Partido de Rajoy nega existência do fundo secreto denunciado pelo El Pais

Em Espanha, altos responsáveis do Partido Popular, incluindo o primeiro ministro Mariano Rajoy, terão recebido, ao longo de anos, pagamentos provenientes de contas secretas do partido, onde eram depositados os donativos de empresários espanhóis ao PP. A denúncia deste "saco azul" feita pelo diário de centro-esquerda El País, está a abalar a cena política do país vizinho, com o líder do PSOE, Alfredo Pérez Rubalcaba a exigir que o primeiro-ministro apresente explicações ao parlamento e os restantes partidos da esquerda a exigirem eleições antecipadas. O Partido Popular desmentiu entretanto oficialmente que as cópias dos documentos divulgados pelo El Pais representem as contas do partido.

RTP /
Paco Campos, EPA

El País publicou hoje o que chama de “contas secretas” do ex-tesoureiro do PP Luis Barcenas, com folhas de contabilidade manuscritas em que aparecem nomes de responsáveis do partido, junto dos montantes que cada um recebeu. Não está para já claro se essas quantias foram declaradas ao fisco.
Rajoy terá recebido 25.000 euros por ano segundo El País
Entre os responsáveis visados figura Mariano Rajoy, presidente do PP e atual primeiro-ministro que, segundo o diário madrileno, terá recebido 25.200 euros por ano, entre 1997 e 2008.

A secretária-geral dos populares, Maria Dolores de Cospedal, que também figura como alegada beneficiária dos pagamentos secretos, garantiu em conferência de imprensa que o partido não tem nada a esconder, e que a informação divulgada pelo El País apenas tem por objetivo denegrir a honra do Partido Popular e do primeiro-ministro Rajoy.
Cospedal: "PP sempre cumpriu com a legalidade vigente"
“O PP sempre cumpriu escrupulosamente com a legalidade vigente”, disse Cospedal numa conferência de imprensa, “queremos manifestar a nossa indignação perante as informações que surgiram, que só visam prejudicar o PP os seus dirigentes e o presidente do governo”.

Maria Dolores de Cospedal disse aos jornalistas que o PP e cada um dos dirigentes mencionados pelo El País tencionam empreender ações legais contra todos os meios de comunicação que reproduzam os documentos. Segundo ela, as folhas em causa não são a contabilidade do partido e não têm qualquer credibilidade. “Só temos um conjunto de livros” disse, "e estão limpos”.
Presidente do Senado admite pagamento mas diz que foi "empréstimo"
Cospedal afirmou que muitas das operações que figuram nas folhas manuscritas “são mentira”, embora tenha admitido que algumas delas correspondem a movimentos efetivamente feitos pelo partido.

De resto, o dirigente popular e atual presidente do Senado, Pío Garcia Escudero reconheceu na sexta-feira ter recebido um dos pagamentos a que alude o El Pais - cinco milhões de pesetas que diz ter pedido a título de empréstimo para realizar obras urgentes em casa e que afirma ter devolvido ao partido na totalidade, em prestações de um milhão de pesetas .

Escudero garantiu também que esse empréstimo nunca teve nenhuma relação com o então tesoureiro Luís Barcenas que sem embargo, anotou essa transação na sua contabilidade.
Ex-tesoureiros negam existência de contabilidade escondida
Barcenas e outro ex-tesoureiro do PP, Álvaro Lapuerta, emitiram esta manhã comunicados em que negam a existência de uma contabilidade paralela e o pagamento escondido de suplementos a membros da direção do PP .

Apesar de em nenhum momento Barcenas negar a autoria dos manuscritos, afirma que as transações não eram clandestinas.

“Nos anos em que fui contabilista e posteriormente tesoureiro do Partido Popular nunca se fez, por mim ou por outra pessoa, registos de entradas ou de saídas de fundos, distintos dos que foram declarados oficialmente pelo partido”, escreve.

Da mesma forma, o ex-tesoureiro nega que tenham sido entregues “a nenhuma das pessoas que são mencionadas no diário El País”, verbas que não tenham sido “oportunamente registadas na contabilidade do partido".
Barcenas investigado por alegada lavagem de dinheiro
Barcenas deixou de ser tesoureiro do PP em 2009 e está atualmente a ser investigado por alegada lavagem de dinheiro. Os investigadores revelaram recentemente que o ex-tesoureiro tinha uma conta num banco suíço que, em certa altura, chegou a ter depositados 22 milhões de euros.

A maioria dos pagamentos reportam-se aos anos da bolha imobiliária espanhola, em finais da década de 90 do século passado, quando o PP estava no poder e o setor da construção converteu a Espanha numa das economias mais pujantes da Europa.
Empresas de construção doavam dinheiro ao PP
Nessa altura, e até 2007, a lei autorizava que as formações políticas recebessem doações anónimas. Nos alegados papéis de Barcenas existe uma lista de empresas da construção que doaram dinheiro ao PP.

A cada ano, segundo as anotações, reservava-se uma parte das doações recebidas para serem depositadas num banco (o banco de Vitória, absorvido em 2003 pelo Banesto) . Segundo o El País, o facto de apenas parte das quantias recolhidas ser transferida para uma conta da referida entidade identificada como “donativos” sugere a possibilidade de um financiamento ilegal ao PP, se a totalidade do dinheiro recebido não tiver sido declarada.
Cúpula do PP receberia, alegadamente, "extras" regulares

Os documentos a que o El Pais teve acesso abrangem o período compreendido entre 1990 e 2008, com exceção dos anos de 1993, 1994, 1995 e 1996. As anotações registam pagamentos periódicos a membros da cúpula do partido a partir de 1997, quando José Maria Aznar era presidente do PP e um ano antes da vitória eleitoral que o levou a primeiro-ministro.

No registo relativo aos primeiros meses de 1990 e em dois meses de 1997 aparecem pagamentos feitos a “J.M.” Em 1990, os pagamentos a “J.M “ são aliás os únicos que constam da lista.
Rajoy tinha prometido investigar alegados pagamentos irregulares
O partido sempre negou a existência destes pagamentos. Foram ordenadas auditorias internas e externas e o próprio Rajoy disse recentemente que “não lhe tremeria o pulso” na hora de investigar estas denúncias.

Numa declaração, o PP desmentiu a existência de “quaisquer pagamentos sistemáticos a certas pessoas de outras verbas que não fossem as dos seus vencimentos mensais”.

O escândalo está a ter uma ampla divulgação nos media internacionais e domina as redes sociais em Espanha onde já está a circular uma petição para exigir a demissão do governo

Segundo a Reuters, uma vez que as doações anónimas aos partidos eram permitidas por lei até 2007 os pagamentos poderão não ser ilegais, se os que os receberam os tiverem mencionado nas suas declarações de impostos.
Questões de ética e de conflito de interesses
Mesmo assim, as alegações levantam graves questões de ética respeitantes aos negócios e ligações do PP durante o “boom” da construção espanhola - uma altura em que os políticos autorizavam um grande número de contratos de construção civil.

O líder do Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE) na oposição, Alfredo Pérez Rubalcaba, exigiu já que Mariano Rajoy dê explicações ao parlamento. Segundo o líder socialista, este é “um caso de corrupção que afeta o primeiro-ministro, e não é uma corrupção qualquer. Estamos perante um caso de corrupção que atinge vários governos regionais, freguesias, e até mesmo o governo de Espanha”.
Esquerda pede demissão de Rajoy e eleições antecipadas
Outros partidos da esquerda parlamentar, uniram-se entretanto numa petição para exigir a Mariano Rajoy que se demita e convoque eleições antecipadas.

Como sublinha a BBC, o escândalo atinge o partido do governo, numa altura em que se pede aos espanhois que aceitem dolorosas medidas de austeridade e em que a taxa de desemprego atingiu o valor recorde de 26 por cento.

Arrisca-se a confirmar o sentimento de um setor significativo da população, de que os políticos enriquecem com total impunidade, enquanto a sociedade paga a crise e o desemprego com fortes subidas de impostos.

Uma sondagem recente mostra que 96 por cento dos inquiridos acredita que a corrupção está disseminada na política espanhola.
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