Orquestra de comunidade carioca vai a Brasília sensibilizar para urgência de mais apoios
A Orquestra Maré do Amanhã, projeto que ajuda jovens numas das comunidades cariocas mais violentas, atua quinta-feira no Jubileu das Autoridades na Catedral de Brasília e espera sensibilizar o poder central para receber mais apoios.
A orquestra está a completar 15 anos e é a primeira vez que não abriu inscrições para ninguém, disse à Lusa o fundador e diretor da Orquestra, Carlos Eduardo Prazeres filho de um português.
O projeto nasceu após o pai, o maestro Armando Prazeres, ter sido assassinado em 1999, num crime que terá sido cometido por um morador da Maré.
A música foi a resposta e desde então o projeto social, que forma jovens já impactou mais de 17 mil crianças através do acesso ao ensino de música, numa oportunidade para estas crianças e jovens vulneráveis e com poucas oportunidades.
"Eu acredito no poder da música, o poder transformador da música, eu tenho esperança que, em médio e longo prazo, a gente tenha convertido essa comunidade que é violenta, muito violenta, numa comunidade de mais paz", frisou.
As crianças começam entre os 04 e 06 anos, nas pré-escolas da Maré, onde têm aulas de iniciação musical. Depois seguem para seis escolas primárias, aprendendo instrumentos e canto. Os que mais se destacam integram a sede da orquestra, recebendo bolsas que vão de 750 a cinco mil reais (118 a 788 euros), podendo atuar também como monitores.
O projeto tem mais de 3.100 horas/aula por ano, em disciplinas como violino, viola, violoncelo, contrabaixo, flauta doce e flauta transversal, canto coral, teoria e prática de orquestra na comunidade que tem 140 mil moradores.
De acordo com a organização, a Orquestra beneficiou diretamente 4.407 crianças e jovens em 2024.
Após anos de crescimento, o projeto precisa de mais espaço para continuar a apoiar as crianças: "a gente ganhou, de uma fundação suíça, os dois galpões ao nosso lado e agora a gente precisa de 12 milhões de reais [1,9 milhões de euros] para construir uma extensão que vai ter três vezes mais o número de salas".
O objetivo é de, no total, haver 18 salas e um teatro com capacidade para 400 pessoas, pensado para receber apresentações regulares abertas à comunidade. Além dos espetáculos, a ambição passa por convidar grupos de balé, teatro e artistas de renome e também a instalação de ecrãs gigantes, garantindo que todos possam acompanhar os eventos.
Na quinta-feira, integrando o Jubileu da Esperança, instituído pelo Papa Francisco em 2024 e continuado pelo Papa Leão XIV, a cerimónia será presidida pelo cardeal Dom Paulo Cézar e reunirá ministros, parlamentares e embaixadores.
Os músicos da Maré apresentam-se ao lado do Coro Arquidiocesano de Brasília durante a missa, com um repertório especial que inclui o Concerto de Flauta em homenagem ao Papa Francisco, a Sinfonia Jobim e a obra Nordestina.
"Se o Estado se preocupasse numa educação completa que estaria composta de cultura e desporto a gente teria uma sociedade completamente diferente", disse Carlos Eduardo Prazeres, que espera que o Executivo de Lula da Silva apoie a expansão do projeto que nunca teve apoio de nenhuma estatal brasileira e que tem como maiores patrocinadores a Galp, de Portugal, e a State Grid, uma empresa de transmissão de energia chinesa.
A Orquestra Maré do Amanhã, declarada Património Cultural Imaterial do Rio de Janeiro, em 2023, em Lisboa, esteve em Lisboa em fevereiro de 2024 e também atuou no âmbito das Jornadas Mundiais da Juventude de Lisboa, além de concertos no Festival Músicas do Mundo, em Sines, na Catedral do Sé do Porto, e em Arouca, terra natal do maestro Armando Prazeres, pai de Carlos Eduardo e o inspirador do projeto.
Um dos sonhos do fundador é replicar "esse exemplo em Portugal".
"Meu pai era português e veio fazer esse projeto no Brasil. Eu sou brasileiro e queria devolver à terra do meu pai, Portugal, um projeto como o nosso", disse.
O bairro assinalado é o da Serafina, em Lisboa, visitado pelo papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude em 2023.
"Quando ele fez a Jornada Mundial da Juventude, eu estive lá acompanhando e vi que é um nível de pobreza, um nível de violência que era o ideal para a gente começar a trabalhar", frisou, ressalvando contudo, que "para já ainda é só um sonho".