O português dividido entre a advocacia e o boxe em Xangai

por Lusa

Diogo Garcês Reis vai no sábado subir ao ringue de boxe pela primeira vez como profissional em Portugal, mas, para o fazer, o único advogado português radicado em Xangai teve de meter férias.

Um dia normal para Diogo Garcês Reis começa às sete e meia da manhã e inclui logo uma corrida ou condicionamento físico no ginásio, ainda antes de ir para o escritório suíço no qual trabalha na cidade chinesa de Xangai.

"Muitas vezes posso treinar também à hora do almoço ou então ao final do dia", explica o advogado.

"Os fins de semana são bons para treinar também, há mais tempo", acrescenta. Assim é a vida de quem divide a advocacia a tempo inteiro com o boxe profissional.

O antigo corredor de 800 metros do Benfica sempre teve um fraquinho pelos desportos de combate e chegou a ir ao Campeonato do Mundo de Kickboxing Amador em 2013.

Mas falou mais alto a paixão pelo boxe, que nem a mudança, em 2014, para Xangai conseguiu apagar. Na cidade chinesa foi parar ao ginásio fundado pela britânica Michele Aboro, campeã mundial em boxe e kickboxing.

"A primeira coisa que se nota logo no Diogo é que ele tem motivação, é muito persistente naquilo que quer", diz Michele. A maioria dos pugilistas "são miúdos da rua para os quais o boxe é a única forma de conseguir algo na vida", explica a treinadora.

"Tenho um enorme respeito pelo Diogo, porque ele já tem um emprego muito bom e mesmo assim encontra tempo, até para dar aulas aqui no ginásio", acrescenta a britânica.

O advogado confessa ter "algum gosto em quebrar esse estereótipo, de que é preciso vir do sítio tal, ou ter um certo perfil, ou uma determinada experiência de vida para estar no boxe".

Mas admite que conciliar o desporto com o trabalho implica "muitos sacrifícios da vida pessoal", nomeadamente durante a preparação para um combate, algo que exige entre 10 a 12 treinos por semana.

O português já tinha "uma técnica muito sólida" e evoluiu rapidamente nos últimos anos, diz Michele.

"Lutadores há muitos, mas o Diogo tem algo que é difícil de encontrar: ele pensa o combate", explica a treinadora. Após algum tempo como amador, o pugilista decidiu dar o "passo natural" de passar a profissional.

Não foi certamente por razões financeiras, uma vez que o dinheiro se concentra no topo do desporto, numa minoria muito reduzida. Os outros que querem chegar a esse nível, "quase todos têm outros empregos. O meu simplesmente não é o mais comum", reconhece Diogo.

Mesmo Michele acumulou três trabalhos até aos 25 anos. "Fui uma das melhores pugilistas do mundo mas não ganhei assim tanto dinheiro", lamenta a treinadora.

Após um empate no primeiro combate como profissional na China, Diogo venceu à segunda, numa luta na cidade de Shenzhen em Agosto do ano passado.

"Teve mais de dois milhões de pessoas a assistir pela internet e foi transmitido na Guangdong TV", canal da província do sul da China, sublinha o português.

O boxe é um desporto recente na China e os promotores estão ainda à procura de "heróis locais" que possam captar a atenção da população, diz Michele.

"É muito difícil para alguém de fora vencer um combate, porque o público influencia os juízes", defende a treinadora. "É preciso triunfar de forma clara e conquistar até o público".

No sábado o português não vai ter esse problema quando subir ao ringue do Casino da Póvoa para o primeiro combate como profissional em Portugal, contra o espanhol Yago Barros. Diogo teve de meter férias para viajar umas semanas antes e assim conseguir recuperar do jet-lag. "Podia estar a usar esses dias para viajar mas, correndo tudo bem, ainda terei muitos anos para fazer isso e não terei muitos mais anos para praticar boxe", diz o advogado.

Michele retirou-se aos 35 anos e acredita que o português de 29 anos "tem ainda muitas lutas pela frente". Além de ter esperança que o combate deste sábado abra novas portas, a treinadora está também a explorar outros mercados mais próximos de Xangai, como Taiwan, Japão e Coreia do Sul. "O Diogo está ainda a descobrir o seu potencial. Se conseguir reunir uma boa equipa, o céu é o limite", defende a britânica.

Também o português não vê ainda um fim para a carreira como pugilista. "Pretendo continuar enquanto continuar a ganhar, enquanto fizer sentido e enquanto o corpo o permitir", diz Diogo, antes de acrescentar, com um sorriso: "A minha mãe não vai adorar ouvir isto".

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