Oração é sugestão de quem escolheu estar confinado toda a vida

Nos mosteiros onde a clausura é um confinamento para toda a vida, a pandemia de covid-19 determinou ajustamentos, e a oração, que marca o ritmo destes espaços, é uma sugestão para quem enfrenta agora o confinamento.

Lusa /

"O nosso quotidiano pouco se alterou, mas claro, temos o cuidado de cumprir as normas sanitárias recomendadas a todos os cidadãos a fim de contribuirmos para o bem de todos", disse à agência Lusa a irmã Maria Clara, abadessa do Mosteiro de Santa Clara de Monte Real, concelho de Leiria.

A religiosa explicou que foram cancelados "visitas, encontros, retiros" e a comunidade, de 33 irmãs (a mais nova de 20 anos e a mais velha de 97), deixou de receber pessoas na hospedaria, lamentando ainda: "Com tristeza, também fechámos a porta da nossa igreja".

No caso do Carmelo de Cristo Redentor, em Aveiro, o dia 14 de março de 2020 significou o fecho da capela, que tinha culto público, e a suspensão das missas e do fabrico de hóstias, contou a irmã Sofia da Cruz, prioresa.

"Tivemos de mudar o horário e fazer ajustes à realidade", declarou, adiantando que o tempo de trabalho passou a ser outro, para que as irmãs pudessem "participar na eucaristia `on-line`"

Por outro lado, a comunidade deixou "de receber pessoas nos locutórios" e a portaria foi estruturada, para as pessoas poderem ir ao Carmelo sem as religiosas manterem contacto direto.

Em 31 de maio, a capela foi reaberta ao público, mas depois de novo fechada, sendo a missa agora "apenas celebrada para a comunidade das irmãs", 18 no total, entre os 47 e os 92 anos, adiantou a irmã Sofia da Cruz.

No Mosteiro de Singeverga, instalado numa quinta de 80 hectares em Roriz, no concelho de Santo Tirso, a vida dos monges beneditinos "manteve-se substancialmente a mesma", mas a igreja fechou - "o primeiro grande golpe" -- e o segundo foi constatar que não poderiam ter em funcionamento a hospedaria, afirmou à Lusa o abade Bernardino Costa.

Além da oração, que "marca o ritmo diário da comunidade, desde manhã, o levantar, depois antes do almoço, antes do jantar, antes de deitar", os monges trabalham nas atividades que a quinta possibilita, como a agropecuária, horta, jardins, fabrico do Licor de Singeverga ou oficinas.

Nestes mosteiros, as notícias da crise sanitária chegam de várias formas.

"Acompanhamos a situação em que mergulha a humanidade um pouco através de um ou outro noticiário, inúmeras mensagens dilacerantes através de `email`, cartas e muitos telefonemas", relatou a irmã Maria Clara.

No Carmelo de Cristo Redentor, as religiosas têm acesso diário ao jornal e, se necessário, consultam as notícias na internet.

"Também as pessoas que telefonam a pedir orações partilham a situação do nosso mundo e manifestam a sua angústia", adiantou a prioresa Sofia da Cruz, explicando a reação quando se tornou real o impacto da pandemia: "Foi a de nos unirmos em oração, suplicando a Deus, por intercessão de Maria, pelo fim da pandemia e a descoberta de uma vacina".

Já no Mosteiro de Santa Clara de Monte Real, "o primeiro impacto perante a evolução da pandemia foi um sentimento de grande compaixão pela humanidade", observou a abadessa Maria Clara.

"Estamos a viver estes dias com um profundo sentido de participação e partilha do sofrimento, dor, fadiga e desconforto de todos", afirmou, frisando que todos são "chamados a viver de maneira responsável as indicações que as instituições" dão.

A irmã Maria Clara garantiu que neste tempo cresce "o desejo ainda mais profundo" de as religiosas continuarem "na linha da frente do combate, de `mãos postas` em contínua oração, junto dos que lutam pela própria vida, mas também com todos os profissionais que diariamente combatem nesta batalha".

Em Singeverga, 22 dos 23 monges acabaram infetados com covid-19, em novembro.

O abade Bernardino Costa, que acabou por ficar hospitalizado quase um mês, de onde trouxe o relato de profissionais de saúde "incansáveis", referiu que a comunidade sentiu "uma espécie de peso".

"A comunidade é envelhecida, parecia que era chegado o fim", comentou quem teve "sempre confiança de que iria resistir".

No mosteiro, onde o monge mais novo tem 33 anos e o mais velho 95, apesar da doença que atingiu quase todos, "nunca houve um dia em que se possa dizer que não se rezou porque estavam todos doentes".

"E, desde a pandemia, incluímos, todos os dias, uma oração, pelos profissionais de saúde, pelos doentes, pelas pessoas mais vulneráveis, pelos que já partiram", acrescentou.

A prioresa Sofia da Cruz, que ressalvou não se poder igualar confinamento num determinado espaço e tempo a confinamento da vida, enumera conselhos para quem tem de estar confinado.

"Não se demitir da vida, procurar viver o possível de cada momento. Eu posso estar confinado, mas não posso confinar a vida", defendeu a religiosa, sugerindo igualmente "descobrir o confinamento como possibilidade de um novo estilo de vida".

"O confinamento tal como a clausura são apenas circunstâncias de um estilo de vida", observou, para salientar que se na clausura aquele "é composto de tempos de oração, de trabalho, de silêncio e solidão, de convivência, de diálogo e recriação festiva e alegre, de leitura", estes são "os mesmos tempos que podem existir num confinamento".

O abade Bernardino Costa apelou para que "haja horizontes, diálogo, leitura, pequenas atividades", frisando ser necessário "aprender a preencher o dia", mas "não apenas com os bens tecnológicos".

"Apesar de vivermos e estarmos na clausura, dia após dia, ano após ano, sem sairmos, exceto em situações pontuais e necessárias, não sentimos o cansaço, a monotonia, a rotina da vida", afirmou a irmã Maria Clara, acrescentando: "Partindo da nossa experiência de confinamento podemos dizer a todos que, quando se prescinde do supérfluo, focamo-nos no que realmente importa".

Entre as recomendações está a valorização do tempo de confinamento, a procura da paz dentro de cada um e viver com qualidade.

"Empenhemo-nos em que as coisas que fizermos, por mais simples que sejam, assumam um valor e finalidade" e "ganhemos tempo para fazer coisas que sempre quisemos e nunca `tivemos tempo"`, como ler "um bom livro, a Bíblia por exemplo, ouvir boa música, conhecer virtualmente países e culturas diferentes", propõe a irmã Maria Clara.

Cultivar as relações pessoais e familiares, sendo que "é preciso cultivar a paciência e a calma nas relações familiares, sobretudo com as crianças, e doentes", e rezar, porque a oração liberta "do medo e da solidão", são outros dos concelhos da abadessa.

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