Polónia. Confrontos com a polícia em protestos contra proibição do aborto

por RTP
Jakub Kaczmarczyk - EPA

O Tribunal Constitucional polaco invalidou, na quinta-feira, um artigo que autorizava o aborto em caso de uma malformação do feto. A decisão foi duramente criticada pelos defensores dos Direitos Humanos e milhares de pessoas juntaram-se nas ruas em protesto. Apesar de as autoridades terem intervindo e ter havido confrontos com manifestantes, espera-se que no fim de semana continuem os protestos.

A Polónia endureceu a já muito restritiva lei do aborto, tornando mais difícil a interrupção voluntária da gravidez. O Tribunal Constitucional decidiu, na quinta-feira, que o aborto em casos de malformação do feto, legal desde 1993, é inconstitucional, mencionando "práticas eugénicas".

A presidente do Tribunal, Julia Przylebska, declarou que a legislação existente que permite o aborto de fetos malformados é "incompatível" com a Constituição do país.

"Uma disposição que legaliza práticas eugénicas sobre o direito à vida de um recém-nascido e torna o seu direito à vida dependente da sua saúde, constitui discriminação directa, é inconsistente com a Constituição", disse a presidente do Tribunal Constitucional, citada pela Reuters.

As leis polacas relativas ao aborto, em vigor de momento, são das mais restritivas da Europa, com a interrupção da gravidez a ser permitida apenas em casos de violação ou incesto, se a vida da mãe estiver em risco ou em caso de malformação do feto.

Em consonância com a vontade do partido nacionalista ultraconservador "Lei e Justiça" (PiS), a sentença agora restringe o direito ao aborto apenas aos casos de perigo de morte para a mulher grávida e gravidez resultante de violação ou incesto.

A decisão foi, por um lado, celebrada pelos ativistas pró-vida. Por ourto lado, foi imediatamente criticada pela comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatovic.

"Eliminar as razões para quase todos os abortos legais na Polónia é praticamente igual a bani-los e violar os direitos humanos", afirmou a comissária no Twitter.

Dunja Mijatovic insistiu que a decisão "traduz-se em abortos clandestinos ou [realizados] no estrangeiro para quem pode pagar e mais sofrimento para as outras".

O líder do Partido Popular Europeu (PPE) e ex-Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, juntou-se às reações de indignação suscitadas pelo veredicto.

"Levantar a questão do aborto e da decisão deste pseudo-tribunal no meio da tempestade pandémica é mais do que cinismo. É vilania política", considerou.

O Tribunal Constitucional, reformado pelo governo do partido Lei e Justiça, tem sido frequentemente acusado de ter nas suas fileiras vários juízes leais a essa formação.
Protestos juntam centenas de pessoas contra decisão do tribunal

A Polónia, à semelhança dos restantes países europeus, enfrenta a segunda vaga da pandemia da Covid-19. Mas, apesar de estarem proibidos os ajuntamentos, houve uma série de protestos na noite de quinta-feira.

Muitos manifestantes em Varsóvia, a capital do país, reuniram-se em frente à casa de Jaroslaw Kaczynski, o poderoso vice-primeiro-ministro e representante do PiS. Mas os ânimos exaltaram-se quando a polícia usou spray de gás pimenta para tentar dispersar os manifestantes, acabando ainda por deter 15 pessoas.

Em resposta, alguns manifestantes atiraram pedras às autoridades e tentaram romper a barreira policial.



A manifestação só terminou às primeiras horas da manhã de sexta-feira. No entanto, os organizadores do protesto apelaram a que mais pessoas se reunissem ao longo do dia.

Houve ainda protestos mais pequenos noutras cidades, incluindo Cracóvia, Lodz e Szczecin, que decorreram sem confrontos com as autoridades.

Para esta sexta-feira e para o fim de semana estão também agendados alguns protestos em várias cidades polacas, contra a decisão de quase abolir o direito ao aborto. Em Lodz, por exemplo, vai ser realizado um "funeral dos direitos das mulheres", e vários manifestantes estão a organizar um protesto em Varsóvia.

"Nos próximos dias, o inferno para as mulheres começará neste país", segundo a descrição de um evento de protesto do Facebook organizado na cidade de Gdansk este fim de semana, no qual os participantes foram incentivados a bloquear as principais ruas de circulação.

Segundo dados oficiais, a Polónia, país de 38 milhões de habitantes, registou em 2019 apenas cerca de 1.100 casos de aborto, a maioria dos quais foram autorizados por causa da malformação irreversível do feto. Segundo as organizações não-governamentais, o número de abortos realizados clandestinamente na Polónia ou em clínicas estrangeiras pode chegar a quase 200.000 por ano.

Muitas mulheres e organizações dos direitos das mulheres protestaram contra as tentativas legais de endurecer a lei, mas a pandemia de covid-19 tornou a mobilização mais difícil.
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