O Santo António é coronel e mais considerado que Deus na cidade timorense de Manatuto

O timorense João Cristo Rei não esconde as lágrimas quando fala da imagem de santo António com mais de 200 anos, que se partiu. Um mau presságio para a população de Manatuto, que vê no santo um Deus.

Lusa /

Em Manatuto, cidade timorense a cerca de 60 quilómetros a leste de Díli, o Santo António é também coronel e milagreiro, desde 1815, quando a sua imagem ali chegou.

"O povo de Manatuto considera mais o Santo António como Deus, do que o próprio", explicou à Lusa o antigo professor João Maria do Cristo Rei.

A imagem de Santo António chegou a Manatuto há 210 anos proveniente da Índia e foi trazida para aquele local pelos "liurais", autoridades locais, a pedido de um bispo português, que veio de Malaca para viver naquela cidade.

Segundo um livro lançado este ano sobre a adoração de Manatuto a Santo António, os "liurais acolheram a imagem com solenidade e respeito, reconhecendo no santo uma presença divina digna de veneração".

A imagem foi guardada numa "Uma lulik" (casa sagrada da cultura timorense) e adorada ao ar livre, porque não havia uma igreja em Manatuto e a partir dai estabeleceu-se um vínculo entre o "sagrado e o mundo natural, entre a fé cristã e as crenças ancestrais", salienta-se no livro.

A ligação continua até hoje e, em Manatuto, o mês de junho é dedicado a Santo António, com as principais celebrações populares da cidade a acontecerem na sexta-feira, com a realização da "kabizada" (carvalhadas) e a presença de bobos.

Mas, o símbolo daquela ligação, a imagem de santo António que chegou a Manatuto há 210 anos, caiu o ano passado e ficou sem cabeça.

"Fico arrepiado. Nem consigo falar disso", disse João Maria do Cristo Rei, sem esconder a emoção e as lágrimas.

"Caiu a cabeça, mas também o menino Jesus. Posso dizer que é um grande desastre para o povo de Manatuto. Com a queda de Santo António aconteceram muitas desgraças não temos colheitas, os arrozais ficaram vazios, sem água. Fico muito triste", afirmou.

Mas, Santo António é milagreiro, e a embaixada de Portugal mandou fazer uma réplica da imagem para entregar em Manatuto, o que deve acontecer brevemente.

O ato de entrega será assinalado com uma representação idêntica há ocorrida em 1815.

"Queremos recebê-lo ao colo e todos de todas as religiões, vamos recebê-lo e será transportado ao colo pelos `liurais` de Manatuto", disse João Maria de Cristo Rei.

A nova imagem vai desembarcar na praia dos pescadores e fazer o mesmo caminho que fez há 210 anos, mas desta vez até à igreja de Santo António, em Manatuto, e não para uma casa sagrada.

"A devoção deste povo a Santo António é de sangue e de alma. Para eles é tudo", disse o padre Mário Cabral.

O padre Mário explicou que as pessoas de Manatuto até podem estar longe de casa, mas no dia de Santo António todos estão na cidade para as comemorações.

"Para eles é sagrado e todas as famílias fazem o possível para estar nas celebrações de Santo António. Mesmo os que nunca vêm à missa neste dia não faltam", disse.

Questionado pela Lusa se a paróquia também realiza casamentos de Santo António, o padre disse que vai voltar a introduzir este ano os casamentos, que foram interrompidos durante a ocupação indonésia.

"Este ano registamos 108 noivos para festejar no dia de santo António. Os casamentos já foram realizados, mas no dia 13 vão vestir-se de noivos e vão apresentar-se como noivos de Santo António", disse.

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