"O nacional-populismo veio para ficar". Entrevista a Matthew Goodwin e Roger Eatwell

Por ocasião do lançamento do livro "Populismo: A Revolta Contra a Democracia Liberal", a RTP falou com os investigadores e politólogos britânicos Roger Eatwell e Matthew Goodwin sobre o que está por trás deste movimento transversal e transnacional. Não obstante os recentes resultados do Brexit e da eleição de Donald Trump, os dois autores defendem que os efeitos do populismo vão muito para além da força que demonstram em atos eleitorais e que estes afetam, a longo prazo, o discurso e a política dos partidos convencionais. Os investigadores britânicos avisam ainda que Portugal poderá não estar permanentemente imune a esta realidade.

Em 2016, o mundo foi surpreendido com dois eventos que romperam com a normalidade da política: a eleição de Donald Trump e a votação pelo Brexit. Foi precisamente esse foi o ponto de partida para o livro "Populismo: A Revolta Contra a Democracia Liberal" (National-Populism, publicado em 2018 no Reino Unido), que é agora lançado em Portugal pela editora Saída de Emergência.

Roger Eatwell é professor emérito de Política Comparada da Universidade de Bath e tem uma vasta obra publicada sobre fascismo e populismo contemporâneo, enquanto Matthew Goodwin é professor de Política na Universidade de Kent, com livros publicados sobre o Brexit e as fragilidades na política das democracias ocidentais.

Em entrevista à RTP, para o programa Visão Global, da Antena 1, os dois especialistas argumentam que os partidos tradicionais vão ser cada vez mais influenciados pelos partidos de génese populista. Ou seja, mesmo que estes partidos anti-sistema não vençam eleições, terão um impacto significativo no discurso e nas políticas de todo o país. 

Alertam ainda que a resposta dos partidos tradicionais a estes desafios tem sido pobre e mesmo contraproducente. Roger Eatwell e Matthew Goodwin traçam uma linha entre o nacional-populismo e o racismo e xenofobia, valores a que é muitas vezes associado, e avisam mesmo que este tipo de generalizações podem polarizar e excluir ainda mais certas partes do eleitorado.

E ainda que os nacional-populismo, como são definidos no livro, sejam diferentes de país para país, existem traços comuns como a descrença nas elites, a diminuição da lealdade entre o eleitor e os partidos, ou a divisão educacional entre os eleitores.

Sobre Portugal, e apesar da aparente acalmia, Roger Eatwell e Matthew Goodwin argumentam que o país não é completamente imune a este tipo de fenómenos e pode vir a sofrer no futuro uma influência de partidos populistas e que tudo dependerá de fenómenos como a imigração ou a emergência de um grande caso de corrupção no interior de um dos maiores partidos, tal como ocorreu em Espanha. 

Entrevista no programa Visão Global de 3 de novembro

Pergunta: Como descreveriam o nacional-populismo? Quais são as suas características principais, as suas causas e origens? E quem é o eleitorado?

Matthew Goodwin: Consideramos que o nacional-populismo é um movimento distintivo. Por exemplo, é diferente do fascismo de várias formas. Os movimentos nacional-populistas tendem a partilhar um desejo de dar prioridade aos interesses e à cultura de um grupo nacional, contra uma elite que consideram que se serve a si própria, que é corrupta e negligente para com as pessoas simples. 

Argumentamos que as causas do nacional-populismo são mais profundas e complexas do que muitas pessoas pensam. Não é apenas uma resposta à crise financeira, ou à Cambridge Analytica, não é só algo que surgiu com as redes sociais e também não é só algo que está a acontecer no dia-a-dia nos debates políticos. 

Consideramos que há quatro grandes explicações para o populismo, relacionadas com a economia, imigração, os níveis de confiança na política e o enfraquecimento da relação entre os partidos tradicionais mais antigos e os eleitores. 

No fundo, o nosso argumento principal é que o nacional-populismo veio para ficar. Vai ser um importante ator político nos próximos tempos. Pode nem ganhar todas as eleições, pode não dominar os governos, mas vai continuar a ter uma influência significativa nas políticas e na linguagem dos partidos políticos convencionais. 

Roger Eatwell: Algumas pessoas focam-se, por exemplo, na Frente Nacional, em vez de se focarem no impacto que o partido teve na política francesa de um modo mais geral. Se olharmos para França nos anos 80 e 90, muitas pessoas falavam da “Le Penização” da política francesa, pela forma como algumas dessas questões chegaram às políticas de [Jacques] Chirac. 

De forma similar, no Reino Unido, Nigel Farage e o UKIP tiveram um grande impacto na agenda política, incluindo na própria liderança de Boris Johnson neste momento. 

Por isso, quando falamos do nacional-populismo e do impacto duradouro que terá, não estamos necessariamente a prever que todos os países vão ter um Governo nacional-populista. Isto porque outros partidos vão responder ao desafio aproveitando algumas ideias dos nacional-populistas.

Este livro tem por base dois grandes momentos que em 2016 abalaram o mundo: o voto do Brexit e a eleição de Donald Trump. O que é que explica que estas duas vitórias tenham surpreendido toda a gente?

Matthew Goodwin: Essa falha está relacionada, em parte, com um elemento de viés e preconceito dentro dessa comunidade. Muitas destas pessoas tendem a estar à esquerda e costumam pensar que os votos são influenciados sobretudo pelas dificuldades económicas. 

Para nós é evidente que, se juntarmos 30 anos de investigação, vemos que estes movimentos são mais fortes e têm mais apelo do que o que os seus críticos pensam.  

Um conjunto de aspetos tem-se tornado mais claro em anos recentes, como as fortes preocupações sobre a evolução da economia, de como várias pessoas têm ficado para trás, novas preocupações sobre a velocidade e a escala das mudanças demográficas e migração...

Há ainda o facto de os nossos sistemas políticos estarem gradualmente a ficar mais desconectados, mais insulares, mais afastados dos eleitores. Os políticos estão a ficar mais ricos, com cada vez mais educação, mais liberais ao nível social. Esta situação levou a uma grande lacuna entre os cidadãos comuns e as elites. E há ainda a questão de perda de lealdade dos cidadãos para com os partidos tradicionais.

Por tudo isto, as condições para o nacional-populismo tornaram-se mais favoráveis desde os anos 80.  

Roger Eatwell: Concordo. Mas se formos justos para com os analistas, os jornalistas e os comentadores, os resultados foram muito renhidos. Por exemplo, Hillary Clinton ganhou no voto popular, e o Brexit teve o resultado de 52 pela saída e 48 contra a saída. Teria sido sempre difícil de prever.

Mas é verdade que grande parte dos académicos e jornalistas costumam estar à esquerda ou no centro-esquerda, o que fez com que fosse muito difícil compreender estas questões no Reino Unido. Podemos recorrer a explicações da psicologia, com conceitos como o da  “predisposição para a confirmação”, ou seja, temos tendência a procurar e obter informação que vai ao encontro do que pensamos, do que queremos pensar.

Estamos apenas a tentar ser objetivos. Nenhum de nós apoia o UKIP ou o Partido do Brexit. Tentamos olhar para estas questões, sobretudo compreender de onde vem o apoio a estes movimentos, da forma mais correta possível. E isso é algo que grande parte dos jornalistas e académicos não estão a fazer, têm uma inclinação e estão a interpretar estes acontecimentos tendo por base essa inclinação.  

As classes politicas também têm esse preconceito ou inclinação?

Matthew Goodwin: Acho que o problema em grande parte dos sistemas políticos de hoje em dia é que os grupos que sustentam o nacional-populismo, os grupos que mais provavelmente votam nestes movimentos – a classe trabalhadora, pessoas sem graus académicos, trabalhadores com baixas qualificações – não têm voz suficiente no sistema. Eles sentem que o sistema não está a responder às suas preocupações. 

Um dos argumentos que defendemos é que eles têm razão por se sentirem assim. Porque os sistemas políticos já não são representativos desses grupos da mesma forma que eram em décadas anteriores.  

Vimos, em geral, no centro-esquerda e centro-direita, os partidos tornarem-se mais de classe média na sua base política, muito mais focados no eleitorado com graus académicos, por exemplo, mais focados nas cidades. E isso deixou na periferia uma comunidade de eleitores esquecidos, que sentem que as suas opiniões já não contam.  

Se olharmos para o sucesso de Donald Trump, grande parte veio dos swing states da classe trabalhadora. Se olharmos para a Europa, muito do apoio ao nacional-populismo – não todo – vem desses mesmos grupos que estão a olhar para os seus representantes e pensam: vocês não representam os meus valores, vocês não falam como eu, vocês não se parecem comigo. Por isso, viram-se, para o nacional-populismo, onde pelo menos sentem que alguém está a colocar as suas preocupações em cima da mesa. 

Falam no livro dos "quatro D’s": desconfiança, destruição, despojamento e desalinhamento. Todos os movimentos populistas têm estas quatro características? 

Roger Eatwell: Acho que o caso do Brasil se diferencia. O livro fala um pouco disso. Bolsonaro é apoiado sobretudo pelo eleitorado mais rico e mais educado, até porque a classe trabalhadora está muito mais comprometida com outros partidos. Mas se olharmos para os Estados Unidos, e sobretudo para a Europa Ocidental, acho que existem semelhanças muito fortes entre estes movimentos.

Na Alemanha, por exemplo, a Alternativa para a Alemanha (AfD) conseguiu algum destaque sobretudo com as questões económicas relacionadas com a União Europeia e com o pagamento dos resgates à Grécia e outros países. Mas o verdadeiro crescimento só surge em 2014-2015, devido à imigração. Por isso, há um padrão diferente consoante os países. Mas todas essas questões são centrais em todos os países que analisamos.  

Mencionam, por exemplo, o grande impacto da educação. Consideram que a educação é central para compreender este movimento?

Matthew Goodwin: A divisão educacional é bastante consistente em grande parte das democracias. Existem, é claro, algumas diferenças. Se olharmos para o Reino Unido, temos 50 por cento da população a entrar na universidade. Em Itália, essa percentagem chega aos 30 por cento.

Geralmente, quando tentamos prever quem vai votar nos partidos nacional-populistas, o facto de se ter uma licenciatura é uma variável muito importante, que tem mais impacto do que o nível de rendimento ou a classe social.  

Mas isso não quer dizer que estes partidos são apenas apoiados por pessoas que não foram à Universidade, nem que estes partidos são apenas apoiados pelos ignorantes, e que os seus políticos são apenas apoiados por pessoas grosseiras.

Muitos dos seus eleitores escolheram diferentes caminhos para a sua educação, com formações técnicas, formações vocacionais. E devo dizer que mesmo o Brexit foi apoiado por uma em cada quatro pessoas com grau académico. Mesmo Donald Trump teve um resultado razoável entre os licenciados.  

Noutros países, estes partidos tiveram incursões significativas entre os estudantes universitários. Na Hungria, por exemplo, Viktor Órban teve um bom resultado entre os estudantes universitários.   

No geral, a educação tem um efeito muito forte. É mais provável que os eleitores que não foram à universidade votem em partidos populistas. Explicamos que isso se deve à experiência da educação universitária, que tende a tornar-nos mais liberais, tendemos a socializar mais com outros liberais e tendemos a ser ensinados de uma determinada forma que encoraja uma forma de pensar mais liberal.  

Mas isso também explica porque é que, no longo prazo, estes movimentos não vão a lado nenhum. Inevitavelmente, não haverá empregos suficientes para todos os universitários que temos, e cada vez mais as pessoas vão questionar o valor do Ensino Superior.

Vemos no Reino Unido e nos Estados Unidos, onde as pessoas começam a questionar-se se podem pagar a universidade aos seus filhos, e se a educação universitária vale esse investimento. Acho que, inevitavelmente, vamos ter sempre pessoas sem esse tipo de experiência, que estão recetivas perante este tipo de movimentos.  

Roger Eatwell: Acho que é importante vermos que existe uma correlação entre a educação e o voto no nacional-populismo, mas tentar não retirar alguma conclusão disso mesmo, do género: “Estas pessoas são estúpidas, ignorantes e autoritárias”. 

Claro que algumas são estúpidas, ignorantes e autoritárias, mas se caracterizarmos todo o voto nacional-populista dessa forma - em vez de olharmos para um protesto que pode ser legítimo, contra a forma como estão a ser ignorados ou pela forma como as elites liberais dominam a agenda política – estamos a desvalorizar um aspeto importante do apoio a estes movimentos. 

Muitas das análises da esquerda e do centro-esquerda sobre o nacional-populismo são muito hostis e não tratam destas preocupações como legítimas.  

Defendem que o nacional-populismo não é necessariamente antidemocrático e/ou racista. Do vosso ponto de vista, o que os distingue?

Roger Eatwell: Acho que devemos começar por dizer que o termo “racismo” sofreu grandes alterações. Tivemos o conceito dos anos 20, quando os racistas eram aqueles que pensavam que havia diferenças com base nas raças, o que envolvia distinções ao nível da inteligência, por exemplo, ou no caso dos judeus, teorias da conspiração sobre a intenção de dominar o mundo. 

Atualmente, temos termos como “racismo institucional”, por exemplo, na forma como a polícia pode olhar para pessoas negras no Reino Unido como potenciais criminosos. Ou a existência de um “viés implícito”, em que eu não me apercebo, por exemplo, da forma como a minha herança do Império britânico me trouxe benefícios em relação a outras pessoas. 

Esses são termos académicos muito úteis que mostram que nem toda a gente compreende da mesma forma as estruturas da sociedade e da raça. 

Se olharmos para os eleitores nos Estados Unidos, por exemplo, apenas três a quatro por cento dos norte-americanos são nacionalistas radicais, daqueles que querem expulsar os afro-americanos. 

Grande parte dos eleitores está apenas preocupada com as mudanças demográficas, em concreto com a imigração ilegal, que poderá levar a população norte-americana a tornar-se uma sociedade de minoria branca por volta do ano de 2050.   

Agora, se esse receio é racista ou se reflete uma preocupação legítima da sociedade, isso é uma questão muito controversa. Certo é que uma das coisas que mais enfurece os eleitores dos partidos populistas é precisamente quando são acusados de ser fascistas ou racistas e estes pensam genuinamente que não o são, acham que esse argumento faz parte da conspiração da elite liberal para os silenciar.  

Matthew Goodwin: Concordo totalmente. Acho que uma das tristes realidades do populismo é que as pessoas são rápidas a desvalorizar e a condenar, em vez de tentarem compreender de onde vem este movimento e como lhe devemos responder. 

Acho que um dos debates mais interessantes que agora decorre no Ocidente é sobre se estamos a entrar numa era de pós-liberalismo, o que é uma discussão interessante. 

Onde é que o liberalismo deu para o torto? É uma ideologia demasiado individualista? Deu prioridade ao crescimento económico em vez de dar destaque aos laços de solidariedade numa comunidade?

Considero que, cada vez mais, quando entramos neste debate de como responder ao populismo, temos de entender o que é uma resposta com significado.
 
Após o Brexit e a eleição de Trump, devemos discutir se retiramos ou não algumas instituições das grandes cidades? Como é que podemos ter um crescimento económico mais inclusivo? O que fazer pelas pessoas sem educação universitária? Como é que será uma reforma das politicas migratórias que possa ser progressiva, mas que também responda às preocupações das pessoas sobre a velocidade das alterações na sociedade?

De uma forma geral, acho que tem havido uma resposta muito pobre ao populismo. Estamos apenas a afastar essas pessoas, que são classificadas como racistas, e não percebemos que existem nuances no eleitorado.

A minha preocupação é que ao estarmos a repudiar os eleitores populistas desta forma, estamos a perder a oportunidade de trazer uma grande ala desse eleitorado de volta para os partidos convencionais, ao dizermos que são todos racistas, que são todos fascistas. 

Dessa forma, estamos a enviar uma mensagem a esses eleitores em como as suas opiniões não são legítimas e em como não temos nenhum interesse em acolhê-las de volta. 

O que defendemos é que se formos cuidadosos com isto vamos conseguir trazer uma grande parte destes eleitores de volta aos partidos tradicionais. Mas temos de estar prontos para fazer compromissos, temos de estar dispostos e dar-lhes uma resposta significativa.   

Mas vários políticos e defensores do nacional-populismo partilham e defendem ideias racistas, xenofóbicas e mesmo associadas ao fascismo. Muitas vezes têm discursos marcadamente racistas. Isso não compromete todo o movimento?  

Matthew Goodwin: Eu faria uma distinção entre os líderes e os eleitores. Há líderes que são inquestionavelmente xenófobos, se não mesmo racistas. Eu diria que Donald Trump é um racista, com base nas afirmações que tem feito sobre os migrantes mexicanos, por exemplo. 

Eu diria também que Nigel Farage está disposto a assumir um discurso xenófobo, quando diz, por exemplo, que se sente desconfortável a viver perto de uma família romena. 

E é evidente, a partir de alguns dos discursos do holandês Geert Wilders, que estes são líderes que estão predispostos a assumir um discurso xenófobo. 

O mesmo acontece com alguns dos seus votantes. Mas também é verdade que grande número destes eleitores distancia-se do racismo e da xenofobia. Muitos deles dizem que não têm qualquer problema com uma sociedade mais diversa, mas que querem controlar a velocidade a que as coisas mudam dentro das suas comunidades.  

Existe este debate em como há eleitores que pretendem uma sociedade mais aberta ou uma sociedade mais fechada. O que propomos é que seria melhor usar outro enquadramento para este debate e perceber que há eleitores que querem que a mudança seja rápida, e há outros que preferem mudanças mais lentas, que gostariam que a sociedade trabalhasse mais na integração, na coesão, com o sentimento de que a globalização pode ser controlada e usada para sustentar uma sociedade inclusiva.

Acho que esta é uma visão inteiramente legítima, mas que descartamos quando dizemos: “Estes eleitores são racistas”.

Roger Eatwell: Em 2018, um estudo britânico sustentou que 85 por cento dos eleitores no Reino Unido são “balancers”. Não querem uma imigração sem limites, mas também não querem selecionar o tipo de imigração. Pretendem uma imigração equilibrada, com algumas preocupações. 

Por exemplo, questionam se o Reino Unido precisa realmente de imigrantes com pouca formação. A resposta a essa pergunta é que, de facto, precisamos de alguns. Eles são muito importantes. Mas isso não significa que necessitemos de grandes números de imigrantes com pouca formação. Agora, temos de pensar: essas preocupações desse eleitorado são racistas ou são legítimas?  

Se olharmos para o caso dos migrantes muçulmanos, há quem questione como podemos integrá-los melhor. Estima-se que dentro de 20 anos, 10 a 17 por cento da população britânica será muçulmana. A evolução depende das taxas de imigração, taxas de natalidade, esse tipo de dados, que podem mudar.

De um modo geral, as evidências mostram que estes grupos começam a concentrar-se mais em determinadas áreas, o que torna muito difícil integrar estas pessoas porque elas tendem a não ter um contacto significativo com os eleitores brancos.  

Por isso temos aqui uma série de questões sobre como integrar mais os migrantes muçulmanos. É uma questão racista? Ou é uma questão legítima?

Acho que estamos de volta ao problema de que falávamos há pouco. Existe um grupo de comentadores, académicos, jornalistas, que são anti-racistas, e que acham que o seu trabalho é combater o racismo em todo o lado. Acho que o perigo desta situação é que isto aliena os eleitores nacional-populistas, que não pensam em si próprios como racistas. Faz com que seja muito difícil criar ligações, criar uma sensação de consenso, e acaba por polarizar ainda mais a sociedade.  

Mas talvez esse estereótipo e essa polarização surja devido ao discurso xenofóbico dos líderes em que estão a votar.

Roger Eatwell: É a questão do ovo e da galinha. Donald Trump certamente usa essa cartada do discurso xenofóbico. Mas em 2016, ele não falava apenas dos mexicanos violadores, mas também dizia que há bons mexicanos. É um discurso estranho, não é um discurso clássico racista ou nazi. 

Acho também que temos de nos lembrar que alguns nacional-populistas não se encaixam no estereótipo. Se olharmos para a líder parlamentar da Alternativa para a Alemanha [Alice Weidel], ela tem 40 anos, tem um doutoramento em Economia, é uma banqueira internacional que fala mandarim, ocupa um lugar de liderança num partido nacional-populista e tem uma parceira que nasceu no Sri Lanka. 

Matthew Goodwin: Temos também o exemplo, na Holanda, de Pim Fortuyn, homossexual, professor de sociologia, que defendia que a Europa precisava de enfrentar o Islão no sentido de preservar os direitos dos casais do mesmo sexo. 

É algo de interessante que temos visto na literatura académica. Um estudo publicado há poucas semanas mostra que, em muitas democracias europeias, números significativos da comunidade LGBT estão a votar nos nacional-populismos porque também eles estão a assumir pontos de vista bastante conservadores em questões como a migração.  

Se olharmos para Trump, um em cada três eleitores latino-hispânicos votaram em Donald Trump. No Reino Unido, um em cada três eleitores de minorias étnicas votou a favor do Brexit.  

Não estamos a dizer que devemos ignorar a xenofobia e o racismo. É claro que há pessoas xenófobas e racistas. O que defendemos é que precisamos de um debate com mais nuances, em que podemos voltar a integrar algumas pessoas se nos comprometermos. Por exemplo, ao dizer que vamos reformar a liberdade de circulação no Reino Unido, ou vamos construir um muro nos Estados Unidos, se um muro vai ajudar as pessoas a sentirem-se mais seguras. 

O que mais me preocupa é que podemos perder estes eleitores ao preocuparmo-nos apenas com questões económicas e sociais, que é o que temos visto com os democratas nos Estados Unidos. Mais globalização, menos fronteiras, e não se comprometem. Vamos ter mais e mais este consenso liberal. Isso, para mim, não é uma boa resposta ao nacional-populismo. 

A única coisa que isso vai fazer é convencer esses eleitores que o sistema não tem nenhum interesse em ouvi-los. Acho que isto só vai polarizar ainda mais a situação, e que nessa polarização a maior vítima seja a diversidade de ideias. 

Roger Eatwell: Voltando ao ponto anterior sobre a comunidade LGBT, é importante frisar que existem grandes diferenças nestes partidos e isso é importante. 

Ainda não tive a oportunidade de olhar com atenção para o partido Chega, que surgiu em abril e agora elegeu um deputado em Portugal, mas parece-me que é bastante semelhante ao Vox, de Espanha. É um partido tradicional, patriarcal, dominado por homens. Mas se olharmos para os partidos populistas do norte da Europa, não é assim.  

Por exemplo, Marine Le Pen em França é uma mulher divorciada que está rodeada de conselheiros que pertencem à comunidade LGBT. Se olharmos para a Holanda, Pim Fortuyn, assassinado em 2002, era abertamente homossexual, defendia os direitos das mulheres e os direitos dos homossexuais, e isso fazia parte do seu ataque ao Islão. 

Alguns destes ataques ao Islão não são simplesmente racistas, mas antes ataques a um conjunto de ideias. Não quero entrar na discussão sobre que ideias definem o Islão, mas existe uma tradição no pensamento liberal que defende que não se pode tolerar os intolerantes, uma ideia que surgiu no século XX associada a Karl Popper – um emigrante austríaco que foi viver para o Reino Unido - e após 1945, no período do pós-guerra, escreveu um dos mais importantes livros do liberalismo: “The Open Society and its Enemies”, em que Popper argumentava que não podemos tolerar os intolerantes.

Se olharmos para a Holanda, se olharmos para as pessoas que votam em Geert Wilders, eles citam Popper como elemento de defesa das suas posições.

Argumentam: isto não é racismo, esta é uma posição liberal legítima, porque não podemos aceitar religiões que são hostis para com os direitos das mulheres, hostis para com os direitos dos homossexuais, por exemplo.  

Uma das coisas que devemos ter em mente é que estes partidos, sobretudo os mais sofisticados, constroem uma linguagem que se adapta às tradições. Por exemplo, a Holanda é um país liberal em questões como os direitos das mulheres, uso de drogas, sexo... Já Espanha é um país com grandes diferenças, com as grandes metrópoles, como Madrid e Barcelona, mas em que as zonas rurais continuam a ser áreas muito tradicionais. A linguagem do Vox dirige-se a essas zonas de Espanha. Ora, na Holanda, um país mais pequeno e moderno, os populistas têm um discurso muito diferente.  
 
Em Portugal, houve recentemente uma grande crise e grandes desigualdades. Mas ao contrário de outros países, o nacional-populismo não teve grande sucesso, pelo menos até agora. Temos até um dos poucos governos europeus com o Partido Socialista e onde os dois principais partidos, PS e PSD, continuam a alternar no governo. Porque acham que isso acontece?

Roger Eatwell: Acho que olharmos para o exemplo de Espanha nos ajuda, porque se tivéssemos passado por aqui há um ano, diríamos que Portugal e Espanha não vão ver nenhum avanço populista. E faríamos uma lista de vários fatores, a começar pela influência de Franco e Salazar, ou a vontade de viver em democracia, de pertencer à União Europeia.

Mas o que mudou em Espanha? Uma das coisas que mudou não se aplica a Portugal e tem que ver com a questão da Catalunha e o referendo ilegal sobre a independência, algo que não tem equivalente em Portugal. Espanha pode acabar por dividir-se em diferentes regiões, não só com a questão da Catalunha, e esta situação inspira um discurso nacionalista.  

Mas há outros fatores. Por exemplo se olharmos para a Andaluzia, onde o Vox teve grande destaque em dezembro do ano passado, vemos que o partido Socialista naquela região foi extremamente corrupto, depois de ter governado a Andaluzia desde os anos 80. E isto seguiu-se a um outro escândalo de corrupção do Partido Popular, questão que levou à queda do Governo central, em junho de 2018.  

Algo que não vimos ainda em Portugal, mas podemos vir a assistir no futuro, é ao impacto de um grande escândalo de corrupção nos partidos que costumam governar. Isso pode alterar dramaticamente a situação.  

Outra coisa que vimos na Andaluzia em 2018 foi o crescimento da imigração, imigração essa que ficou na região em vez de ir para outros países, como França ou Reino Unido, como acontecia anteriormente. Se olharmos para a Andaluzia em dezembro de 2018, o Vox foi especialmente forte nas áreas territoriais com números significativos de imigração.  

Mais uma vez, ainda não vimos um crescimento significativo da imigração em Portugal. Os migrantes que têm chegado a Portugal são sobretudo falantes da língua portuguesa, vindos de antigas colónias, e tem havido um número muito reduzido a migrantes muçulmanos no país.  

Em Portugal também ainda não houve nenhum episódio de terrorismo islâmico, como aconteceu em Espanha no passado recente, com grandes atentados em Madrid ou Barcelona.   

Mas acho que começamos a ver alguma mudança, particularmente em algumas áreas à volta de Lisboa, onde o partido Chega foi bastante forte. E aqui importa lembrar que a questão da imigração não é literalmente só sobre os números da imigração, está sobretudo ligada às relações étnicas dentro dos países. 

Por isso, diria que temos um fator que se aplica em Espanha, mas não se aplica aqui em Portugal, que é a ameaça à integridade territorial, com a questão catalã. Mas o mesmo não acontece com as outras duas de que falei: a possibilidade de um grande caso de corrupção nos partidos de Governo, e ainda a imigração, que está a tornar-se num problema em certas partes de Portugal. 

Falam no livro do exemplo de Portugal e o apoio da esquerda ao Governo socialista nos últimos quatro anos. Acham que isso pode ser aplicado a outros países?

Matthew Goodwin: Uma das estranhas particularidades de Portugal nos últimos anos é que a esquerda está a obter resultados relativamente bons, em comparação com outros países. 

É que uma das características das nossas democracias, hoje em dia, é o colapso da social-democracia. Os partidos de centro-esquerda têm sido um dos grandes perdedores na nossa era. Em resposta a esta realidade, alguns destes partidos até assumiram políticas de direita em questões como a imigração e outros. E acho que outros ainda não tiveram uma desagregação completa do seu eleitorado. 

Novamente, o que me preocupa quanto a esses partidos é que, na resposta que dão ao populismo, continuam a dar importância apenas às preocupações económicas, quando muitos dos eleitores populistas querem falar de outras questões que envolvem a cultura e identidade do país. 

Sabemos que, por regra, as dificuldades económicas são geralmente uma variável importante para quem vota à esquerda. Os partidos socialistas e de centro-esquerda conseguem bons resultados entre alguns dos eleitores quando puxam pela economia. 

Mas para alguns dos eleitores que votam em nacional-populistas os fatores económicos surgem em segundo plano, enquanto que as preocupações culturais estão na linha da frente. Eles querem falar desses assuntos, da imigração, das fronteiras, da segurança, do terrorismo.

Por isso penso que, a menos que a esquerda esteja disponível para ter uma conversa franca sobre estes assuntos, vai ser difícil conter por si só a ascensão do nacional-populismo. 

Roger Eatwell: Acho que o caso da Dinamarca é interessante. Em 2014, nas eleições europeias, os vencedores foram os nacional-populistas. Mas em 2019, nas eleições europeias e eleições nacionais, os social-democratas voltaram a vencer, usando parte do programa dos nacional-populistas, e recorrendo a alguns assuntos abordados pelos Verdes.    

Mas o que temos visto mais, se olharmos para o resto da Europa, é que os social-democratas não tocam na agenda dos nacional-populistas por uma série de razões. Uma delas é que existe uma forte crença de que populismo significa extrema-direita, quando historicamente, o populismo é de esquerda.  

Acho que isso é algo que os partidos socialistas precisam de aceitar: o equilíbrio entre o nacionalismo e o internacionalismo. O nacionalismo não significa isolamento, não significa hostilidade para com os outros, não significa guerra. É algo que é muito central para estes partidos nacional-populistas, e é largamente rejeitado pelo sistema, pelas elites, como “irracionalmente perigoso”. De facto, pode ser. 

Mas acho que há aspetos positivos. Existe literatura académica sobre isso, chama-se liberal-nacionalismo. Diz que o nacionalismo é vital para uma série de coisas, como a redistribuição de rendimento dos pobres para os ricos. 

Eu não pago os meus impostos apenas porque vou preso se não pagar, eu pago os meus impostos porque me identifico com as pessoas que vivem em zonas mais pobres do Reino Unido. Também me identifico com pessoas pobres em África, mas não da mesma forma. 

Muitos dos que vêm da esquerda radical são universalistas, pensam que toda a gente se deve identificar com os pobres em África. Seguindo essa ideia para uma conclusão, significaria que toda a gente no Reino Unido seria pobre para conseguir transferir dinheiro para África. E isso é politicamente impossível.  

Matthew Goodwin: Destacamos também que há imensa gente à esquerda que pode ser muito hipócrita na forma como aborda estas questões. Há muitas estudos que mostram que os liberais conseguem ser quase tão intolerantes quanto as pessoas a que estão a tentar opor-se. 

No Reino Unido, há um estudo que mostra que os eleitores que votaram na permanência na União Europeia, os "remainers", são menos propensos que os “leavers”, que votaram na saída, a quererem que as suas crianças se relacionem com um membro do outro lado da “tribo”. Ou seja, querem manter as suas crianças longe de quem votou pela saída, não querem misturar as suas redes.

Nos Estados Unidos, em Nova Iorque, existe literatura académica que mostra como os mais ricos e liberais têm maior probabilidade de protestar quando as escolas decidem abrir portas às crianças dos bairros mais desfavorecidos. 

Existe uma tensão com o liberalismo e a esquerda mais liberal. Mas é preocupante, porque apesar da narrativa sobre os benefícios da diversidade e das fronteiras abertas, e a diabolização do populismo, essa esquerda é muito fraca a fazer uma auto-reflexão sobre as suas fraquezas e maiores desafios. 

Acho que é possível ver de que forma isso se traduz na realidade, nas reações ao Brexit e a Trump, em reação a muitos populistas na Europa, que muitos daqueles que dizem opor-se à intolerância conseguem muitas vezes ser dos mais intolerantes.

É importante fazermos concessões. O que vamos conceder a estas pessoas que estão a votar nos partidos nacional-populistas? Porque se não vamos conceder nada, então eles não vão sair de lá. 

Por exemplo, se olharmos para a situação após o referendo do Brexit, poderíamos ter tido um diálogo muito interessante sobre o que fazer quanto às desigualdades educacionais, ou ao facto de as escolas no norte da Inglaterra não receberem tanto dinheiro como as escolas em Londres.  

Podíamos ter falado sobre como seria melhor fazer reformas à Câmara dos Lordes, como reformar a liberdade de circulação. Podíamos ter falado sobre o facto de apenas três por cento dos políticos de Westminster terem experiência como classe trabalhadora. Mas não falamos sobre nada disso. Falamos sobre como parar o Brexit, e essencialmente sobre o que a classe média pretende.  

Não é por isso surpreendente que ninguém mude de ideias, porque os eleitores da classe trabalhadora com menos qualificações olharam para o debate sobre o Brexit e viram que continua a não haver vontade para fazer concessões e compromissos. Por que haveriam de mudar de ideias? É assim que se chega à polarização.

Acho que o próximo grande debate será sobre como devemos construir esse compromisso. Como é que podemos colocar as pessoas numa mesma sala a assumir compromissos sobre estas questões.

Mencionam o exemplo da Irlanda, que durante a votação da interrupção voluntária da gravidez apostou em assembleias de cidadãos. Acham que esse pode ser um bom exemplo para diminuir a polarização?

Roger Eatwell: Acho que precisamos ter mais dessas iniciativas. Pensemos nesse exemplo: o tema foi, historicamente, muito fraturante, num país que é profundamente católico. Mas no que é que a Irlanda mudou? Temos, por exemplo, um primeiro-ministro que não é etnicamente irlandês, que é homossexual, algo que não poderíamos ter imaginado há apenas 40 anos. 

Acho que as assembleias de cidadãos desempenharam um papel muito relevante para se chegar a um consenso e foram usados em vários outros países. Na Suécia, na Islândia, Canadá… Este livro não é sobre novas democracias, é sobre porque é que as pessoas estão a apoiar estas novas formas de democracia, mas o que também dizemos implicitamente é que devemos revisitar a forma como pensamos a democracia.

Matthew Goodwin: Por exemplo, um dos grandes debates que agora temos no Reino Unido é sobre se devemos ter um segundo referendo. E a questão é sobre o que devemos colocar no boletim de voto. 

E surge a visão de que uma resposta muito mais eficaz ao Brexit teria sido dizer: estamos numa democracia parlamentar que não está preparada para um referendo. Vamos fazer assembleias de cidadãos para chegarmos a uma conclusão sobre que tipo de relação queremos ter com a Europa, ou pelo menos chegarmos a uma conclusão sobre o que deveria estar no boletim de voto.

Se olharmos para países como o Brasil, que usa orçamentos participativos, em que as comunidades locais se juntam para tomar decisões sobre o que afeta as suas vidas. Parece-me que essa forma de democracia que integra estes debates significativos deve ser algo que pretendemos atingir. 

Talvez precisemos de pensar em coisas como serviço [cívico] nacional. Numa altura em que ficamos cada vez mais polarizados - apoiantes da saída e da permanência, republicanos e democratas, liberais, conservadores - uma das coisas que vemos é que esses dois grupos se excluem mutuamente nas suas interações. 

Poderá fazer sentido pensarmos num programa de um ou dois anos de serviço nacional que force os cidadãos a misturarem-se e a unirem-se. Isso foi uma das coisas que mudou mentalidades durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, que foi uma primeira experiência em que os afro-americanos se juntaram em batalhões com americanos brancos, e tiveram de se conhecer uns aos outros. Isso teve um impacto muito forte nos preconceitos, de como se olhava para o mundo, de como se conheciam uns aos outros. 

Mas neste momento a grande preocupação nas democracias é que as pessoas estão a excluir-se, estão a quebrar essas pontes. 

Roger Eatwell: Se olharmos para a América, existem comunidades muito mais fechadas entre os ricos. Há um cientista politico norte-americano muito reputado, que se chama Robert Putnam, que escreveu um artigo muito famoso, que se chama “Bowling Alone”. Ficamos em casa, vemos televisão, jogamos jogos de computador.  

Como unir a sociedade, também ao nível da divisão entre a classe média e a classe trabalhadora? O serviço nacional pode ser uma boa opção. E serviço nacional não quer dizer apenas serviço militar, mas pode envolver ações civis. Mas é uma questão complicada para se aceitar, pela ideia de se colocar jovens de 18 e 19 anos a trabalhar para o Estado. Mas acho que precisamos de mudanças radicais e essa é uma questão sobre a qual devemos refletir. 

No livro falam também da associação entre referendos e democracia direta. Acham que, dessa forma, o eleitorado irá sentir que tem uma voz?

Roger Eatwell: Há muitas formas de fazer isso. No Reino Unido, por exemplo, o Governo está muito centralizado. Devemos dar mais poder ao nível local. E um referendo não tem de ser um referendo a nível nacional. Nos Estados Unidos não podemos ter um referendo nacional. Podemos fazer referendos sobre problemas específicos que afetam uma cidade ou uma região. Essas seriam boas formas de aumentar a participação dos cidadãos. E seriam reversíveis. Em cinco anos poderíamos ter outro referendo em que votássemos de forma diferente. 

Já em questões de grande impacto como o Brexit…  é muito pouco provável que voltemos a entrar na União Europeia dentro 20 ou 25 anos. Estas são questões que temos de pensar com muito cuidado antes de as submetermos a referendos nacionais. Mas há muitas outras coisas que podemos fazer ao nível local, ou com assembleias de cidadãos, em que podemos trabalhar, para tornar os nossos países mais democráticos. 

Para muitas pessoas, a democracia direta é apenas fazer referendos. Para mim, a democracia direta também é sobre educação, sobre educar politicamente o eleitorado, sobre fazer compromissos.  

Por isso, a menos que tenhamos um sistema que comece a ensinar as pessoas sobre política, educação cívica, por exemplo, e que dê mais voz às pessoas a nível local, a iniciativa de lançar repente um referendo é algo de ignorante a fazer. Mesmo depois de vários meses de campanha, é um erro.  

Um dos argumentos do vosso livro aponta que a evolução natural da demografia e os “millenials” não vão significar automaticamente o nacional-populismo em grande parte dos países, e que esse movimento veio para ficar. Como acham que vai afetar as democracias nos próximos anos? 

Roger Eatwell: Em relação à idade, é verdade que boa parte dos mais jovens são mais liberais que as pessoas mais antigas. Mas se olharmos para vários países há variações. 

Por exemplo, a Frente Nacional é relativamente forte entre eleitores na casa dos 20 e dos 30. Ou se olharmos para a Hungria, os nacional-populistas têm sido relativamente fortes entre os mais novos.
 
Existe, mais uma vez, este problema de generalização. Vox e Chega não são o mesmo que outros partidos populistas, devido a questões culturais.

Por isso não devemos assumir que os jovens vão ser cada vez mais liberais, cada vez mais “verdes”, cada vez mais de esquerda. Porque existe uma série de problemas que os afeta, incluindo os elevados números de desemprego entre jovens, por exemplo em França, Portugal, em Espanha, especialmente. 

Acho que se olharmos para o futuro, não estamos a prever que os partidos populistas serão os partidos do poder. Acho que as hipóteses de o Vox se tornar no principal partido de Espanha são mínimas. Talvez haja mais hipóteses em França para a Frente Nacional. 

O que eles estão a fazer sobretudo é a ter um impacto na agenda política nacional, nos vários partidos. E o Reino Unido será um bom exemplo disso. Temos um partido Conservador que historicamente não tendia a ser populista - era até mesmo elitista, de uma forma democrática – mas depois de 2016 e do voto do referendo, até mesmo Theresa May repetia: “Brexit significa Brexit”.  

Boris Johnson é uma figura muito populista, no estilo, no carisma, no discurso. É aqui que vemos o impacto dos populistas, é desta forma que eles influenciam os outros partidos. 

Essa será uma questão de preocupação em Portugal, se André Ventura começar a receber mais atenção e apoios. Como é que os restantes partidos vão responder a isto? Podem responder esquivando-se, dizendo que “isto é nacionalista, isto é extremista”, mas podem responder tentando aproveitar algumas das suas políticas.

Sobretudo numa situação em que o apoio da classe trabalhadora comece a desaparecer. E isso já aconteceu, no Partido Comunista por exemplo, que desceu nas últimas eleições. E pode acontecer com os socialistas, se sofrerem no futuro por exemplo com algum escândalo de corrupção.