Os "soldados fantasmas" do exército afegão que remuneravam generais

A maior parte dos 300 mil efetivos militares e das forças de segurança do Afeganistão registados nos dossiers do governo derrubado pelos talibãs não existia. A denúncia parte do ex-ministro afegão das Finanças, Khalid Payenda, que acusa antigos responsáveis políticos e patentes de invenção de “soldados fantasmas”, recebendo pagamentos por parte dos combatentes islamitas.

Carlos Santos Neves - RTP /
Combatentes talibãs patrulham um mercado em Cabul Zohra Bensemra - Reuters

Em declarações citadas na edição online da BBC, Khalid Payenda afirma que foram acrescentados efetivos inexistentes às listas militares e das forças de segurança. Isto para que os respetivos salários fossem entregues, por exemplo, a generais.

Payenda, entre os primeiros responsáveis governamentais a sair do Afeganistão, à medida que a guerrilha talibã ocupava cidade após cidade, diz mesmo que era falsa a ideia de que as tropas regulares afegãs excediam largamente o número de combatentes extremistas.

“Perguntava-se ao chefe de uma província quantas pessoas tinha e, com base nisso, podia-se calcular salários e rações de combate e estes eram sempre inflacionados”, acusou o ex-ministro das Finanças.

Os números, enfatiza Khalid Payenda, podem ter sido inflacionados em mais de seis vezes, incluindo mesmo “deserções, mártires, que nunca eram registados, porque alguns dos comandantes ficavam com os cartões bancários”, de forma a levantarem os respetivos salários.
Quantos soldados tinha o Afeganistão? Ninguém sabia
Em 2016, observa a BBC, um relatório do gabinete do inspetor especial dos Estados Unidos para a Reconstrução do Afeganistão indicava que nem os norte-americanos, “nem os aliados afegãos sabem quantos soldados afegãos e polícias realmente existem, quantos estão de facto disponíveis para o serviço, ou, por extensão, a verdadeira natureza das suas capacidades operacionais”.

Mais recentemente, o mesmo gabinete deu conta de “várias preocupações com os efeitos corrosivos da corrupção e o rigor questionável dos dados sobre o verdadeiro poder das forças”.

“O sentimento generalizado era o de que não podíamos mudar. É assim que o Parlamento trabalha, é assim que trabalha o Governo. Toda a gente dizia que o regato vinha turvo desde o topo, querendo isto dizer que o próprio topo estava envolvido”, afirmou ainda Payenda.

Sob acusações semelhantes de corrupção no anterior Ministério das Finanças, Khalid Payenda respondeu: “Aceito isso até determinado alcance, mas, nestes assuntos, absolutamente não”.
Cronologia da queda de Cabul
Os talibãs selaram rapidamente o controlo de todo o Afeganistão em agosto, na sequência da retirada das tropas norte-americanas, ao cabo de 20 anos.

14 de abril de 2021:
o Presidente dos Estados Unidos anuncia a retirada de todas as tropas do Afeganistão a partir de 1 de maio e até 11 de setembro, declarando assim o fim do mais prolongado esforço de guerra do país.

4 de maio:
combatentes talibãs desencadeiam uma grande ofensiva contra forças afegãs em Helmand, no sul do país. São ainda atacadas outras seis províncias.

7 de junho:
membros do Governo afegão afirmam que foram abatidos mais de 150 soldados em 24 horas, à medida que os combates se acentuam em 26 das 34 províncias do país.

22 de junho:
os talibãs lançam uma sequência de ofensivas no norte do Afeganistão, região distante da sua habitual área de operações, a sul. Por esta altura estão tomados mais de 50 de 370 distritos, segundo o enviado da ONU.

2 de julho:
as topas norte-americanas abandonam discretamente a Base Aérea de Bagram, a uma hora de Cabul. Três dias depois, os talibãs dizem estar preparados para remeter uma proposta de paz ao Governo afegão no início de agosto.

21 de julho:
os talibãs passam a controlar cerca de metade dos distritos afegãos.

25 de julho:
a Administração norte-americana promete continuar a apoiar as forças regulares afegãs "nas semanas subsequentes".

26 de julho:
a ONU estima em 2400 o número de civis mortos ou feridos entre maio e junho no Afeganistão.

6 de agosto:
Zaranja, no sul, torna-se a primeira capital provincial a ser tomada pelos talibãs. Seguir-se-ão muitas mais.

13 de agosto:
caem mais quatro capitais provinciais, entre as quais Kandahar, a segunda maior cidade do país. A oeste, cai Herat, com a captura do senhor da guerra Mohammad Ismail Khan.

14 de agosto:
os talibãs ocupam a cidade setentrional de Mazar-i-Sharif, com escassa resistência, assim como Pul-e-Alam, capital da província de Logar, a 70 quilómetros a sul de Cabul. Os Estados Unidos reforçam o contingente encarregue da retirada de pessoal diplomático.

15 de agosto: os talibãs capturam a cidade-chave de Jalalabad, a leste, completando-se assim o cerco em torno de Cabul. Poucas horas depois, fonte do Ministério afegão do Interior dá conta da entrada de combates talibãs na capital.

c/ agências
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