Pobreza e conflitos ameaçam estabilidade mundial

A ajuda internacional a África deve centrar-se nas prioridades definidas pelo continente para evitar um agravamento da pobreza, mais conflitos e imigração maciça, que representam uma ameaça à estabilidade mundial, defendeu hoje o vice- ministro dos Negócios Estrangeiros sul-africano.

Agência LUSA /

Em entrevista à Agência Lusa, Aziz Pahad, que iniciou segunda- feira uma visita oficial de dois dias a Portugal, considerou que "não poderá haver estabilidade no mundo se África continuar numa situação de pobreza extrema e de conflitos", dando como exemplo a imigração maciça que se tornou um "enorme problema para a Europa".

"As pessoas saem dos seus países porque não têm condições ou fogem de conflitos. Se houver estabilidade e paz em África, as pessoas não emigram e talvez haja mais pessoas a mudarem-se para África", realçou.

O governante sul-africano lembrou que atribuir aos africanos a responsabilidade sobre o seu próprio desenvolvimento é o espírito que esteve na origem da Nova Parceria Africana para o Desenvolvimento (NEPAD), o que significa um compromisso de boa governação em troca de ajuda internacional.

"A ajuda deve ser direccionada para projectos definidos pela NEPAD. Se isto não acontecer, as condições do continente vão continuar a deteriorar-se, a pobreza vai aumentar, haverá mais instabilidade, mais conflitos, degradação ambiental, imigração maciça, e isto vai ter impacto no mundo inteiro", insistiu.

"Estamos a trabalhar arduamente para assumir as nossas responsabilidades, mas há um limite até onde podemos ir sozinhos, porque precisamos de ajuda dos países desenvolvidos", acrescentou Pahad, defendendo a urgência de um debate sério sobre a agenda de desenvolvimento em África.

O principal interlocutor desse diálogo deve ser a Europa, devido às ligações políticas e culturais por ser o continente das antigas potências coloniais em África, disse.

Neste sentido, Aziz Pahad considera "vital" a realização da II Cimeira África-Europa, prevista para 2003 em Lisboa, mas adiada +sine die+ porque alguns líderes europeus se opuseram à presença na reunião do presidente do Zimbabué, Robert Mugabe, cujo regime é acusado de violação de direitos humanos e restrições às liberdades fundamentais.

"Alguns líderes europeus infelizmente dão muita importância a esta questão, mas nós enfrentamos outras divergências. A agenda do desenvolvimento africano sobrepõe-se a esta questão, temos muitos outros desafios", referiu o responsável da diplomacia sul-africana.

Acerca do Zimbabué, destacou que as missões de observadores às últimas eleições legislativas de Março último, nomeadamente da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), concluíram que o escrutínio "reflectiu a vontade do povo".

"Temos de dar uma oportunidade ao Zimbabué, não podemos impor soluções, há que ajudar o país a criar as condições para que o país encontre soluções políticas e a melhorar as condições económicas, que são muito precárias devido às sanções e à questão da reforma agrária", salientou.

"Nós, como africanos, aceitamos discutir a questão do Zimbabué, mas há tantos outros desafios. Também existem problemas em alguns países europeus e não é por isso que nos recusamos a encontrar- nos com os líderes da Europa. É uma visão muito restrita do problema", considerou Aziz Pahad.

Questionado sobre a evolução dos países africanos a nível de democracia, o vice-ministro sul-africano respondeu que "África demonstrou nos últimos anos que tem capacidade para realizar eleições multipartidárias, alternância de poder e boa governação".

Além disso, a União Africana adoptou o sistema de fiscalização pelos pares, ao qual já aderiram 30 países.

"Não precisamos de ter modelos de democracia impostos, podemos ter o nosso próprio processo para garantir boa governação", considerou.

"No espírito da NEPAD, que não é uma tarefa fácil, nós já provámos que sabemos o que devemos fazer, que sem políticas de desenvolvimento não conseguiremos atingir os nossos objectivos", disse, destacando nomeadamente os objectivos do Milénio, definidos na cimeira das Nações Unidas em 2000.

Neste sentido, defendeu que também é preciso haver mudanças por parte da comunidade internacional para garantir um desenvolvimento sustentável em África.

"As políticas agrícolas europeias de atribuição de subsídios têm tido um impacto devastador em muitas economias africanas e é necessário discutir o perdão da dívida aos países altamente endividados", referiu, destacando que estas questões devem ser analisadas agora para que África possa partir de um patamar superior e ter oportunidade de avançar para um desenvolvimento sustentável.

"É preciso tomar decisões diferentes das que foram tomadas até agora por parte dos países desenvolvidos. Todos os relatórios sobre o desenvolvimento em África dizem que é preciso agir já e de forma diferente, no próprio interesse do mundo desenvolvido", salientou, frisando que "os países africanos não pensam de forma egoísta" porque se trata de "um benefício mútuo".

Aziz Pahad referiu ainda que a próxima cimeira da ONU para rever os progressos a nível dos objectivos do Milénio, que se realiza em Setembro deste ano, em Nova Iorque, é mais uma oportunidade para chamar a atenção para os problemas que o continente africano enfrenta.

O governante sul-africano realçou ainda a importância de que o mundo perceba que não há paz sem desenvolvimento e vice-versa e lembrou que muitos países africanos saíram recentemente de conflitos, alguns que duraram décadas, como Angola e Sudão.

"É necessário investir em programas de reconstrução para que os povos percebam que da paz resultam benefícios porque, caso contrário, os conflitos podem recomeçar", sustentou.

Pahad destacou ainda o papel da União Africana na mediação de conflitos no continente e manifestou a esperança de que "dentro de cinco ou seis anos "África poderá liderar os seus próprios destinos".

No âmbito da mediação de conflitos, a África do Sul tem tido um papel central com sucessos em casos como o Sudão, Costa do Marfim ou Burundi, papel realçado sexta-feira pelo Papa Bento XVI durante uma audiência com o presidente sul-africano, Thabo Mbeki.

Aziz Pahad referiu que "como potência económica do continente", a África do Sul "tem a responsabilidade de garantir o desenvolvimento sustentado", não apenas na região em que se insere mas em todo o continente africano.

"A nossa própria democracia resultou da solidariedade e dos sacrifícios de praticamente todos os países da África Austral", lembrou.

Questionado sobre se o combate ao terrorismo, principalmente após os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos, fez com que África ficasse esquecida, o vice-ministro referiu que o maior desafio que o mundo enfrenta não é o terrorismo, mas sim a pobreza e o subdesenvolvimento.

"Atacar o problema (do terrorismo) através da intervenção militar não resulta, é preciso atacar as suas causas e uma delas é a pobreza", disse.

Acerca da sua visita oficial a Portugal, Pahad disse que teve como objectivo reforçar as relações políticas, dado que existe uma convergência de pontos de vista entre os dois países sobre muitas questões internacionais, acrescentando que esta aproximação pode depois resultar num "reforço das relações económicas".

Questionado sobre os problemas que a comunidade portuguesa na África do Sul (cerca de meio milhão de pessoas) enfrenta em relação à criminalidade, o governante referiu que, pelas suas características de comerciantes que têm pequenas lojas abertas até tarde, acabam por ser um alvo fácil.

No entanto, realçou que se trata de um problema geral no país, e que o seu governo tem canalizado muitos recursos para combater este problema, dando como exemplo o recrutamento de 11.000 novos polícias este ano.

Pahad destacou alguns progressos, nomeadamente em relação ao crime organizado, mas lembrou que o país tem apenas uma experiência de dez anos nesta área, reconhecendo a necessidade de mais formação a nível da polícia e dos serviços de informações.

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