O princípio da imunidade diplomática foi definido pela Convenção de Viena, em 1961. Existe para proteger os diplomatas de abusos, coação ou pressões nos países onde estão a trabalhar. Ao site da RTP o especialista em Direito Internacional Armando Marques Guedes disse que o caso das agressões a Ruben Cavaco em Ponte de Sor, que envolve os filhos do embaixador do Iraque em Portugal, tem três hipóteses de desfecho.
Para o especialista, a primeira hipótese de desfecho implicará o pedido ao Estado iraquiano do levantamento da imunidade diplomática, uma solução que lhe levanta muitas dúvidas.
A segunda hipótese é que Portugal “mande uma carta rogatória, o ministro dos Negócios Estrangeiros ou o Primeiro-ministro, se assim o entender, ao Governo iraquiano a pedir para eles serem julgados, relativamente a este caso, no Iraque e segundo as leis iraquianas, em sintonia com as leis portugueses, no quadro de direito internacional privado", alvitra.
"O que também duvido que venha a acontecer", acrescenta, "e é, pelo menos, imprudente tentar fazer, porque o sistema judicial iraquiano tem falhas e carências muito grandes, que certamente vai certamente tentar proteger os seus cidadãos como Portugal tentaria, certamente, numa situação semelhante ou qualquer outro Estado”.
A terceira hipótese é a declaração como persona non grata do embaixador e a sua expulsão de Portugal. Mas, para Marques Guedes, isso iria “ferir não sabemos de quão forte, o relacionamento bilateral entre Portugal e o Iraque”.
“A parte iraquiana invoca uma narrativa relativamente ao que aconteceu, pormenorizada, e põe o ponto de aplicação principal, ou seja, a legítima defesa dos filhos do embaixador e foi já desencadeado um processo de maneira a garantir que os seis portugueses que, rotativamente, terão agredido os dois iraquianos são postos em Tribunal, são processados”.
Na opinião de Armando Marques Guedes, à parte o processo que está a decorrer há o relacionamento diplomático próprio e a imunidade diplomática aplicada a este caso concreto.
Embaixador pode ser substituído
O especialista considera que vai haver um “esfriamento muito grande” que pode levar a uma suspensão temporária do relacionamento diplomático entre Portugal e o Iraque e considera mesmo que o embaixador iraquiano em Portugal irá ser substituído.
“O que eu acho que vai acontecer é que este embaixador irá ser substituído. O que eu faria era tentar convencer este embaixador a sair pelo seu próprio pé, ou seja, não o declarar persona non grata mas dizer: ou você sai ou é retirado pelo seu Estado ou então nós desencadeamos o processo de expulsão (…) Acho que há boas perspetivas para que ele seja substituído. Há maiores perspetivas de que o Estado português consiga convencer o Estado iraquiano a retirá-lo e ele sair como se fosse pelo seu próprio pé, embora de facto seja sob pressão do Estado português”.
Ainda assim, o especialista em Direito Internacional disse à RTP que é difícil prever o que vai acontecer “como é típico quando há litigação e conflitos”.
E acrescenta: “A reação neste caso foi o ministério dos Negócios Estrangeiros iraquiano convocar de urgência o embaixador iraquiano a Bagdade para consultas. Possivelmente, o que vai acontecer a seguir é que o embaixador português em Bagdade vai ser chamado de urgência cá, o que de alguma maneira esfria os acontecimentos porque deixam de estar presentes os presumíveis prestadores dos atos de violência sob o jovem de 15 anos”.
Deveres e direitos
De recordar que a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas foi um tratado adotado em 18 de abril de 1961pela Conferência das Nações Unidas sobre Relações e Imunidades Diplomáticas, que se reuniu no Palácio Imperial de Hofburg, em Viena, Áustria.
Na prática, diz respeito aos direitos e deveres dos Estados na condução das relações diplomáticas entre si, regulando, inclusive, os privilégios e imunidades de que gozam os funcionários das missões diplomáticas e familiares que com ele vivam em território nacional diverso de seu país de origem.A Convenção entrou em vigor em 24 de abril de 1964 e Portugal aderiu por meio do Decreto-Lei n.º 48.295, de 27 de março de 1968.
A imunidade diplomática é uma forma de imunidade legal que assegura às missões diplomáticas inviolabilidade e, aos diplomatas, salvo-conduto, isenção fiscal e de outras prestações públicas, assim como de jurisdição civil e penal e de execução.
A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas prevê também no artigo 9.º que o "Estado acreditador" possa, a qualquer momento, "e sem ser obrigado a justificar a sua decisão, notificar ao Estado acreditante que o chefe de missão ou qualquer membro do pessoal diplomático da missão é persona non grata".
Na segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, admitiu pedir ao Iraque que renuncie à imunidade diplomática dos filhos do embaixador iraquiano em Portugal, se essa diligência for solicitada pela justiça.
Alteração da Convenção
Para o especialista em Direito Internacional Armando Marques Guedes, a Convenção devia ser alterada de modo a permitir alguma flexibilidade. Contudo, considera que esta não é uma matéria fácil ”porque qualquer abertura de flexibilidade na impunidade pode ser politicamente explorada pela outro lado e, certamente, o será em palcos internacionais, cada vez mais agressivos como estão. A continuarem casos destes, ela [a Convenção] vai ser mudada”.
Marques Guedes deu ainda como exemplo, o caso do embaixador norte-americano na Líbia que foi morto há um ano e meio por rebeldes líbios, para realçar a necessidade de haver alterações à Convenção.
“Ser [morto] pelos rebeldes líbios ou pelo Estado líbio não é igual mas é particularmente indiferente à luz da responsabilidade do Estado. O Estado líbio em última instância é sempre o responsável. Talvez por aí haja uma porta para a alteração das convenções. Acho que elas precisam ser revistas para evitar que casos destes caiam sob a alçada da Convenção, o que não me parece fácil”, concluiu.