Operação Livro Mágico

por Rosário Lira - RTP
A operação Livro Mágico começou a escrever-se nos Estados Unidos Eduardo Muñoz - Reuters

Foi um golpe duro na rede que existia, mas não terminou com o mal pela raiz. Os criminosos arranjaram substitutos e continuam a "traficar" a nacionalidade portuguesa a troco de muito dinheiro.

A operação Livro Mágico começou a escrever-se nos Estados Unidos.

Um indiano pediu visto para os Estados Unidos e foi rejeitado. Mas como a vontade de deixar a Índia era maior do que a de ficar, anos mais tarde, com o recurso à falsificação de documentos, consegue obter a nacionalidade portuguesa. Adquire o passaporte e tenta entrar novamente nos Estados Unidos. Mas a sorte não perseguia este indiano agora português e à chegada aos EUA foram verificadas as impressões digitais. Azar dos azares, as autoridades dos EUA guardam e cruzam os registos e por isso, ao introduzir as impressões digitais no sistema, detetaram que aquele individuo, apesar de agora ter outro nome e outra nacionalidade, já lhe tinha sido recusada a sua entrada nos EUA.

Tratando-se para todos os efeitos de um cidadãos português, as autoridades nacionais foram alertadas e começaram a investigar. 



Foram dois anos a tentar desmontar uma rede que cruzava mares e oceanos, passando pela Guiné e por Lisboa.

Mas porquê a Guiné? Para simular que se tratava de um processo complicado, justificar os elevados montantes cobrados, tentar passar abaixo do radar, evitar tratar de todo o processo na Índia e beneficiar das facilidades que a Guiné dava.

Ou seja, enquanto o processo com base em documentos falsificados era enviado para Lisboa para obtenção da nacionalidade portuguesa, os cidadãos, ainda com passaporte indiano, viajavam para a Guiné. Neste país, no mesmo dia, conseguiam obter a autorização de residência. Com essa autorização de residência deslocavam-se ao consulado português e pediam o cartão do cidadão e o passaporte.

Já na posse de toda a documentação necessária para viajar passavam por Lisboa e daqui seguiam para Londres.
Outro esquema

Quando esta rota começou a levantar suspeitas, apesar de a manterem, os arguidos passaram a usar um outro esquema que tinha por objetivo dar mais credibilidade ao processo. O cidadão, ao chegar a Lisboa, dizia ter perdido o passaporte ou inutilizava-o para poder pedir outro e viajar para Londres com um passaporte emitido na capital portuguesa.

Na capital portuguesa os “procuradores” recebiam os clientes no aeroporto, encaminhavam-nos diretamente para a loja do passaporte que ali funciona e ajudavam-nos a obter um passaporte novo, servindo de interpretes e assessores, para que a estadia fosse o mais curta possível.

Os membros da rede insistiam com os clientes para a necessidade de passarem por Lisboa para obter a documentação e pagar.

O cabecilha desta rede continua a viver na Índia. É ele que com recurso a agentes no terreno trata da documentação falsificada e do envio pelo correio para os agentes em Portugal. Em Portugal, os “procuradores” diligenciam o assunto diretamente ou subestabelecem em advogados, para dar entrada do processo no IRN.

Emitido o assento português, é enviado por email o comprovativo que vai dar origem ao pagamento. O assento segue depois pelo correio para a Índia onde o cidadão pode então ir ao consulado pedir para ser emitido o cartão de cidadão e o passaporte para a Europa.

Determinante para o desfecho da operação foram as buscas efetuadas pelas autoridades inglesas em Leicester e acompanhadas por inspetores do SEF que levaram à detenção e extradição de um dos cabecilhas desta rede, uma peça fundamental em todo o processo. Este homem chegou a cobrar 30 mil euros para tratar de um processo.
Seis arguidos

Leicester é uma das zonas do Reino Unido onde há mais portugueses de origem indiana a trabalharem em fabricas e a viverem por vezes com muitas dificuldades. Pessoas cuja permanência no Reino Unido pode estar comprometida se as autoridades ingleses, com o Brexit, endurecerem as regras de permanência no seu país.

O inquérito do processo Livro Mágico terminou há cerca de dois meses e foi deduzida acusação contra seis arguidos.

O SEF tem a noção que não estancou a hemorragia e que a investigação Livro Mágico apenas feriu uma rede que rapidamente consegue sarar as suas feridas e continuar a trabalhar. Lamenta que assim seja, reconhece que é um problema de dimensões alarmantes mas não tem capacidade para estancar a sua origem e, assim sendo, por mais detenções que sejam feitas, a história deste livro continuará a ser escrita por criminosos sem escrúpulos.
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