Organização G7+ já tem sede em Lisboa. "Um fraco ajuda outro fraco para sermos mais fortes"

É uma organização internacional, intergovernamental, que tem por objetivo promover a entreajuda de alguns dos países mais vulneráveis do mundo e que agora tem a sua sede europeia em Lisboa. A RTP falou com os principais responsáveis e tentou perceber como é que os vários Estados se apoiam mutuamente, bem como a importância deste novo espaço em Portugal, inaugurado na passada quarta-feira. Um esforço comum para que ninguém fique para trás.

No grupo dos 20 países que integram o G7+ existem realidades tão díspares como a geografia que os separa. Espalhados por África, Ásia, Caraíbas e também Médio Oriente, todos partilham a sua experiência de fragilidade para que os outros aprendam e possam evoluir a partir dela. 

Alguns dos países que integram esta organização, estabelecida formalmente em 2010, atravessam momentos delicados, desde logo os conflitos em curso no Iémen, na República Democrática do Congo ou a situação vivida no Sudão do Sul desde a independência.

Mas há espaço para outras fragilidades, uma vez que no mesmo grupo encontramos países como Timor-Leste, à procura de se consolidar enquanto Estado quase 20 anos após a independência, ou o Haiti, que tenta reerguer-se após ter sido fustigado por várias catástrofes naturais. 

Afeganistão, Burundi, Chade, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Haiti, Iémen, ilhas Comores, ilhas Salomão, Libéria, Papua Nova Guiné, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Serra Leoa, São Tomé e Príncipe, Somália, Sudão do Sul, Timor-Leste e Togo são os países que fazem parte do G7+. Este conjunto de países conta com quase 1,6 mil milhões pessoas, ou seja, mais de 20 por cento da população mundial.


Estudantes timorenses na inauguração do novo espaço do G7+ em Lisboa
“Sair o mais rápido possível da fragilidade rumo à resiliência”
É uma cooperação “frágil a frágil”, em que os países mais fracos se ajudam mutuamente, princípio pragmático do “fraco que ajuda outro fraco para sermos mais forte”. A explicação é dada por Hélder da Costa, secretário-geral da organização, com sede também em Timor-Leste.  

No final da cerimónia de inauguração do novo hub em Lisboa, que servirá também como sede europeia da organização, Hélder da Costa referiu que os países-membros estão empenhados na “construção da paz e do Estado”. Até porque, explica, o objetivo é “sair o mais rápido possível da fragilidade rumo à resiliência”.  

Como áreas prioritárias do G7+ estão a consolidação da paz e do Estado, em quatro temáticas principais, desde logo na área “paz e da reconciliação, na gestão de recursos naturais, como gerir eleições sucessivas e democráticas, e ainda a gestão de missões de paz das Nações Unidas pós-conflito”, refere o responsável timorense.



No centro da ação do G7+ está também a adoção da Agenda do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, a Agenda 2030, incluindo o objetivo 16, com foco na promoção da paz, justiça e instituições eficazes. 

“Os desafios da fragilidade estão hoje entre os principais desafios do desenvolvimento global. Enfrentá-los com sucesso é uma condição fundamental para garantirmos que ninguém é deixado para trás”, frisou Hélder da Costa. 
Lisboa, ponto de encontro global
Com o novo espaço situado na Avenida 24 de Julho, após a assinatura de um memorando de entendimento com a Câmara de Lisboa, que disponibilizou o edifício por 20 anos, a organização do G7+ espera dar “maior visibilidade aos países-membros espalhados pelo mundo”.

Aqui pretendem uma articulação mais próxima com a ONU, com a União Europeia, mas também levar a cabo reuniões de trabalho, workshops e conferências.

“A escolha de Lisboa é uma decisão estratégica a nível político dos países membros do G7+, contando com o apoio político e moral do Estado português”, refere ainda o responsável pela organização. 



“Lisboa é uma cidade charneira, um ponto de encontro global, uma ligação entre continentes que permite a entrada na Europa e tem uma vocação natural para se ligar a outros continentes”, referia o secretário-geral da organização durante a cerimónia de inauguração.

No evento estiveram também presentes a secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Teresa Ribeiro, a vereadora da Cultura e das Relações Internacionais da Câmara de Lisboa, Catarina Vaz Pinto, e ainda a embaixadora de Timor-Leste em Portugal, Maria Paixão da Costa.  



Um exemplo de multilateralismo para os mais esquecidos
Sobre a possível adesão de novos membros a este grupo de Estados, Hélder da Costa destaca que a organização trabalha “em prol do desenvolvimento sustentável”, baseando-se num “espírito de cooperação, voluntarismo e solidariedade”.  

“Se há algum país que queria aderir ao grupo G7+ sejam bem-vindos”, refere o responsável timorense, destacando que a Nigéria já manifestou estar interessada em “partilhar do espírito” do grupo.  

Hélder da Costa dá como exemplo a ajuda direta concedida por Timor Leste a um “país irmão frágil” durante as últimas eleições, com a presença de Xanana Gusmão, que também integra a organização enquanto pessoa eminente. 



O responsável da organização destaca ainda que, até á formação do G7+, “não havia na história um fórum de Estados frágeis” e que o grupo se tornou um “influenciador” a nível global. “Trabalhamos com o secretário-geral da ONU, António Guterres, com as várias agências das Nações Unidas, o Banco Mundial, FMI e várias organizações internacionais”.  

Teresa Ribeiro, secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, presente nesta cerimónia em representação do Governo português, destacou o papel de organizações como o G7+.  

“Num mundo em que vamos cada vez mais assistindo a erupções nacionalistas, pouco atentas às virtudes do multilateralismo, termos a possibilidade de testemunhar o aparecimento de um grupo que quer partilhar experiências, que quer enfrentar os seus problemas em conjunto, é sem dúvida gratificante para todos nós”, destacou.



A governante considera ainda que a interação entre os vários membros pode ser enriquecedora, para que cada país “possa beneficiar da experiência dos outros”.  

A secretária de Estado destacou ainda o “reconhecimento de que Lisboa é uma cidade de convergência de diferentes culturas e povos” como “fator enriquecedor”.  

Nesse diálogo, os países-membros procuram envolver-se no processo de desenvolvimento e deixar o seu feedback, a uma só voz, junto das organizações multilaterais. “Damos sempre as nossas opiniões, as nossas críticas e as nossas sugestões aos nossos parceiros, organismos internacionais e a sociedade civil”, refere Hélder da Costa.  

“Somos parceiros estratégicos”, conclui o responsável, lembrando as parcerias já celebradas com entidades portuguesas, desde logo o Clube de Lisboa.  

Fernando Costa Cardoso, investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL, especialista em assuntos africanos, é também diretor-executivo do Clube de Lisboa, refere a colaboração com a organização agora estabelecida em Portugal.  



“Temos estado a colaborar com o G7+, que consideramos uma organização intergovernamental muito significativa porque é formada por países onde existiram intervenções externas devido a conflitos graves e desastres naturais graves nesses mesmos países”, realça.

Desta parceria vão surgir várias iniciativas, desde logo uma “grande conferência bienal sobre questões ligadas aos problemas da fragilidade dos Estados”. Estas conferências deverão começar já no próximo ano, no mês de junho, tendo como tema a gestão dos recursos naturais.  

Especialista em assuntos africanos, o investigador realça o papel dos três países lusófonos que integram o grupo – Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau – e que outros como Angola ou Moçambique “poderiam integrar o grupo”, mas que se trata de uma questão de “decisão própria”.  
“Esmagados com ideias e opiniões externas”
Questionado pelos jornalistas presentes se o fator simbólico teria algum peso na decisão dos países mencionados – ou seja, se o reconhecimento por parte de um país da sua fragilidade poderia ser determinante para impedir a adesão de novos membros – o investigador refere apenas os membros “se consideram a eles próprios Estados em situações de extrema fragilidade”.

Fernando Costa Cardoso prefere destacar o caso de São Tomé e Príncipe. “Não é um país onde tenha ocorrido um conflito armado, mas pertence de livre vontade porque julga que retira benefícios”

“O que me parece mais importante é que esta organização acaba por ser uma iniciativa dos próprios em relação ao diálogo com as instituições multilaterais, no sentido de terem uma voz própria, refletirem sobre a sua experiência e poderem, de facto, não serem sujeitos passivos da sua própria história”, completa.

Este é um aspeto também destacado por Habib Ur Rehman Mayar, secretário-geral adjunto da organização, com quem a RTP falou a propósito da inauguração do novo espaço do G7+ em Lisboa.  



“Todos os 20 membros, alguns deles sofreram, alguns deles continuam a sofrer de problemas ou de crises e conflitos de diferentes formas, desde o terrorismo, guerra civil, extremismo. Grande parte dos problemas são herdados, são impostos pelo exterior. Estes países estão esmagados com ideias e opiniões externas e por vezes perdem a noção do que devem fazer, e não conseguem demonstrar a sua própria vontade”, refere o responsável.

Habib Ur Rehman Mayar, afegão de nacionalidade, trabalha em Díli na sede do G7+, e salienta que a conquista do domínio de cada um dos países sobre si mesmo é um dos principais objetivos da organização. “O meu país pode aprender com outros que tenham tido trajetórias semelhantes”, refere.  



“Estamos ligados pelo vínculo da simpatia e a empatia. Tentamos alertar os outros para os erros que foram cometidos por um membro para que possa ser evitado por outros”, acrescenta o responsável.   

O responsável do G7+ diz ainda que a defesa dos valores do desenvolvimento e da resiliência dos estados pode ser mais efetiva se for feita por um grupo de 20 países do que por apenas um país isolado junto da comunidade internacional.

Questionado sobre a instabilidade política e social vivida no Afeganistão e os recentes atentados terroristas, Habib Ur Rehman Mayar prefere destacar que o seu país acolheu a última reunião ministerial do grupo G7+. 



“Para muitos deles foi a primeira vez que viram o Afeganistão com os seus próprios olhos. Ficaram com uma perspetiva diferente, com uma narrativa diferente sobre o país depois de terem testemunhado o progresso que foi feito”, refere.

“Infelizmente, os media internacionais não presta atenção aos aspetos positivos. As manchetes trazem sempre as notícias más, que são a realidade. Mas em todos estes países, não apenas no Afeganistão, em todos eles há coisas positivas a acontecer”, conclui.  
O papel de Timor-Leste
Também nesta cerimónia esteve a embaixadora de Timor-Leste em Portugal, que destacou a importância que o país delega à organização. Destaca mesmo que o Governo timorense tem vindo a disponibilizar uma verba proveniente do Orçamento Geral do Estado para financiar as atividades do G7+.  



Em entrevista à RTP, Maria Paixão da Costa assinala que não existem, neste momento, quaisquer quotas nesta organização de que Timor-Leste é país membro e fundador, mas também investidor, tendo em conta que “estes países são mesmo frágeis”.  

Através deste importante investimento, o Governo de Timor procura “fazer todos os possíveis” para estabelecer e consolidar a paz no país, partilhando o que o país aprendeu durante o seu próprio tortuoso processo de independência. 



“Nós também estamos a aprender. Não queremos dizer que já não somos frágeis, ainda estamos na fragilidade”, refere a embaixadora.

No entanto, considera, a presença e o papel de relevo de Díli nesta organização é representativo da sua natureza. “Esta é a cultura de Timor. Quando uma família não tem nenhum pedaço de pão, o timorense sempre concede alguma coisa para esta família. Aqui é assim também”, destaca. 

Imbuído no espírito de Timor-Leste está a intenção de “não deixar ninguém para trás”. “Embora frágeis, queremos dar as mãos a outros países frágeis”, refere a diplomata.