Parlamento britânico aprova emenda para assumir controlo do Brexit por um dia

por Andreia Martins, Graça Andrade Ramos - RTP
Reuters

A Câmara dos Comuns votou esta segunda-feira a favor da emenda que prevê que seja o próprio Parlamento britânico a apropriar-se da condução do processo do Brexit durante um dia, na próxima quarta-feira. Com 329 votos a favor e 302 contra, a proposta dos “votos indicativos” apresentada por deputados do Partido Conservador traz ainda mais confusão ao processo de saída do Reino Unido da União Europeia.

É mais uma derrota para o Governo de Theresa May. O Parlamento britânico aprovou hoje uma emenda parlamentar, encabeçada pelo conservador Oliver Letwin, que dá aos deputados o poder de conduzir e marcar a agenda no processo do Brexit, substituindo-se assim ao Governo durante 24 horas.

A emenda prevê que os deputados apresentem propostas com alternativas ao acordo negociado entre Bruxelas e Londres, propostas essas que serão discutidas e votadas durante a próxima quarta-feira. O processo de debate e votação ainda não foi clarificado, mas já se sabe que haverá uma comissão para o decidir, liderada pelo conservador Oliver Letwin.

Os chamados "votos indicativos" são uma forma de o Parlamento britânico tentar perceber se existe algum consenso possível entre os deputados nas várias opções existentes para o Brexit, alternativas ao que foi proposto pelo Governo de Theresa May.

O Executivo opunha-se a esta proposta e por isso, o secretário da Economia, Richard Harrington, apresentou a demissão esta noite de forma a ter liberdade de voto. A imprensa britânica avança ainda que também o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Alistar Burt e o secretário de Estado da Saúde, Steve Brine.

Ainda esta segunda-feira, antes da votação, a primeira-ministra disse à Câmara dos Comuns que a aprovação da emenda que entrega ao Parlamento o controlo vem estabelecer um precedente que pode afetar o “equilíbrio das instituições democráticas”. Um porta-voz do Governo considerou mesmo que este se trata de um precedente “perigoso e imprevisível”.

Votações não vinculam Governo
Com uma votação de 329 deputados a favor e 302 deputados contra, a Câmara dos Comuns toma o controlo das negociações na próxima quarta-feira, dia em que vai haver um debate sobre as várias propostas que ainda não foram discutidas.

Esta votação traz ainda mais incerteza ao processo de saída do Reino Unido da União Europeia, uma vez que qualquer alternativa ou "voto indicativo" em que possa haver consenso entre os deputados não é vinculativa e não tem de ser aceite pelo Governo britânico.

Sobre a possibilidade de o Governo procurar implementar o resultado definido pelos deputados, o conservador Oliver Letwin salientou que este processo pretende alcançar "uma opinião maioritária, não um unicórnio ou uma proposta ridícula que contradiga completamente o senso comum".

Na reação a esta decisão do Parlamento, o executivo britânico pediu, através de um porta-voz, o regresso ao "realismo" e assumiu-se "desapontado" com a aprovação da emenda.

"Todas as opções consideradas devem ser apresentáveis em negociações com a União Europeia", acrescenta.

O líder da oposição britânica, Jeremy Corbyn, considera que agora o "Parlamento tem de encontrar uma solução" para o Brexit. Afirmando que a tática do Governo de May foi um "fracasso abjeto" o líder dos Trabalhistas admitiu ainda a hipótese de consultar os britânicos sobre qualquer acordo proposto.

Depois de felicitar os deputados conservadores autores pela proposta aprovada esta segunda-feira - e que muitos consideram extremamente perigosa - Corbyn apelou ao consenso.

"O Governo deve levar este processo a sério", recomendou. "Não sabemos o que a Câmara irá decidir na quarta-feira. Mas sei que muitos membros desta casa têm trabalhado em soluções alternativas, e temos de as debater para alcançar um consenso."

"E esta Câmara deve ainda considerar se algum acordo deveria ser submetido a um voto popular que o confirme. Onde este Governo falhou, esta Câmara tem de, e acredito que o fará, obter sucesso", acrescentou o líder da oposição.

Perante mais um fracasso na Câmara dos Comuns, os analistas afastam, mesmo assim, a hipótese de uma demissão da primeira-ministra Theresa May.

Bruno Manteigas, correspondente da agência Lusa em Londres assinala, em declarações à RTP3, que a queda do Governo desencadearia eleições no Partido Conservador e eleições gerais, numa altura em que o Reino Unido deve tomar uma decisão para evitar um hard-Brexit.

Esta votação acontece ao final de um dia em que Theresa May reconheceu que continua sem ter o apoio da Câmara dos Comuns para fazer aprovar o Acordo de Saída, e por isso não submeteu, para já, o documento a uma nova votação.

“Continuo a achar que o caminho certo é o de saída do Reino Unido da União Europeia, o mais cedo possível, com um acordo, a 22 de maio”, afirmou a primeira-ministra britânica.

“Mas lamento constatar que, conforme as coisas estão neste momento, não existe apoio suficiente na Câmara dos Comuns para aprovar o acordo numa terceira votação", disse Theresa May esta tarde ao Parlamento.

No entanto, o desenlace poderá mesmo acontecer com uma nova votação do Acordo de Saída, até porque tal foi exigido pelo Conselho Europeu de forma a permitir o adiamento do Brexit até 22 de maio.
Comissão Europeia preparada
Na semana passada, durante o Conselho Europeu, Theresa May conseguiu um adiamento até 22 de maio, às 23h00, em caso de aprovação do acordo para o Brexit no Parlamento até ao final desta semana. Mas caso o documento não passe na Câmara dos Comuns, o adiamento será apenas até dia 12 de abril às 23h00.

Se o acordo negociado não for aprovado pelo Parlamento nem houver uma revogação do Artigo 50.º do Tratado da União Europeia, que prevê o mecanismo de saída de um Estado-membro, poderá acontecer uma saída desordenada do Reino Unido, já a 12 de abril.

Outra possibilidade é a de um novo pedido de adiamento por parte do Reino Unido. Mas a União Europeia já disse que só irá aceitar esse pedido caso haja alguma alteração significativa por parte do Reino Unido em relação ao acordo.

A acompanhar atentamente todas estas movimentações, a Comissão Europeia informou esta segunda-feira que já concluiu os preparativos para um cenário de saída desordenada do Reino Unido da União Europeia e assume que esse é mesmo o desfecho "mais provável".

Na declaração desta tarde, Theresa May ecoou a ideia de Bruxelas e reconheceu que a saída sem acordo é mesmo o cenário mais plausível.  "A alternativa é procurar uma forma diferente de Brexit ou um segundo referendo", afirmou a primeira-ministra, que tem sido persistente na negação desta última hipótese.

"Se esta Câmara não aprovar o acordo de retirada esta semana, mas se não estiver preparada para aprovar uma saída sem acordo, então teremos de pedir uma extensão [do prazo] maior", referiu ainda Theresa May, acrescentando que esse desfecho levaria à realização de eleições europeias no Reino Unido.

Tal cenário significaria que "não fomos capazes de garantir o Brexit", disse Theresa May.

O acordo desenhado pela União Europeia e o Reino Unido foi chumbado pelo Parlamento britânico pela primeira vez em janeiro, por 432 votos contra e 202 a favor. Dois meses depois, o mesmo acordo foi submetido a uma segunda votação, tendo recolhido 391 votos vontra e 242 a favor.

Para conseguir fazer passar o acordo numa hipotética nova votação, Theresa May necessitaria do apoio de mais 75 deputados, uma vez que, a 12 de março, o documento foi chumbado por uma margem de 149 votos.
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