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Pegasus. Dispositivo de espionagem israelita detectado nos telemóveis de seis activistas palestinianos

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
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Ferramenta de guerra. Trunfo para a forja de relações diplomáticas. Há anos que o sistema de vigilância electrónico Pegasus, criado pela empresa israelita NSO, vem sendo denunciado como um instrumento de intimidação a jornalistas, activistas e opositores a regimes ditatoriais. Instalado em milhares de telemóveis por todo o mundo, o Pegasus foi agora detectado no que é tido como o berço da sua criação: os territórios ocupados da Palestina.

Uma reportagem da Al Jazeera de julho passado apontava os territórios ocupados da Palestina como o berço do Pegasus, o sistema de vigilância de texto, imagens e áudio comercializado pela empresa israelita NSO. Uma especialista lembrava que o país auto-intitulado como a única democracia do Médio Oriente tem a maior relação de empresas de vigilância per capita, sendo 80% dos fundadores destas companhias originários do sector militar, em particular dos serviços de informações do IDF (as forças militares israelitas, na sigla original Israel Defense Forces – Forças de Defesa de Israel).

A actividade do Pegasus seria revelada em julho pela Amnistia Internacional e pelo consórcio de jornalistas Forbidden Stories, numa investigação publicada por 17 órgãos de comunicação internacionais. Foi revelado na altura que 50 mil números de telefone por todo o mundo haviam sido seleccionados desde 2016 pelos clientes da NSO para objectivos de espionagem: telemóveis que pertenciam a jornalistas, ativistas dos Direitos Humanos, advogados, líderes religiosos de 50 países e até figuras da política internacional, como foi o caso do presidente francês, Emmanuel Macron.

Esta segunda-feira, a Frontline Defenders acrescentou mais seis números a essa lista: os telemóveis de seis activistas palestinianos também foram invadidos. A revelação resulta do trabalho da associação com a Amnistia Internacional e a Universidade de Toronto, que funcionou como confirmação independente dos dados agora trazidos a público. Sabe-se que três dos palestinianos pirateados (alvo de actividade hacker) trabalham para grupos sociais; os restantes preferem permanecer anónimos e não é dado qualquer detalhe sobre a natureza das suas funções.

Entre os que aceitaram identificar-se e falar com a Frontline Defenders está Ubai Aboudi, um economista de 37 anos de cidadania norte-americana que dirige o Centro Bisan de Investigação e Desenvolvimento de Ramallah, nos territórios ocupados da Cisjordânia.

A Frontline Defender sublinha que não pode atribuir aos israelitas o ataque ao telemóvel de Ubai Aboudi, e da mesma forma no que respeita aos restantes cinco palestinianos visados pelo Pegasus. A Al Jazeera traça, contudo, uma bissetriz de coincidências ao lembrar que há um mês o Centro Bisan de Investigação e Desenvolvimento foi, juntamente com outros seis grupos, colado a actividades terroristas.

A Frontline Defender aponta igualmente a Israel como o principal suspeito de ter plantado o programa nos telemóveis palestinianos, assinalando que as duas primeiras intrusões foram identificadas a 19 de outubro, três dias após o ministro israelita da Defesa, Benny Gantz, ter declarado os seis grupos como “organizações terroristas”. Harry Fawcett, da Al Jazeera, acautela contudo que a Frontline “não alega de forma indubitável que Israel está por detrás disto”, mas sem deixar de sublinhar que “o timing dos acontecimentos é muito interessante”.

"Perdi todo o sentido de segurança"

Entretanto, numa impressão registada pela Al Jazeera, Ubai Aboudi diz ter perdido “todo o sentido de segurança” face a este ataque “desumanizador” de um aparelho que mantém consigo a todas as horas do dia e no qual guarda fotos dos seus três filhos. O activista explicou que, após ter conhecimento dos factos, a sua mulher não conseguiu dormir durante três noites, atormentada com a ideia dessas “intrusões tão profundas na nossa privacidade”.

Aboudi, por seu lado, diz temer pela possível exposição das suas comunicações com diplomatas estrangeiros, um medo que poderá ter fundamento quando se sabe agora que o seu telemóvel estava a ser manipulado há vários meses pelo Pegasus, que foi instalado no dispositivo em fevereiro deste ano.

Os outros dois activistas que aceitaram ser nomeados revelaram os mesmos receios. Um deles é o investigador palestiniano Ghassan Halaika, do grupo de Direitos Humanos Al-Haq, que instou as Nações Unidas a investigarem estas alegações.

“Apelamos às Nações Unidas para que iniciem uma investigação para divulgar quem está por detrás da instalação do programa nos aparelhos de activistas dos Direitos Humanos, um ataque que coloca as suas vidas em risco”, declarou à Reuters Tahseen Elayyan, investigadora da Al-Haq.

O terceiro elemento é o advogado Salah Hammouri, da Addameer, ONG de defesa dos Direitos Humanos com sede em Ramallah que monitoriza o tratamento dado aos prisioneiros palestinianos detidos pelas autoridades israelitas na Cisjordânia. Durante uma conferência de imprensa conjunta das seis organizações palestinianas visadas pelo Pegasus, Sahar Francis, a directora da Addameer, lançou um apelo à comunidade internacional para uma acção conjunta na defesa destes grupos.

"Recebemos declarações de apoio do exterior, mas é insuficiente. É necessário manter pressão sobre Israel para obrigar [esta potência] a desistir deste tipo de manobras e a parar de intimidar as organizações de Direitos Humanos”, deixou Sahar Francis numa declaração registada pela Al Jazeera, sublinhando que, apesar de manifestar determinação em continuar a trabalhar, grande parte da sua equipa não tem conseguido dormir devido ao stress causado pela revelação da Frontline Defender: “As nossas organizações podem ser fechadas a qualquer momento, as nossas casas podem ser invadidas pelos militares israelitas. Podemos ser presos e os nossos bens confiscados, incluindo os nossos fundos bancários”.

Israel e a "spytech diplomacy"

Subsistindo a dúvida quanto ao agente que plantou o spyware nos telefones palestinianos, com a NSO a reiterar insistentemente que a sua venda obedece a critérios rigorosos e se destina unicamente a organismos oficiais e governos envolvidos no combate ao crime e ao terrorismo, o director-executivo da Frontline Defenders, Andrew Anderson, adivinha dias difíceis para a empresa e para Israel no terreno internacional.

De facto, o anátema que venha a abater-se sobre o spyware Pegasus não afectará unicamente a NSO, empresa que o criou, mas na mesma medida Israel, já que se trata de uma ferramenta sensível em termos políticos e diplomáticos, muito para lá das questões negociais de um contrato de compra e venda. Nenhum dos clientes da NSO pode deitar a mão ao Pegasus sem o aval do governo israelita.

“Se o governo israelita se recusar a tomar medidas, então isso deve ter consequências em termos de regulação do comércio com Israel”, afirmou Andrew Anderson.

Israel tem vindo a ser atacado com a teoria de que teria desenvolvido uma abordagem expansionista da sua relação de poder e influência no xadrez internacional através de uma “spytech diplomacy”, uma diplomacia assente na partilha de sistemas de vigilância altamente intrusivos desenvolvidos pela sua área militar. Técnicas que permitem um controlo da actividade individual e, simultaneamente, uma ameaça sombria para qualquer sistema democrático.

De acordo com analistas ouvidos em Julho pela Al Jazeera, o executivo israelita estaria envolvido ao mais alto nível nessa “diplomacia spytech” em que o programa Pegasus funcionaria como principal moeda de troca na negociação com antigos e futuros aliados. No final do dia, o Pegasus seria o metal com que se forjam as novas alianças de Israel.

Mas, entretanto, este é um tabuleiro onde Israel sofreu ataques inesperados: na semana passada, os Estados Unidos, seu maior aliado, colocaram a NSO na lista negra, argumentando que o grupo israelita vendeu programas informáticos a regimes totalitários. Programas que, de acordo com a Administração Biden, terão servido para espiar jornalistas e funcionários de outros governos, além de opositores e activistas.

Para os norte-americanos, a NSO constitui uma ameaça para o país, o que deverá implicar constrangimentos comerciais e financeiros profundos para a empresa.

"Os Estados Unidos estão determinados a usar controlos de exportação de forma incisiva para responsabilizar empresas que desenvolvem, comercializam ou usam tecnologias para fins maliciosos, que ameaçam a segurança cibernética de membros da sociedade civil ou do Governo, dissidentes e organizações baseadas dentro e fora de fronteiras", refere o comunicado do Departamento de Comércio, que colou o mesmo selo a outra empresa israelita, a Candiru, à russa Positive Technologies e à Computer Security Initiative Consultancy PTE de Singapura.
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