uma teoria popular entre os movimentos de extrema-direita, que alerta para os perigos da imigração dos povos não-europeus, ou a “submersão cultural dos povos europeus brancos pela imigração”.   

O ataque de sexta-feira foi planeado pelo menos há três anos e terá sido engendrado durante uma longa viagem de vários anos. Esteve na Europa e passou mesmo por território português, tendo passado também pelo Paquistão, Coreia do Norte e China.  

Resposta polémica de Trump

Neste documento, o atacante presta homenagem a Donald Trump e considera que o Presidente norte-americano é “um símbolo de uma identidade branca renovada”. 

Faz também referência à derrota de Marine Le Pen nas eleições presidenciais francesas de 2017, referindo que esse foi um fator determinante na preparação deste ataque, tal como os vários atentados perpetrados por radicais muçulmanos na Europa.  

Nos Estados Unidos, a resposta a este ataque por parte do Presidente norte-americano está a gerar polémica. Donald Trump expressou as suas condolências, considerando que se tratou de “um massacre horrível”.  

Mas, questionado sobre o perigo representado pela ascensão dos movimentos de supremacia branca, Trump desvalorizou a questão e não quis culpar “um grupo muito pequeno de pessoas por estes problemas sérios, muito sérios”.   
Atirador em prisão preventiva

O atacante de 28 anos já esteve perante um juiz este sábado, tendo sido acusado de homicídio. Entrou no tribunal algemado e acompanhado por dois polícias e esteve perante o juiz cerca de um minuto.  

O atirador ficou em prisão preventiva e será novamente presente em tribunal, a 5 de abril, data em que deverá ser alvo de novas acusações.

O próprio juiz referiu que, apesar de existir uma acusação de homicídio, é “razoável assumir que outras se vão seguir”.  

Duas outras pessoas estão sob custódia da polícia, que tenta apurar se os suspeitos estiveram envolvidos de alguma forma nos ataques.

O atirador gravou o momento do ataque em direto, com uma câmara que transportava na cabeça. As imagens mostram a chegada do homem à mesquita de Al Noor, quando começou a atirar indiscriminadamente sobre a multidão com uma arma semiautomática.  

A certa altura, o homem regressa ao carro para trocar de armas e volta à mesquita para matar mais crentes. “Como se fosse um jogo de computador macabro”, descreve a agência Reuters.  

Só na mesquita de Al Noor morreram 41 pessoas. O atirador teve ainda tempo para alcançar uma segunda mesquita de Linwood, onde morreram sete pessoas. Acabou por ser detido pela polícia num carro, onde a polícia garante ter apreendido aparelhos explosivos improvisados. A detenção aconteceu 36 minutos após a primeira chamada efetuada.  

Armas eram legais

Segundo a polícia da Nova Zelândia cinco armas foram usadas pelo autor do ataque sendo que duas eram armas semiautomáticas e outras duas espingardas.  

“O atacante tinha um carro. Havia mais duas outras armas no veículo do suspeito, e era certamente sua intenção prosseguir com este ataque", disse a primeira-ministra Jacinda Arden.

Também de acordo com a chefe de Governo neozelandesa, o atirador tinha licença de porte de armas e adquiriu as armas utilizadas no ataque de forma legal, mas que estas terão sido alteradas.  


Na Nova Zelândia, a idade mínima para a posse de arma é de 16 anos, ou 18 anos no caso de uma arma semiautomática. Embora os donos precisem de ter licença, não é necessário fazer um registo das armas.  

“Uma das questões que enfrentamos é que as armas usadas neste caso parecem ter sido modificadas. É um desafio que a polícia tem enfrentado e que procuraremos abordar, alterando as nossas leis”, disse a primeira-ministra.   

Logo na sexta-feira, horas depois do ataque, a primeira-ministra condenou este ato como um “ato terrorista” e considerou que este acontecimento trouxe à Nova Zelândia “um dos dias mais negros” do país.  
“Ainda amamos este país”

Grande parte das vítimas eram migrantes ou refugiados, vindos sobretudo do Paquistão, Índia, Malásia, Indonésia, Turquia, Somália e Afeganistão. Cerca de 1 por cento da população da Nova Zelândia é muçulmana.  

A equipa de críquete no Bangladesh, de visita por estes dias à Nova Zelândia, estava a chegar a uma das mesquitas antes de se ter iniciado o ataque. Todos os jogadores ficaram a salvo, segundo as declarações do treinador.  

Poucas horas depois de um ataque, o imã que conduzia as orações de sexta-feira numa das mesquitas visadas disse este sábado que a relação da comunidade muçulmana neozelandesa com o país não será afetada.  

“Ainda amamos este país”, afirmou Ibrahim Abdul Halim, da mesquita de Linwood. Citado pela agência France Presse, o responsável religioso diz ainda que os extremistas “nunca, jamais, vão abalar a nossa confiança”.  

O imã diz que os muçulmanos neozelandeses ainda se sentem seguros e que grande parte do país esteve em “solidariedade plena” e “pronta de imediato para nos apoiar a todos”, desde o momento do ataque. 
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