ONU diz que falta de estratégias de governos africanos gera reintegração em grupos terroristas
A Organização das Nações Unidas (ONU) indicou hoje que a falta de estratégias e apoio por parte de governos africanos a ex-terroristas leva-os a considerar a reintegração em grupos extremistas como o Estado Islâmico.
Num relatório, o Comité de Combate ao Terrorismo (CTED, sigla em inglês) da ONU deixou vários alertas sobre a situação terrorista em África, entre eles "estratégias de saída inadequadas e de apoio fornecido a ex-terroristas depois de deixarem os programas de reintegração, levando-os a considerar a reintegração a grupos terroristas".
Entre os alertas das Nações Unidas está ainda a falta de compensação e apoio às vítimas e populações locais - particularmente mulheres, que são afetadas desproporcionalmente pelo terrorismo e contraterrorismo, a insuficiência da justiça criminal na maioria dos Estados afetados pelo terrorismo, ou uma coordenação insuficiente nos programas destinados a prevenir o extremismo violento entre os níveis nacional e comunitário.
Denominado "Perspetivas da Sociedade Civil: Estado Islâmico em África -- Principais Tendências e Desenvolvimentos", o relatório reflete os resultados de duas mesas-redondas virtuais, convocadas pelo CTED em outubro e novembro de 2021, e com a presença de mais de 50 representantes de organizações da sociedade civil africana, de 15 Estados-membros, e mostra as suas perceções sobre lacunas e desafios na capacidade dos países africanos de implementar resoluções relevantes do Conselho de Segurança.
Entre os casos abordados está o de Moçambique, em que o CTDE, citando um estudo, revelou que etnia, herança e identidade cultural foram fundamentais para impulsionar o recrutamento de membros para as organizações afiliadas ao Estado Islâmico naquela região.
"Grupos étnicos que já estavam representados no grupo terrorista tiveram mais sucesso no recrutamento da mesma etnia. Em Cabo Delgado, queixas étnicas históricas entre diferentes grupos também ajudaram a aumentar a vulnerabilidade face ao recrutamento terrorista", disse o documento.
Face às perceções recebidas, o relatório compila uma série de recomendações destinada a governos e autoridades dos vários países africanos, como "proteger e respeitar consistentemente os direitos humanos em iniciativas de combate ao terrorismo" ou "criar programas de apoio psicológico para vítimas e pessoas associadas ao terrorismo".
O Comité recomendou ainda aos governos que forneçam habilidades significativas e equitativas a homens e mulheres para capacitá-los a reintegrarem-se com sucesso nas comunidades e a envolverem-se no diálogo com combatentes e grupos terroristas, inclusive através da comunidade local e líderes religiosos respeitados, em áreas onde existe uma maior desconfiança face ao governo.
Já à ajuda internacional e parceiros de capacitação, o CTED recomendou que estes forneçam informações e treino sobre respeito pelos Direitos Humanos, incluindo evidências claras sobre as implicações práticas dessas violações, visando facilitar uma mudança de cultura dentro das forças de segurança.
A província de Cabo Delgado, em Moçambique, é aterrorizada desde 2017 por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.
Há 784 mil deslocados internos devido ao conflito, de acordo com a Organização Internacional das Migrações, e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.