Perseguição a cristãos na Nigéria é sobre disputa por terras raras - investigadora

A investigadora Maria João Tomás explicou à Lusa que a perseguição a cristãos na Nigéria não é uma guerra entre religiões, mas "terrorismo puro" associado à disputa pelas terras raras, no sul do país, onde vivem os cristãos.

Lusa /
Reuters

A Nigéria, o país mais populoso de África, situado na região ocidental do continente, está dividido entre um norte predominantemente muçulmano e um sul predominantemente cristão, sendo aqui que se encontram as terras raras, contextualizou a especialista em assuntos internacionais.

De acordo com a professora do ISCTE-IUL, o aumento da violência contra cristãos na Nigéria é factual e o Presidente norte-americano, Donald Trump, tem razão quando o refere. No entanto, este fenómeno de perseguição a civis por extremistas - que não é novo - é consequência da deslocação dos grupos presentes no país (Boko Haram, Fula e Estado Islâmico) para sul, precisamente as regiões que são mais ricas em recursos naturais.

Os ataques destes grupos que duram há mais de 20 anos começaram no norte da Nigéria, por isso os primeiros povos a serem atacados foram os muçulmanos, vítimas dos extremistas.

Todavia, "à medida que as terras raras vão tendo mais valor, e sendo que estão no sul - onde estão os cristãos - eles [os extremistas] começaram a ir também para o sul, por isso é que há agora cada vez mais cristãos mortos na Nigéria", contextualizou a doutorada em História.

A professora considera, assim, que a recente preocupação expressada por Donald Trump relativamente à perseguição de cristãos no país é válida, mas também se pode prender com outros interesses, algo que, ressalvou, só se saberá no futuro.

"Trump quer, com o pretexto de ajudar a Nigéria contra o terrorismo, defender os cristãos, mas a Nigéria é muito rica em petróleo e agora é um dos grandes produtores mundiais de terras raras e minerais estratégicos. Portanto, juntam-se assim as causas", explicou.

Para si, "a História repete-se", recordando que já existiram intervenções militares dos Estados Unidos em países ricos em recursos naturais sob o pretexto de proteger civis, como aconteceu "na Síria e na Líbia".

No entanto, neste caso específico, o Presidente nigeriano, Bola Tinubu, já frisou não querer uma intervenção militar norte-americana.

No entender da investigadora, Trump "tem razão quando aponta à ferida", mas esta sua postura repete estratégias de influência geopolítica semelhantes às da Rússia - com o grupo Wagner - e da China - através dos investimentos que faz no continente, por exemplo, aumentando assim a sua importância em África.

"Quem o começou a fazer esta abordagem foi o grupo Wagner, que se instalou nos países para proteger autocracias em troca da exploração de recursos. A China faz o mesmo, apesar de não proteger autocratas, oferece desenvolvimento e investimentos em troca de recursos. Isto não é novo, só que a China e a Rússia começaram antes", referiu.

Dando um contexto geral, a Nigéria é rica em recursos naturais, faz parte dos BRICS e recusou receber imigrantes venezuelanos deportados dos EUA, o que fez com que Trump tivesse dificultado a obtenção de vistos a este país. 

Consequentemente, para a especialista, "há aqui, na Nigéria, vários interesses em jogo. Nomeadamente, por um lado, a dominação do mundo pela China e pela Rússia e os Estados Unidos ficaram para trás, e, por outro, a questão da exploração das terras raras e dos minerais estratégicos, que para Trump é fundamental".

A investigadora lembrou que, no primeiro mandato, Donald Trump classificou a Nigéria como país de "particular preocupação" em matéria de liberdade religiosa, uma designação retirada pela administração de Joe Biden por entender que a perseguição "não era promovida pelo Estado, mas por grupos terroristas", nomeadamente o Boko Haram, o Estado Islâmico do Iraque e Síria (ISIS, no acrónimo em inglês) e as milícias Fula.

A especialistas em geopolítica fez ainda um paralelismo entre esta situação na Nigéria e o que se passa no norte de Moçambique, em Cabo Delgado, reiterando que não é sobre a religião, mas sobre recursos naturais.

"São mercenários que utilizam o Islão como pretexto, como acontece em Cabo Delgado, em Moçambique. O Estado Islâmico está lá a fazer exatamente a mesma coisa: explora o petróleo e as riquezas da região, utilizando a religião para justificar a violência", concluiu.

Só nos primeiros sete meses deste ano, mais de 7.000 cristãos foram mortos na Nigéria, segundo um relatório divulgado em agosto pela Associação Internacional para as Liberdades Civis e o Estado de Direito (Intersociety), uma Organização Não-Governamental (ONG) africana que documenta violações de direitos humanos, citado pelo diário norte-americano The Washington Post.

Além dos motivos religiosos em causa nestas estatísticas, existem conflitos por causa de terras, sequestros para resgate (sobretudo de padres católicos) e outros focos de conflito.

 

A investigadora Maria João Tomás explicou à Lusa que a perseguição a cristãos na Nigéria não é uma guerra entre religiões, mas "terrorismo puro" associado à disputa pelas terras raras, no sul do país, onde vivem os cristãos.

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