OLÍMPICOS - CRÓNICA DE BASTIDORES "Trumping"

por João Pedro Mendonça - RTP
António Antunes - RTP

Para assegurar a Cerimónia de Abertura, tive o meu primeiro dia de risco em Tóquio.

Sou obrigado a ir ao terminal de transportes olímpicos e a misturar-me com uma multidão de jornalistas para aceder ao Estádio. É compreensível. Somos milhares de jornalistas, não há possibilidade de assegurar transportes individuais, nem aqui nem em algum lado do Mundo.

A força da Missão explica o risco.

Chegados às imediações do Estádio Nacional, somos acomodados numa fila sem distanciamento. Faz sentido. Não é possível assegurar entradas individuais. À distância, somos fotografados por centenas de japoneses, ávidos de registar um momento olímpico. Normal. Na aldeia que amo é do mesmo modo. Os japoneses adoram guardar jpeg’s das suas experiências e nós somos uma delas.

Ao lado da fila, onde somos compelidos a esperar por licença para avançar, há um passeio. Transeuntes e polícia dividem livremente o espaço. Observam-nos, fotografam-nos, mas todos usam máscara. Menos um.

Está a menos de um metro de mim, com um sorriso e olhar triunfante. A piada fácil dir-me-ia para escrever Trumphante. Mas avanço.

Reparo nele. Não esboça uma frase. Tenho atrás de mim um repórter de imagem de mão cheia, o meu “irmão” António Antunes. É o meu sol e minha sombra. Ainda nem lhe pedi e ele já está a registar em fotos. Magistral.

O rapaz de amarelo tem aquele boné que prova que este Mundo é global. Trump na cabeça dele, “Assassinato em massa” na t-shirt, diz-me o Google Tradutor.

Chega finalmente a polícia. A mesma que tem ordem oficial para me cassar a credencial olímpica se eu respirar sem máscara na rua... Que me obriga a ficar fechado num hotel. A sair apenas para comprar comida num único lugar, com 15 minutos cronometrados. A ter sempre o GPS ligado, controlável por qualquer autoridade, a esmiuçar onde estive e com quem, sob pena de me expulsar daqui. A correr comigo se me chegar a um atleta ao dobro da distancia a que este indivíduo esteve de mim. A que pode privar a RTP do meu trabalho, se eu for considerado contacto próximo de um portador de virus sem máscara.

A polícia não o desviou. Eram dois agentes. Falaram gentilmente com ele. Voz baixa, Tom cordial. Dois minutos de interação. Ele tirou um cartão do bolso, eles pegaram-lhe, viram-no e devolveram-no. Nem um apontamento. Foram à vida deles. Deixaram-no ali a meio metro de nós, obrigados a aceitar sem nos podermos afastar. O sorriso dele justifica-se. Tr(i)umphou.

A equipa RTP seguiu ao ritmo da fila. Fizemos o nosso trabalho na Cerimónia e, quando saímos, juntámo-nos à fila única para os autocarros. Milhares de jornalistas, uma fila. Normal. Eventualmente, não podia ser melhor.

Calculámos: duas horas para entrar no autocarro, que nos levaria ao Terminal Central, a outra fila de autocarros que não garantia a chegada ao hotel nem em mais 3 horas. Consultámos a aplicação de mapas: estávamos a quase sete km do nosso hotel. Contas feitas, estávamos a menos duas horas de caminhada. Opção feita. Material às costas, ao fim de um dia crescido de trabalho. Vamos a isso. A pé. Graças a tal decisão, teremos ganho créditos no direito de dormir. Jantámos às duas da manhã. Depois do banho de suor, duche retemperador no quarto. Tenho a roupa marcada de sal. Mas adorei a opção. Sabem… era proibido ir a pé, por causa das medidas COVID. Mas sabem?… Era proibido ficar na fila, por causa do juízo que ninguém nos tira. Ganhou o juízo.

Para festa de contactos covid, julgo, bastou a Arena olímpica, convidando os atletas do Mundo a jogar o destino das suas provas num Euromilhões Olímpico depois dos casos apurados na Aldeia.

O dever de desobediência disse-nos para fugir dali. As fotos? Bem… as fotos provam que o Mundo é mesmo global. Trump tem amigos em todo o lado. E, espero eu, o nosso juízo também.
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