Oblast de Kiev. "Extensa investigação" da Amnistia atribui crimes de guerra à Rússia

A Amnistia Internacional publicou esta sexta-feira as conclusões de uma “extensa investigação” conduzida na região de Kiev, dados que vêm reforçar o coro internacional de acusações de crimes de guerra desferidas às tropas russas. A organização de defesa dos Direitos Humanos afirma ter documentado “ataques aéreos ilegais em Borodyanka”, a somar a “execuções extrajudiciais” em localidades como Bucha, Andriivka, Zdvyzhivka e Vorzel.

Carlos Santos Neves - RTP /
Em Bucha, Iryna Abramova acerca-se da sepultura do marido, Oleh Abramov Zohra Bensemra - Reuters

O relatório da Amnistia Internacional – intitulado Ele não vai voltar: crimes de guerra nas áreas do noroeste do Oblast de Kiev - assenta em dezenas de entrevistas levadas a cabo no terreno e numa “revisão extensa de provas materiais”.A delegação da Amnistia Internacional enviada à Ucrânia foi encabeçada pela secretária-geral da organização. Foram ouvidos sobreviventes, familiares de vítimas e autoridades ucranianas.


“O padrão de crimes cometidos por forças russas que documentámos inclui ataques ilegais e mortes deliberadas de civis”, enfatiza Agnès Callamard no briefing da Amnistia.

“Encontrámo-nos com famílias cujos entes queridos foram mortos em ataques horríveis e cujas vidas mudaram para sempre por causa da invasão russa. Apoiamos a sua exigência de justiça e apelamos às autoridades ucranianas, ao Tribunal Penal Internacional e a outros para que garantam a preservação de provas que possam suportar futuras acusações de crimes de guerra”, acrescenta a responsável.
“É vital que todos os responsáveis, incluindo no topo da cadeia de comando, sejam levados à justiça”, acentua.
De Bucha a Dmytrivka
Em Borodyanka, escreve a Amnistia Internacional, foram documentadas as mortes de pelo menos 40 civis “em ataques desproporcionais e indiscriminados, que devastaram um bairro inteiro e deixaram milhares de pessoas sem casa”.“Em Bucha e outras cidades e vilas localizadas a noroeste de Kiev, a Amnistia Internacional documentou 22 casos de assassínios ilegais pelas forças russas, a maior parte aparentes execuções extrajudiciais”.


Uma das testemunhas de Bucha citadas no relatório é Oleksii Sychevky, que perdeu a mulher e o pai quando a coluna de veículos civis em que seguiam, acusa, foi alvejada por forças russas.

“A coluna era de civis em fuga. Quase todos os carros tinham crianças. Quando o nosso carro alcançou uma linha de árvores, ouvi tiros – primeiro tiros isolados, depois uma explosão de disparos”, conta Sychevky.

“Os disparos atingiram o primeiro veículo da coluna e pararam. Estávamos no segundo veículo e tivemos de parar. Fomos então atingidos. Pelo menos seis ou sete disparos atingiram-nos. O meu pai foi morto instantaneamente por uma bala na cabeça. A minha mulher foi atingida por estilhaços de metal e o meu miúdo [filho] foi também atingido”, descreve.

Ao todo, a investigação da Amnistia em solo ucraniano prolongou-se por 12 dias. Os membros da organização enviados à Ucrânia recolheram os depoimentos de “residentes de Bucha, Borodyanka, Novyi Korohod, Andriivka, Zdvyzhivka, Vorzel, Makariv e Dmytrivka”. Visitaram também “locais de numerosas matanças”.

Foram ouvidas “45 pessoas que testemunharam ou tinham conhecimento em primeira mão de mortes ilegais de familiares e vizinhos por soldados russos e outros 39 que testemunharam ou tinham conhecimento em primeira mão de ataques aéreos que atingiram oito edifícios residenciais”.

A Amnistia Internacional elenca no seu portal toda a “documentação de violações de Direitos Humanos e do direito internacional humanitário cometidas durante a guerra na Ucrânia”.

“Todos os responsáveis por crimes de guerra deveriam ser criminalmente responsabilizados pelas suas ações. Ao abrigo da doutrina da responsabilidade de comando, superiores hierárquicos – incluindo comandantes e líderes civis, tais como ministros e chefes de Estado – que tenham sabido ou tido razão para saber de crimes cometidos pelas suas forças, mas que não tentaram travá-los ou punir os responsáveis, deveriam também ser criminalmente responsabilizados”, vinca a organização.
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