Pesquisadora portuguesa doa fotos da história etnocultural de Moçambique
A investigadora portuguesa Vanessa Rodrigues doou hoje 22 fotografias a Moçambique para mostrar o lado sociológico do norte do país africano, com imagens inéditas captadas pelo seu tio, um militar, na altura da guerra colonial.
"Por exemplo, dança de mapiko [dança tradicional do norte de Moçambique], máscaras que não existem mais, rituais, o dançar na terra, na areia, rituais de iniciação femininos, o pilar, as casas de Cabo Delgado, histórias que eu vou escutando de pessoas daqui, de historiadores, que me dizem que essas imagens não existem, essas imagens são muito importantes ficarem também em Moçambique para a nossa compreensão da história", disse aos jornalistas Vanessa Rodrigues, à margem da cerimónia de entrega do material em Maputo.
As fotos que retratam a vida na zona de Diaca, no distrito de Mueda, em Cabo Delgado, norte de Moçambique, foram entregues ao Centro de Documentação e Formação Fotográfica (CDFF) em Maputo, uma instituição pública dedicada à formação em fotografia e à preservação do património fotográfico moçambicano.
A doação das imagens "representa também um conhecimento antropológico importante para a história de Moçambique. Porque, na época, em 1970, em 1972, pelo menos daquilo que me é dito pelo CDFF, é que a maioria das imagens não é de cariz sócio-antropológico. São imagens bélicas, de frente de luta, os fotógrafos estavam com a frente de luta", referiu Vanessa Rodrigues.
As imagens foram tiradas pelo seu tio, Joaquim Ferreira, que, aos 19 anos, foi enviado de Lisboa para o aquartelamento de Diaca, com uma câmara fotográfica que era do Estado colonial, sem que lhe explicassem a razão da guerra.
A pesquisa de Vanessa indicou que Moçambique não tinha imagens daquele período, especialmente, pelo que sentiu a necessidade de "devolver" as fotografias ao país onde foram tiradas.
A pesquisadora pediu que mais soldados portugueses cedam imagens a Moçambique, para que o país conheça a sua história de outro lado "sócio-antropológico que não existem no acervo moçambicano".
As imagens cedidas pelo tio de Vanessa não apenas enriqueceram o acervo moçambicano, mas também se tornaram a génese de um documentário, "Feitiço de Areia", que explora a história por trás das fotografias.
"Feitiço de Areia" é, de acordo com a cineasta, uma metáfora para falar sobre como a sociedade anda enfeitiçada com narrativas únicas e ensaia abrir espaço para uma reflexão sobre o passado comum e o diálogo para promover uma cultura de paz.
"É por isso que também as ideologias de direita estão a ganhar terreno em Portugal, no mundo, porque o nosso passado não está refletido e é preciso promover uma cultura de paz. O `Feitiço de Areia` ensaia esta história, ensaia este abrir de portas reflexivo, com 23 conversas com os moçambicanos, comigo - que também me fazem perguntas ao longo do filme -, para tentarmos compreender então que passado comum é este e como é que nós podemos começar a falar sobre essa história comum", concluiu Vanessa Rodrigues, que também é professora universitária no Porto.