Por que está a Covid-19 a matar mais homens do que mulheres?

Apesar de o número de infetados estar praticamente equilibrado entre homens e mulheres, a balança relativa à taxa de mortalidade pende maioritariamente para o sexo masculino na grande maioria dos países, incluindo Portugal. Um estudo da CNN, em conjunto com a Global Health 50/50, explica que as doenças crónicas, hábitos de consumo e o sistema imunitário mais resistente das mulheres são as explicações apontadas para este desequilíbrio entre sexos na epidemia da Covid-19.

Mariana Ribeiro Soares - RTP /
Hannah Mckay - Reuters

Os dados revelados até ao momento já demonstraram que a população mais afetada pelo novo coronavírus é aquela que se encontra na faixa etária acima dos 60 anos. As crianças, apesar de serem igualmente vulneráveis, apresentam sintomas mais ligeiros.

No entanto, estudos têm chamado também a atenção para uma outra observação: a doença Covid-19 parece matar mais homens do que mulheres.

Apesar de a taxa de infeção pelo novo coronavírus ser igual ou até ligeiramente superior entre o sexo feminino em grande parte dos países, os números relativos à mortalidade demonstram, por outro lado, uma tendência bastante mais elevada no sexo masculino.

Os números de Portugal comprovam este mesmo quadro. De acordo com os dados divulgados diariamente pela Direção-Geral de Saúde (DGS), dos 2995 casos confirmados até esta quarta-feira, 1586 são mulheres e 1409 homens. Nos óbitos, o caso inverte-se. Dos 43 mortos em Portugal devido à Covid-19, 30 são do sexo masculino e apenas 13 do sexo feminino.

Na Coreia do Sul, o cenário é semelhante ao português. A proporção de mulheres infetadas com o novo coronavírus é superior à dos homens, mas cerca de 54 por cento das mortes são do sexo masculino.

Esta desigualdade entre sexos e a procura por uma resposta foi o tema de investigação de um estudo da CNN. Juntamente com o instituto de investigação Global Health 50/50 que analisa a desigualdade de género na saúde global, a CNN analisou os dados disponíveis dos 20 países com mais casos confirmados de infeção da Covid-19 na altura em que os dados foram recolhidos (20 de março).

Desses 20 países, o estudo afirma que apenas seis (China, França, Alemanha, Irão, Itália e Coreia do Sul) forneceram dados discriminados por sexo, tanto para casos confirmados, como para mortes. Nestes países – que abrangem quase um quarto da população mundial – o estudo concluiu que os homens tinham 50 por cento mais probabilidade de morrer do que as mulheres após serem diagnosticados com Covid-19.

“Quando analisamos os dados, o que verificamos é que em todos os países com dados discriminados por sexo há uma taxa de mortalidade de 10 a 90 por cento superior entre homens diagnosticados com Covid-19 em comparação com mulheres”, disse Sarah Hawkes, professora de saúde pública global na University College London (UCL) e vice-diretora da Global Health 50/50.

Também The New York Times, em fevereiro, revelava que a taxa de mortalidade na China era de 2,8 por cento nos homens e de 1,7 por cento nas mulheres. O jornal norte-americano, assim como o estudo da CNN, avançam ainda que foi também verificado um pior resultado clínico entre o sexo masculino em epidemias anteriores, como o surto de SARS (síndrome respiratória aguda grave), em 2002/2003.
Porque são os homens mais vulneráveis?
Doenças crónicas e os hábitos de consumo parecem ser as principais respostas para estes desequilíbrios entre sexos na doença Covid-19.

Os primeiros relatórios sobre pessoas gravemente infetadas com a Covid-19 apontam que estas apresentavam problemas de saúde crónicos, como hipertensão, doenças cardiovasculares e respiratórias. Segundo a Global Health 50/50, essas doenças tendem a ser mais comuns entre os homens.

Tal como explica Sarah Hawkes, “se a Covid-19 está a seguir o mesmo tipo de padrão que observámos em várias outras doenças, o que sabemos é que os homens tendem a ter ao longo das suas vidas maiores riscos de exposição a comportamentos que levarão a problemas de saúde num longo prazo”.

O aparecimento deste tipo de doenças está muitas vezes relacionado com os hábitos de consumo que, por sua vez, são mais uma justificação para a o facto de o sexo masculino ser mais afetado pelo novo coronavírus. Dados de 2015 demonstram que hábitos como fumar e beber são cinco vezes superiores nos homens do que mulheres. “Em muitos países, o que nós verificámos, por exemplo, é que os homens fumam tabaco e bebem álcool em valores muito mais levados do que as mulheres”, reforça Hawkes.

Olhando para o exemplo da China, o país com a maior percentagem de população fumadora no mundo, enquanto 50 por cento dos homens chineses fumam, menos de três por cento das mulheres tem este hábito.

O Instituto Nacional de Saúde italiano também observou que, após darem entrada no hospital, “mais de um terço dos fumadores que testaram positivo para a Covid-19 apresentava uma situação clínica mais preocupante do que os não fumadores”. Para estes fumadores, o risco de serem encaminhados para os cuidados intensivos ou de precisarem de ventiladores é “mais do que o dobro”.

“Se olharmos para um grupo de homens que foram fumadores durante toda a vida, têm uma doença pulmonar crónica como resultado do tabagismo e agora estão infetados com a Covid-19, parece que são mais passíveis a sofrer de uma infeção grave e de correr risco de morte”
, concluiu Hawkes.

Para além destes fatores, há ainda um outro a ser apontado: o sistema imunitário. Do ponto de vista evolutivo, alguns estudos sugerem que as mulheres têm uma resposta imunológica mais forte contra infeções virais do que os homens.

Luis Ostrosky-Zeichner, especialista em doenças infeciosas da McGovern Medical School, na UTHealth, no Texas, nos Estados Unidos, afirma que “existem, efetivamente, estudos em animais que mostram que pode existir um fundamento biológico não só para a maior suscetibilidade no sexo masculino, como para o aumento da gravidade e de resposta ao vírus”.

“Há algo no sistema imunitário feminino que é mais exuberante”, disse Janine Clayton, do Instituto Nacional de Saúde e investigadora de saúde feminina, a The New York Times. No entanto, também explica que “há um preço alto”, na medida em que as mulheres são muito mais suscetíveis a doenças auto-imunes, como artrite reumatoide ou lúpus, em que as mulheres são mais suscetíveis.
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