Polícia moçambicana ainda não recuperou imagem um ano após início dos protestos

O presidente da Associação Moçambicana de Polícias (Amopaip), Nazário Muanambane, admitiu hoje que um ano depois do início das manifestações pós-eleitorais a corporação ainda não recuperou a relação com a população, continuando a faltar preparação.

Lusa /
Siphiwe Sibeko - Reuters

"A polícia não tinha como não usar a força, porque quando estamos perante cidadãos armados, com instrumentos contundentes e que até, em algum momento, algumas pessoas tiravam a vida a sangue frio aos agentes da polícia, ao cidadão e aos empresários, aos dirigentes de formações políticas, a polícia tinha que exceder no uso da força", apontou Nazário Muanambane, em entrevista à Lusa.

Na noite de 18 para 19 de outubro de 2024, logo após as eleições gerais, em pleno centro da cidade de Maputo, Elvino Dias e Paulo Guambe, apoiantes do político Venâncio Mondlane, foram mortos com dezenas de tiros na cidade de Maputo, crime que continua por explicar e que dois dias depois marcou o início da contestação popular ao processo eleitoral, que se prolongou por mais de cinco meses em Moçambique.

Um ano depois do início dos protestos, que foram fortemente reprimidos pela polícia, o presidente da Amopaip afirma que o uso da força naquele período foi em resposta às "manifestações violentas" que se registavam, tentado repor a "autoridade" do Estado, o qual deve ter "força" para "garantir a segurança das pessoas".

Considera ainda que, hoje, a corporação "passa por uma situação muito difícil", por ter sido "mal entendida" no exercício da sua atividade de garantir a ordem e tranquilidade durante as manifestações.

"Em algum momento foi considerada como uma instituição que estava a ser usada para questões políticas e aí afetou bastante a imagem da polícia, afetou a colaboração e o relacionamento com a comunidade e a imagem da polícia ficou desgastada", disse Nazário Muanambane.

O responsável refere que a polícia tentou "repor a ordem constitucional" e reprimir os "oportunistas" que alteravam a ordem social, referindo que isso levou a sociedade a ver a corporação ao serviço de "um partido político" que venceu as eleições.

"A polícia queria que todo o cidadão com direito a manifestar-se pudesse respeitar a lei, queria que todo o indivíduo que quisesse manifestar olhasse para o bem comum, não vandalizar, não injuriar e criar desordem pública e isso tudo foi mal interpretado", referiu.

Um ano depois do início dos protestos, a Amopaip considera que a corporação não está preparada ainda para lidar com este tipo de protestos e que a população não acredita que a polícia seja "apartidária" ou que sirva "os interesses do Estado".

"Continua a ser vista como uma polícia militarizada, partidária e se há esse tipo de pensamento não teríamos outro tipo de resultado, e seria pior ainda mais que o que aconteceu", disse Nazário Muanambane.

"O problema não é a preparação em termos de aptidão física e material, mas preparação ideológica, psicológica, preparação. Moralmente a nossa polícia não está preparada. Se isso voltar a acontecer amanhã, podemos ter resultados muito tristes ainda", acrescentou.

A associação pediu ao Governo para desenhar um programa específico para restaurar a confiança entre a polícia e a população para evitar destruição de postos policiais, morte de agentes e de cidadãos.

Pelo menos 2.790 pessoas continuam detidas, de um total de 7.200, um ano após o início das manifestações pós-eleitorais em Moçambique, que provocaram 411 mortos, segundo dados da plataforma Decide.

De acordo com o relatório "Cicatrizes da Democracia em Moçambique: Impactos Humanos e Falhas de Proteção nas Manifestações Pós-Eleitorais (2024--2025)", lançado esta semana por aquela plataforma que monitoriza os processos eleitorais, nos protestos que se seguiram às eleições gerais de 09 de outubro de 2024, registaram-se 7.200 "detenções arbitrárias" em todo o país, das quais 4.410 pessoas já estão em liberdade.

Os agentes das Forças de Defesa e Segurança representam 4,2% do total de 411 mortos (17), enquanto as crianças são 5% dos mortos (20), acrescenta-se no levantamento da Decide.

A violência em Moçambique cessou após um primeiro encontro, em março, entre o Presidente da República, Daniel Chapo, e ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane, que nunca reconheceu os resultados eleitorais, estando em curso um processo de pacificação que prevê o compromisso governamental de realizar várias reformas, incluindo na Constituição e leis eleitorais.

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