Ordem moçambicana lembra advogado que "escolheu a verdade" na entrega do prémio Nelson Mandela

A Ordem dos Advogados moçambicana lembrou hoje Elvino Dias, morto a tiro, como advogado que "escolheu estar com a verdade", criticando aqueles "cuja única linguagem que conhecem é a das armas", ao entregar à família o prémio Nelson Mandela.

Lusa /

"Elvino Dias escolheu estar com a justiça, igualdade e liberdade, usando, tão só, os mecanismos legais que o próprio Estado criou para o efeito, de forma transparente e ética. Mas sobretudo escolheu estar com a verdade", lê-se na mensagem da Ordem dos Advogados referente à entrega do prémio.

Elvino Dias, conhecido em Moçambique como "advogado do povo", pelas causas sociais e apoio que prestava sobretudo aos mais desfavorecidos, morreu na noite de 18 de outubro de 2024, numa emboscada, segundo a polícia, que passados nove meses não apresentou explicações ou suspeitos do crime, associado desde então a motivações políticas.

Na altura era assessor jurídico do candidato presidencial Venâncio Mondlane e o carro que conduzia, no centro de Maputo, foi intercetado por duas viaturas, de onde saíram homens armados que fizeram dezenas de disparos, atingindo mortalmente, além de Elvino Dias, de 45 anos, também Paulo Guambe, mandatário do Podemos, partido que apoiou aquele candidato nas eleições gerais de outubro. Ainda hoje aquele local central está marcado com pedras e por vezes flores, recordando o duplo homicídio.

Em maio, a associação portuguesa ProPública -- Direito e Cidadania anunciou a atribuição a Elvino Dias do prémio Nelson Mandela 2025 pelo seu trabalho em Moçambique, entregue hoje, Dia Internacional Nelson Mandela, pela Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), e apelou às autoridades para esclarecerem o homicídio.

Em comunicado referente à entrega, hoje, do prémio à família, a OAM destaca um Elvino Dias que foi "combatente da justiça e do direito", elogiando o advogado que ousou "fazer o bem e bem". 

"Estamos aqui contra a vontade de muitos e pela mão de apenas alguns. Alguns que não sabem conviver com o pensar diferente, alguns que não sabem viver com o salutar confronto de ideias, alguns cuja única linguagem que conhecem é a das armas, da dor, da intransigência e da intolerância, seja ela política ou outra", refere-se na mensagem da OAM.

O bastonário da OAM, Carlos Martins, considerou, em maio, que a atribuição do prémio ao advogado reconhece o seu trabalho como "combatente" pela democracia e pelo Estado de Direito: "Porque fez a sua luta nos tribunais. O seu palco era lá, nos tribunais".

"É um legado pesado que nos deixa. Ensinou-nos onde fazer a luta, mas, sobretudo, ensinou-nos três valores: O valor da verdade, o valor do direito e o valor da Justiça. Deixa um grande ensinamento para toda a classe em si, que é preciso lutar por aquilo que cada um de nós acredita. E ele acreditou, ele levou até ao fim os seus ideais e isso custou-lhe a vida", acrescentou Carlos Martins.

O bastonário da OAM defendeu, na altura, que a atribuição do prémio pela ProPública, associação privada constituída em 2020 com o objetivo de defesa jurídica do interesse público, devia pressionar a explicação do que aconteceu.

Em 23 de outubro, milhares de pessoas juntaram-se no cemitério de Michafutene, arredores de Maputo, gritando "justiça" e "advogado do povo", na despedida fúnebre, emocionada, de Elvino Dias.

O duplo homicídio chocou a sociedade moçambicana e marcou o início da contestação pós-eleitoral, liderada por Venâncio Mondlane, que três dias depois saiu do país, alegando receios com a sua segurança, regressando a Maputo apenas em janeiro. Essa contestação nas ruas, que levou a confrontos com a polícia, saques, destruição de edifícios e equipamentos públicos, bem como de empresas, provocou, em cerca de cinco meses, quase 400 mortos.

Nas quatro edições anteriores do prémio Nelson Mandela foram distinguidos os advogados Francisco Teixeira da Mota (2021), Leonor Caldeira (2022), Maria Clotilde Almeida e Paula Penha Gonçalves `ex aequo` (2023) e Garcia Pereira (2024).

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