OMS acusa Adis Abeba. Bloquear auxílio humanitário ao Tigray é "insulto à humanidade"

por Graça Andrade Ramos - RTP
O secretário-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus DR

A Organização Mundial de Saúde considerou esta quarta-feira em Genebra que a população da região do Tigray, no norte da Etiópia, vive o que considerou um verdadeiro "inferno", único no mundo, sobretudo devido ao bloqueio do auxílio humanitário às populações mais afetadas pela guerra, por parte do governo etíope.

O bloqueio é "um insulto à humanidade", denunciou a organização. "Em mais nenhuma parte do mundo assistimos a um inferno como no Tigray", declarou o secretário-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, originário desta região africana, na conferência de imprensa diária daquela agência da ONU.


"É absolutamente terrível e inimaginável na nossa época, no século 21, que um Governo recuse ao seu próprio povo, desde há mais de um ano, o acesso aos alimentos, aos medicamentos e a todo o necessário para sobreviver", acusou Tedros, exigindo uma solução "política e pacífica do conflito" entre forças locais e tropas etíopes apoiadas pela Eritreia.

As agências das Nações Unidas enfrentam um blqueio de facto da ajuda humanitária ao Tigray.

Desde meados de julho do ano passado que a OMS não recebe autorizações para enviar alimentos, medicamentos ou material médico para a região, apesar dos pedidos constantes endereçados ao gabinete do primeiro-ministro etíope e ao ministério dos Negócios Estrangeiros em Adis Abeba, referiu Tedros.

O diretor da OMS lembrou que mesmo no auge da guerra na Síria e no Iémen a organização pôde sempre ir em auxílio das populações mais cruelmente afetadas.

Ao seu lado, Michael Ryan, responsável pelas operações de emergência da OMS, mostrou-se igualmente indignado com Adis Abeba. O bloqueio, afirmou, retira a muitas pessoa o "acesso às intervenções basilares que permitem salvar vidas".

"A meu ver, é um insulto à humanidade permitir que tal situação perdure, não autorizar qualque acesso", denunciou.
14 meses de guerra
O conflito declarado a 4 novembro de 2020 culminou meses de um braço de ferro entre o primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed - laureado com o Nobel da Paz em 2019 - e as forças rebeldes da Frente de Libertação Nacional do Tigray, TPLF, um movimento de origem comunista que contestou durante décadas a hegemonia do poder central de Adis Abeba no norte do país, até assumir o domínio do governo.A nomeação de Abiy para a chefia do Governo, em 2018, ditou o fim desta influência, com a TPLF a manter-se no poder no Tigray. O governo do primeiro-ministro acusa a TPLF de pretender recuperar o domínio nacional, com esta a negar e a acusar por seu lado Adis Abeba que querer explorar as regiões etíopes em seu favor.

Abiy enviou ao Tigray as tropas federais etíopes para destituir os poderes regionais que contestavam a sua autoridade e os quais, afirmou, haviam atacado as bases militares federais no Tigray.

Apesar de algumas vitórias das tropas regulares, o conflito degenerou numa guerra de guerrilha e de avanços e recuos, com as populações civis a servirem de escudo.

Abiy Ahmed declarou vitória três semanas depois da invasão, quando o Exército federal capturou a capital, Mekele.

Em junho de 2021, porém, as forças afetas à TPLF já tinham retomado a maior parte do território
do Tigray, e continuaram a ofensiva nas províncias vizinhas de Amhara e Afar.

Em novembro passado, as forças de Tigray e forças insurrectas aliadas da Oromia (outra província etíope) começaram a retirar das áreas ocupadas para a região de origem. Em contrapartida, o poder em Adis Abeba comprometeu-se em não voltar a invadir a província rebelde.

O Exército federal está nas fronteiras de Tigray e retomou o controlo de várias posições anteriormente nas mãos das forças da TPLF em Amhara e Afar. Centra atualmente a sua intervenção na força aérea.Bombardeamentos aéreos
Dezenas de milhares de pessoas já morreram nos combates e milhões de outras abandonaram casa e campos e refugiaram-se junto de ONG's. Além da guerra e das doenças enfretam a ameaça da fome, devido ao fracasso das colheitas e à expulsão das organizações internacionais de auxílio.

Segunda-feira passada um ataque aéreo na região matou pelo menos 17 pessoas, na sua maioria mulheres, e feriu dezenas de outras na cidade de mai Tsebri, afirmaram duas fontes humanitárias locais à Agência Reuters, citando testemunhos e autoridades regionais.

As Forças Armadas etíopes recusaram comentar o incidente. Como regra, Adis Abeba nega quaisquer ataques a forças civis no conflito de 14 meses contra as forças da TPLF.


Na sexta-feira passada um outro bombardeamento aéreo tirou a vida a 56 pessoas num campo de deslocados no Tigray, ferindo outras três dezenas, incluindo crianças.

O ataque levou o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a falar segunda-feira com o primeiro-ministro Abiy, sobre o sofrimento causado pelos bombardamentos às populações civis.

As Nações Unidas não têm conseguido confirmar as informações,
afirmou aos reporteres o porta-voz da organização, Stephane Dujarric, apontando a falta de comunicações na área. Dujarric exigiu a cessação imediata das hostilidades e o acesso pleno das organizações humanitárias à região.

Antes dos dois últimos bombardeamentos, pelo menos 146 pessoas foram mortas e 213 feridas em ataques aéreos no Tugray desde 18 de outubro de 2022, acusaram as agências humanitárias num relatório distribuído na semana passada.

Sexta-feira passada, naquilo que chamou um apelo ao diálogo com os seus opositores para fomentar a reconciliação, o Governo etíope libertou vários líderes da oposição detidos, incluindo da TPLF.

Terça-feira, Dujarric reiterou o apelo do secretário-geral da ONU, António Guterres, para o fim dos combates no Tigray e para "todas as partes aderirem às suas obrigações ao abrigo da lei humanitária internacional".

Com agências
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