Porta-voz de Trump debaixo de fogo por banalizar crimes nazis

por RTP
Jonathan Ernst, Reuters

Um clamor pela demissão de Sean Spicer sucedeu às suas afirmações, segundo as quais os crimes de Hitler seriam menos graves que os de Bashar al-Assad. O porta-voz da Casa Branca desculpou-se por mais essa derrapagem, mas as desculpas foram desastradas.

A afirmação de Spicer, citada nomeadamente no New York Times, foi:  "Nós não usámos armas químicas na Segunda Guerra Mundial. Sabem, há alguém tão desprezível como Hitler que nem sequer desceu ao ponto de usar armas químicas". E, ao Governo russo, lançou a pergunta: "Por isso, quem se puser no lugar da Rússia, tem de perguntar a si próprio: Este é o país e o regime com que quer alinhar?"

O problema de Spicer, ao fazer do uso de armas químicas a medida de todas as coisas, é que abstrai inteiramente do extermínio de milhões de civis pelos nazis, por discriminação racial (nomeadamente anti-semita), política e sexual, e também do extermínio de populações civis e de prisioneiros nos territórios ocupados da União Soviética.

Além disso, a comparação de Spicer também faria das tropas aliadas, entre elas as norte-americanas, da Primeira Guerra Mundial, criminosas de guerra mais condenáveis do que a Alemanha nazi - porque essas tropas, tais como as suas adversárias dos impérios centrais, usaram amplamente de armas químicas nas trincheiras da Flandres. Hitler ponderou voltar a usá-las na Segunda Guerra Mundial, mas foi desaconselhado pelos seus generais, para evitar uma escalada em que o Exército Vermelho certamente replicaria na mesma moeda.

Pressionado a retificar a sua declaração, Spicer admitiu que Hitler usara agentes químicos mortíferos, como o Zyklon B, usado para matar milhões de judeus em campos como Auschwitz, e afirmou que não estava "a tentar diminuir a natureza horrenda do Holocausto. Estava a tentar fazer uma distinção sobre a tática de usar aviões para lançar armas químicas em centros populacionais. Qualquer ataque contra pessoas inocentes é censurável e indesculpável".

As primeiras desculpas foram consideradas insuficientes e Spicer teve de reiterar, na noite de ontem, perante as câmaras da CNN: "Eu estava a tentar fazer uma comparação onde não devia haver nenhuma".

Mas, na catadupa de emendas que Spicer introduziu a posteriori, ainda houve uma pior que o soneto, quando apresentou como atenuante para Hitler o facto de as suas vítimas não terem sido compatriotas dos carrascos.

A justificação textual de Spicer neste ponto foi: "Penso que, quando falamos do gás sarin, ele [Hitler] não estava a usar o gás contra o seu próprio povo, como Assad estava a fazer".

Para além do juízo de valor implícito, de considerar menos grave mandar para as câmaras de gás pessoas de outros povos, Spicer caía assim em várias manifestações de ignorância histórica, até porque muitos dos judeus gaseados em Auschwitz eram alemães.

Indignada, a historiadora do Holocausto Deborah Lipstadt comentou que se trata, "no melhor dos casos, de palavras irreflectidas, e no pior, mostra um anti-semitismo latente".
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