Oito anos de guerra no Afeganistão alimentam discussão nos EUA
A revisão da estratégia para o Afeganistão ameaça rasgar uma nova fractura social e política nos Estados Unidos. Apanhado entre os apelos dos comandantes para um reforço em dezenas de milhares de soldados e uma contestação crescente ao ónus da guerra, Barack Obama procura consensos entre democratas e republicanos antes de renovar o empenho da América num combate de desfecho incerto.
Mais de 105 mil soldados de 13 países, entre operacionais dos Estados Unidos integrados na Operação Liberdade Duradoura e as tropas da NATO pertencentes à Força de Assistência à Segurança (ISAF), preenchem hoje a totalidade do território afegão. As maiores unidades de combate pertencem a Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália, Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Holanda, Polónia, Roménia, Espanha e Turquia. Só no Sul, onde o comando das operações da ISAF contra os grandes bastiões dos taliban é assegurado pelos holandeses, há 34.855 efectivos de sete países (Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, Dinamarca, Austrália, Holanda e Roménia).
O último reforço concretizado pelos Estados Unidos levou mais 21 mil militares para o Afeganistão, elevando o total para 68 mil. A Administração Obama estuda agora um pedido do general Stanley McChrystal para um destacamento adicional de 40 mil homens. Entre as paredes da Casa Branca impera, para já, o prudente silêncio de um Presidente que parece enleado entre a contestação à esquerda a uma guerra que já custou as vidas de 800 soldados e a exigência republicana de uma estratégia que vá além de medidas sem expressão.
Legisladores recebidos na Casa Branca
Na véspera do dia que marca os oito anos da guerra, Barack Obama chamou à Casa Branca a elite dos congressistas republicanos e democratas. A uns e outros o Presidente norte-americano disse apenas que os números do actual contingente são para manter, deixando ainda a garantia de que a guerra não vai ser reduzida a uma mera campanha de contraterrorismo, uma linha de opinião que tem sido atribuída ao vice-presidente Joe Biden. A avaliação, prometeu, será "rigorosa e deliberada".
Quanto ao reforço defendido pelo comandante das forças norte-americanas no Afeganistão, o sucessor de George W. Bush nada revelou. Ao cabo de 90 minutos de reunião, os líderes dos dois partidos no Senado e na Câmara dos Representantes saíram como entraram: para os republicanos, o Presidente deve dar expressão às ideias dos comandantes no terreno; para os democratas, o Presidente não pode ser empurrado para uma decisão apressada.
"Reconhecemos que ele tem uma decisão difícil e que quer tempo suficiente para a tomar. Francamente, eu apoio isso. Mas é preciso lembrar que, a cada dia que passa, as tropas que lá temos correm um risco cada vez maior", assinalou o líder dos republicanos na Câmara dos Representantes, John Boehner, depois do encontro com Barack Obama.
A ideia foi repetida pelo veterano do Vietname batido por Obama na eleição presidencial de 2008. No entender do senador republicano John McCain, "o tempo não está do lado" da América, pelo que o Presidente democrata deve fugir a uma estratégia de "meias medidas".
Tal como o pendor do processo de decisão de Obama, também a amplitude do apoio a colher pelo Presidente no Capitólio se afigura, por esta altura, duvidosa. O democrata Harry Reid, líder da maioria no Senado, disse ter saído da Casa Branca com a convicção de que ambos os partidos vão estar ao lado do Presidente no dia em que a opção final for conhecida. Porém, o mais proeminente senador republicano, Mitch McCornell, fez questão de deixar claro que o seu partido "vai ser capaz de tomar decisões por si". Tudo depende, segundo o senador, da capacidade de Obama para seguir os conselhos dos seus comandantes militares.
Paquistão quer compromisso de longo prazo
Na segunda-feira, enquanto o secretário norte-americano da Defesa assegurava que os Estados Unidos não deixariam o Afeganistão, dezenas de manifestantes juntavam-se nas imediações da Casa Branca para contestar um conflito que os assessores de Barack Obama chegaram a descrever como "a guerra boa", por oposição à invasão do Iraque desencadeada em 2003 por George W. Bush. Alguns acabaram detidos quando tentavam acorrentar-se aos portões do complexo presidencial.
Depois de repartir por Estados Unidos e aliados as culpas pela "inabilidade" na projecção de forças para o Afeganistão, após o derrube do regime taliban, Robert Gates descreveu aquele país, "em particular a fronteira com o Paquistão", como "o moderno epicentro da jihad".
Foi no Afeganistão que os mujahidin "derrotaram a outra superpotência", lembrou o antigo director da CIA, aludindo à retirada da União Soviética em 1989, epílogo de uma década de resistência apoiada com armas e fundos pela América: "Eles consideram que têm agora a oportunidade de derrotar uma segunda superpotência, o que daria poder à sua mensagem e criaria uma oportunidade de recrutar, angariar fundos e planear operações".
Em visita a Washington, o ministro paquistanês dos Negócios Estrangeiros aproveitou a deixa de Gates para aconselhar os Estados Unidos a retirarem as devidas lições do passado, citando a decisão norte-americana de deixar o Afeganistão abandonado à sua sorte depois da capitulação das forças soviéticas.
"Aquilo que procuramos é um compromisso de longo prazo. Porque é que digo isto? Porque as pessoas da região têm de receber a garantia de que os Estados Unidos têm uma visão de longo prazo, não só para o Afeganistão e o Paquistão mas para toda a região", afirmou ontem Shah Mehmood Qureshi, no final de uma reunião com a secretária de Estado Hillary Clinton.