Partido no poder em Moçambique deve optar por "soluções de compromisso" para evitar "fraturas" diz politólogo

por Lusa

O politólogo moçambicano João Pereira considerou hoje que a Frelimo, no poder em Moçambique, deve optar por "soluções de compromisso" na reunião deste fim-de-semana do Comité Central (CC) do partido para evitar risco de "fraturas".

O CC da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) reúne-se no sábado e no domingo na cidade da Matola, subúrbios de Maputo, para debater, entre outros temas, a situação política e económica do país.

"Cá fora, podemos ter a perceção de que o partido está fraturado, devido às crises internas e as que o país enfrenta, é a nossa perceção, mas estes grandes encontros da Frelimo são um ritual para o reforço das cumplicidades e dos jogos de interesses entre os vários grupos no partido", afirmou João Pereira, também docente da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), a principal de Moçambique, em declarações à Lusa.

As guerras no centro e norte de Moçambique, a crise económica provocada pela pandemia de covid-19 e os processos judiciais abertos na sequência das dívidas ocultas, com várias figuras detidas, podem ter o potencial de provocar dissensos na Frelimo, mas não ao ponto de acabar com a coesão, porque o partido controla o Estado e os recursos e os seus quadros não querem arriscar a perda de privilégios e oportunidades, afirmou.

"Haveria risco de fraturas, se o partido tivesse membros sem compromissos, mas lá temos muitas alianças geradas por casamentos entre famílias das elites da Frelimo, negócios e até por grupos étnicos", destacou João Pereira, diretor da fundação Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil (MASC).

O facto de os processos judiciais desencadeados com o escândalo das dívidas ocultas terem atingido figuras próximas do antigo Presidente da República Armando Guebuza também não deverá ensombrar o CC, porque a Frelimo já está "traquejada" para viver com escândalos e manter-se unida.

"Os escândalos na Frelimo nunca foram um problema. O partido passa por escândalos desde a independência do país em 1975 e sobrevive a essas turbulências sem ruturas", destacou.

Sobre aparentes divergências na formação política no poder, sobre a forma de acabar com o "terrorismo em Cabo Delgado", nomeadamente o destacamento de forças estrangeiras no país, João Pereira defendeu que a complexidade do tema vai continuar a alimentar a "ambiguidade da posição do Governo".

"A questão é que não há nenhuma experiência no mundo em que a intervenção militar externa tenha resolvido o problema. É muito difícil tomar uma posição em relação a estes assuntos, porque não temos exemplos de casos em que a intervenção externa tinha resolvido o problema", destacou.

Quanto à violência armada protagonizada no centro do país pela Junta Militar, um grupo dissidente da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido da oposição, João Pereira disse esperar que o partido se una no encorajamento ao diálogo.

"Julgo que estas tentativas de diálogo existem, para desencorajar a Junta Militar de continuar a seguir o caminho das armas, mas a situação é muito complicada, porque eles querem tirar o líder da Renamo à força e sem congresso eletivo, o que viola os estatutos partidários", frisou João Pereira.

Na sessão do CC, a primeira desde as eleições de 2019, o partido no poder vai analisar os relatórios da Comissão Política, Comité de Verificação e do Gabinete de Preparação de Eleições Autárquicas de 2018 e Gerais de 2019.

No encontro, os membros do CC da Frelimo vão igualmente avaliar a Proposta do Plano do Orçamento do partido e os relatórios do Plano Quinquenal do Governo (PQG) e do Plano Económico Social (PES) de 2021.

A reunião foi adiada há um ano, devido às restrições impostas no âmbito do combate à pandemia de covid-19.

Moçambique vive um confito em que grupos armados aterrorizam Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo `jihadista` Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.500 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e 714.000 deslocados, de acordo com o Governo moçambicano.

O mais recente ataque foi feito em 24 de março contra a vila de Palma, provocando dezenas de mortos e feridos, num balanço ainda em curso.

As autoridades moçambicanas recuperaram o controlo da vila, mas o ataque levou a petrolífera Total a abandonar por tempo indeterminado o recinto do projeto de gás com início de produção previsto para 2024 e no qual estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.

Na região centro, a Junta Militar da Renamo é apontada pelas autoridades como responsável por ataques armados que já provocaram a morte de pelo menos 30 pessoas desde 2019 em estradas e povoações das províncias de Manica e Sofala, centro de Moçambique.

O grupo, liderado por Mariano Nhongo, rejeita o Acordo de Paz e Reconciliação Nacional assinado entre o Governo e a Renamo em agosto de 2019 e acusa o líder do principal partido da oposição, Ossufo Momade, de ter traído os ideais do seu antecessor, Afonso Dhlakama, assumindo com o executivo compromissos supostamente lesivos dos interesses da organização.

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