Perdão pela escravatura suscita questão das "reparações"

por Lusa

Um pedido de perdão do Presidente da República pelo papel de Portugal no comércio internacional de escravos "levanta problemas éticos" e "traz consigo o problema das reparações" dos povos e países afetados, consideram académicos ouvidos pela Lusa.

O eventual pedido de desculpas de Marcelo Rebelo de Sousa na ilha de Gorée, Goreia, pelo papel de Portugal no comércio internacional de escravos e na escravatura "traz consigo o problema das reparações e em momentos anteriores se disse que o pedido de desculpas não evitava a questão das reparações", disse à Lusa Gerhardt Seibert, investigador de estudos africanos, professor na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), em São Francisco do Conde, no estado brasileiro da Baía.

O investigador recorda que há um pedido de reparações por parte de 15 países da Comunidade das Caraíbas (CARICOM) a uma lista de países europeus, que inclui Portugal, mas essa não é a única organização que defende e reclama reparações aos países afetados pelos três séculos de escravatura em África.

Além disso, diz Seibert, "este pedido de desculpas por políticos tem sempre envolvido algum oportunismo político e levanta problemas éticos, porque as nossas gerações não têm nada a ver com esse passado".

"A abolição da escravatura aconteceu em Portugal em 1850. Esta geração, tanto do lado das vítimas quanto dos participantes não tem absolutamente nada a ver com este passado triste e lamentável", sustenta Gerhardt Seibert.

A questão as reparações é complexa e divide opiniões em todo o mundo, para além de ser virtualmente impossível estabelecer um valor a atribuir pelos 12 milhões de escravos que se estima terem sido capturados e retirados de África, assim como determinar os beneficiários - individuais ou coletivos - das eventuais reparações. Por exemplo, a CARICOM apenas se constitui como reclamante em benefício dos seus 15 Estados-membros.

O pedido de reparações "não faz qualquer sentido", diz Gerhardt Seibert, "mas acho adequado tratar-se este passado da história humana ao nível dos manuais escolares, filmes e documentários ou da museologia, e que se acompanhe esta salvaguarda da memória com um combate ativo e efetivo às desigualdades raciais, à xenofobia e ao racismo, que são fenómenos herdados da mesma mentalidade e visão do mundo que sustentaram a escravatura e o próprio colonialismo europeu", acrescenta o professor holandês.

Neste domínio, Portugal tem um longo caminho a percorrrer, considera o historiador, quer ao nível dos programas e manuais escolares, quer em termos de museologia.

Fernando Jorge Cardoso, especialista em estudos africanos e economia do desenvolvimento no Instituto Marques de Valle Flor (IMVF), tem uma opinião semelhante: "Acho que nas relações entre os povos, para além das questões materiais, comerciais, etc. Há questões que têm a ver com a dignidade e o respeito, que têm um peso específico. E penso que um pedido de perdão sobre aquela etapa negra do tráfico de escravos tem um peso simbólico de respeito pela dignidade dos outros".

Dito isto, os pedidos de reparação não fazem qualquer sentido a Fernando Jorge Cardoso. "Até vejo mal que isto pudesse ser acompanhado por algum outro tipo de reparação, por exemplo, financeira, comercial, ou outra. E, para isso, já nós temos os programas de cooperação e ajuda ao desenvolvimento", acrescenta.

"Acho que seria inclusivamente indigno pensarmos em reparações financeiras pelo tráfico de escravos. Seria estar novamente a por um preço, um valor àquelas pessoas que foram transacionadas como mercadoria", acrescenta.

E quando se estuda este assunto "tem que se ver tudo", acrescenta Olga Iglesias Neves, investigadora do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa.

"Os traficantes não eram só europeus. Os chefes das aldeias e até mesmo os chefes dos Estados estavam implicados no tráfico. Por outro lado, antes dos europeus, há 12 séculos de história de escravatura em África levada a cabo pelos árabes. Esta questão tem que ser olhada de forma global", acrescenta a investigadora.

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