Porta-aviões dos EUA. Guarnição aclama comandante demitido pelo Pentágono

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Reuters

A Administração Trump acaba de retirar o comando do USS Theodore Roosevelt ao capitão Brett E. Crozier, o oficial da Marinha que alertou para o surto de covid-19 a bordo do porta-aviões e que acabou por encostar às docas a fortaleza flutuante com uma tripulação de quase cinco mil militares e visto como um dos principais argumentos norte-americanos na região do Pacífico. Uma decisão que lembra o castigo de Pequim contra o primeiro médico que alertou para o novo coronavírus na cidade de Wuhan. A resposta da tripulação na hora da despedida foi um longo e sonoro aplauso: "Capitão Crozier. Capitão Crozier".

A Marinha norte-americana acaba de fazer saber que dispensou o capitão das suas funções de chefia do USS Theodore Roosevelt. O anúncio surge na sequência da decisão de encostar o navio às docas para realizar uma quarentena rotativa da população após uma centena de membros da tripulação terem testado positivo ao covid-19.

Na despedida do comandante, a tripulação juntou-se para o aplaudir, com sonoros "Capitão Crozier. Capitão Crozier". Alguém refere, no segundo tweet: "O melhor capitão que já tivemos".


O alarme para a presença do novo coronavírus a bordo foi inicialmente dado pelo comandante Crozier, quando eram ainda três os marinheiros infectados, e a inoperância do Pentágono em relação aos seus pedidos de acção levou o capitão que chefia um dos maiores porta-aviões do mundo a escrever uma carta de quatro páginas alertando para a situação.

A missiva acabaria por chegar aos media, criando grande embaraço às estruturas militares de mais alto nível e à própria Administração Trump. Mas a emenda acaba por ser pior do que o soneto: 24 horas depois de ter decidido tomar medidas contra o surto de covid-19 no USS Theodore Roosevelt, a chefia militar decidiu também encostar o capitão Brett E. Crozier, retirando-lhe o comando do super porta-aviões.

É uma decisão que faz lembrar as medidas tomadas por Pequim contra Li Wenliang, o médico que primeiro alertou para o possível surto de uma nova pneumonia atípica. Investigado pela polícia chinesa, foi convocado pelo Serviço de Segurança Pública e Pequim acusou-o de “fazer comentários falsos” e “perturbar a ordem social”.

A decisão de retirar o comando do navio ao capitão Brett E. Crozier terá partido do próprio secretário para a Marinha, Thomas Modly, por alegadamente ter relaxado a confidencialidade e revelado na referida carta, a demasiadas pessoas, uma série de detalhes que deviam ser salvaguardados.

“Não tenho dúvidas de que o capitão Crozier fez o que achou ser do melhor interesse da segurança e do bem-estar da sua tripulação. Infelizmente, fez o contrário. Levou desnecessariamente ao alarme das famílias dos nossos marinheiros e fuzileiros sem planos para resolver essas preocupações”, declarou Modly, acrescentando que a decisão de retirar o comando a Crozier é exclusivamente sua: “A responsabilidade pela decisão é totalmente minha”.

“[O comandante Crozier] deixou que a complexidade do desafio que constitui o surto de covid-19 no navio toldasse a sua capacidade de agir profissionalmente”, lamentou o secretário da Marinha, já criticado por vários democratas no Congresso e pelo antigo vice-presidente e candidato à Casa Branca, Joe Biden.

“Matou o mensageiro – um comandante que foi fiel à sua missão em nome da segurança nacional e ao dever de cuidar dos seus marinheiros e que, com razão, centrou a atenção numa preocupação mais ampla sobre como manter a prontidão militar durante esta pandemia”, acusou Joe Biden.

Uma centena de militares do porta-aviões USS Theodore Roosevelt deverão ser desembarcados em Guam, território americano na Micronésia, Pacífico, após ter sido atendido o pedido do comandante Crozier, mas que obrigou a muita insistência junto dos seus superiores.

Brett E. Crozier tinha já deixado o alerta para a dificuldade de conter a covid-19 no “espaço limitado” de um vaso de guerra que transporta quase cinco mil tripulantes: “Retirar a maior parte da tripulação de um porta-aviões nuclear norte-americano (...) isolá-la durante duas semanas pode parecer uma medida extraordinária [mas] é um risco necessário”.

“Não estamos em guerra. Não há razão para os militares morrerem”, sustentava o capitão Brett E. Crozier na carta enviada à Marinha e que não caiu bem junto das alatas esferas das forças armadas norte-americanas e da própria Administração Trump.

A necessidade de remover os infectados com o novo coronavírus e também de estabelecer um calendário rotativo de quarentenas deverá manter o navio fora de serviço durante semanas, de acordo com o secretário da Marinha, Thomas Modly.
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