Ovelha Dolly nasceu há dez anos

"Dolly" viveu perseguida pelos paparazzi desde que, há dez anos, nasceu graças à clonagem de uma célula adulta, um feito que chegou a ser comparado à bomba atómica e espoletou nos homens o medo de serem "copiados".

Agência LUSA /

Aparentemente igual a todos os ovinos, esta ovelha nasceu mais igual qu e as outras, pois era semelhante à dadora da célula adulta que foi introduzida n uma outra sem núcleo e de cuja junção resultou um embrião.

Esse embrião foi posteriormente implantado numa "ovelha de aluguer" que deu à luz a famosa Dolly, em 1996.

O estrondo chegou em Fevereiro de 1997, quando a equipa de cientistas d o escocês Instituto Roslin anunciou o nascimento de Dolly, na altura com sete me ses.

Dolly não foi o primeiro mamífero clonado, mas teve a particularidade d e ser o primeiro a nascer através da transferência nuclear de uma célula (mamári a) adulta (de uma ovelha com seis anos). O seu nome foi uma homenagem à cantora Dolly Parton, conhecida pelo seu proeminente peito.

O mundo ficou fascinado com as semelhanças genéticas entre Dolly e a mã e genética, de quem era irmã gémea, e a ausência de um progenitor em todo este p rocesso.

O debate não faltou, uma vez que, tal como o homem, Dolly era um mamífe ro e os cientistas provaram que os mamíferos podiam ser clonados com células adu ltas e não apenas embrionárias.

Na altura, falou-se de tudo um pouco: dos perigos do eugenismo (criação de seres humanos perfeitos através da manipulação genética), do poder dos cient istas e da eterna busca pela perfeição.

Para ilustrar a temática, não faltaram imagens do exército nazi a lembr ar como este perseguiu a ideia de criar seres perfeitos nem comparações do nasci mento de Dolly à bomba atómica.

A inquietude atingiu o presidente dos Estados Unidos na altura, Bill Cl inton, que proibiu a utilização de fundos federais para a clonagem humana.

O Vaticano pediu a condenação destas técnicas em humanos e as organizaç ões internacionais - como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a UNESCO e a Com issão Europeia - solicitaram estudos e mais estudos sobre o assunto.

Ainda em 1997, o Conselho da Europa adoptou um protocolo a proibir esta técnica em seres humanos.

Foi uma mistura explosiva de conceitos e debates éticos. Indiferente à discussão, a ovelha continuou a ser fotografada, estudada e condenada a ser uma estrela, mas os problemas de saúde, que atingem os animais clonados, não tardara m a tornar piores os seus dias.

Em 1999, a revista Nature divulgou que a ovelha apresentava sinais de u m envelhecimento precoce, mas o problema tinha outra explicação e mais dúvidas p or esclarecer: a que se deve e como se evitam as doenças auto-imunes - como a qu e Dolly tinha nas articulações - que estes animais desenvolvem? Dolly foi eutanasiada a 14 de Fevereiro de 2003 para não continuar a so frer com a infecção pulmonar incurável de que padecia. Morreu com seis anos de i dade - os mesmos que tinha a mãe genética quando lhe foi retirada a célula mamár ia - e ainda hoje pode ser vista no Royal Museum of Scotland, em Edimburgo, onde está empalhada.

O falecimento de Dolly não encerrou o capítulo da clonagem, muito pelo contrário. O mundo viria a ser novamente surpreendido com a notícia de que uma c ompanhia ligada a uma seita (os raelianos) tinha clonado uma pessoa e que esta j á tinha nascido e sido baptizada com o nome de... Eva.

A notícia foi entendida como uma anedota pela comunidade científica, ma s a Clonaid ainda hoje garante que 13 crianças - nunca mostradas - já nasceram g raças à clonagem que pratica e assegura que, mensalmente, realiza entre 10 a 15 implantes de clones humanos.

A clonagem de outros animais continuou e, em Agosto, estendeu-se aos an imais domésticos, com o nascimento de Snuppy, um galgo afegão.

A clonagem deste canídeo está, contudo, ligada à maior fraude da histór ia da clonagem, já que o seu criador foi o investigador sul-coreano Hwang Woo-su k, acusado de fraudes em estudos com células estaminais humanas.

Hwang Woo-suk - que tinha sido considerado um herói na Coreia do Sul - publicou um artigo na revista Science a garantir que tinha produzido onze linhas de células estaminais embrionárias, mas nove eram falsas.

Já desacreditado, Hwang Woo-suk foi posteriormente acusado pela justiça sul-coreana de fraude e desvio de fundos.

A clonagem de Snuppy foi, no entanto, verdadeira e, de acordo com a rev ista científica britânica Nature, resultou da substituição do núcleo do óvulo po r ADN de uma célula do animal clonado.

Em Portugal, a falta de verbas inviabilizou o projecto de clonar um bov ino, experiência proposta pelo Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (ICBAS), no Porto.

É portuguesa a equipa que clonou com êxito um rato de laboratório, curi osamente numa parceria com Ian Wilmut, o "pai" de Dolly.

O rato foi baptizado com o nome de Figo e resultou de uma técnica inova dora na área da clonagem que já motivou o interesse de vários países em aplicá-l a a roedores e a outros animais de maior porte.

O autor da experiência foi Ricardo Ribas, licenciado no ICBAS e graduad o em Biologia Básica e Aplicada.

Este trabalho proporcionou a Ricardo Ribas a possibilidade de conhecer a mais famosa ovelha do mundo e, à Agência Lusa, o investigador contou que "não era das ovelhas mais simpáticas".

Em 2002, quando o cientista português se encontrava na Escócia a trabal har na clonagem do Figo, Ricardo Ribas conheceu a Dolly e recebeu dela uma "ines perada afeição".

"Ela veio logo ter comigo, o que foi uma experiência muito engraçada", disse.

O ratinho Figo - nome com que o clone foi baptizado, por influências do campeonato europeu de futebol, que decorria quando foi clonado - nasceu saudáve l, embora obeso (como todos os animais clonados), o que animou os cientistas.

Figo foi eutanasiado em Fevereiro de 2005, após nove meses de uma saudá vel existência, acompanhada de perto por Ian Wilmut, que sempre se interessou po r este projecto.

A decisão de entanasiar Figo deveu-se a uma hemorragia que atingiu o ou vido do rato, que apresentava igualmente uma conjuntivite no olho.

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