Pós-pandemia. Emissões de CO2 devem registar segundo maior aumento de sempre com retoma

por Inês Moreira Santos - RTP
Kacper Pempel - Reuters

Depois de um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) ter revelado, na segunda-feira, que os indicadores e os impactos das alterações climáticas se agravaram em 2020, a Agência Internacional de Energia divulgou um estudo no qual se prevê um grande aumento nas emissões de dióxido de carbono este ano, à medida que os países forem aliviando as restrições de combate à pandemia e retomando as atividades económicas.

A pandemia da Covid-19 e o consequente abrandamento económico, as restrições de circulação, a redução de tráfego aéreo e a limitação da produção industrial fizeram diminuir temporariamente as emissões de gases com efeito de estufa no ano passado, mas mesmo assim o impacto não foi muito percetível nas concentrações atmosféricas.

Em 2021, as emissões de dióxido de carbono devem registar o segundo maior aumento anual da história, à medida que as economias globais vão retomar atividade e investir em combustíveis fósseis para recuperar da pandemia. Esta previsão é do Global Energy Review 2021, o relatório anual da Agência Internacional de Energia, divulgado esta terça-feira, e explica a estratégia de muitas economias mundiais, principalmente no continente asiático, para responderem à recessão económica pós-pandemia.

As emissões totais de energia para 2021 ainda serão, contudo, inferiores às registadas em 2019. Mas as emissões de CO2 estão já a caminho do segundo maior aumento anual, aponta a IEA.

"O lançamento acelerado das vacinas contra a Covid-19 em muitas das principais economias e as respostas económicas generalizadas à crise estão a impulsionar as perspectivas de crescimento económico e a recuperação na produção de energia em 2021", lê-se no relatório da agência.

Estima-se, segundo os dados, que o uso de carvão na Ásia seja fundamental nesta fase: a AIE afirma que assim vai aumentar a produção global em 4,5 por cento, aproximando-se do pico global atingido em 2014. No entanto, a energia renovável também está a aumentar, com fontes verdes definidas para fornecer 30 por cento da eletricidade este ano.

"As emissões globais de CO2 relacionadas com a energia estão projetadas para uma retoma e um crescimento até 4,8 por cento, já que a procura de carvão, de petróleo e de gás está a ressurgir, a par da economia. Será o maior aumento (…) isolado desde a recuperação económica com produção intensiva de carbono da crise financeira mundial, há mais de uma década", aponta ainda a AIE.

Esta subida deve ficar apenas atrás da recuperação de há dez anos, após a crise financeira, anulando as expectativas de combate às alterações climáticas, a menos que os governos ajam rapidamente, alertou ainda a Agência Internacional de Energia. Tal como em 2010, o ano que registou o maior aumento isolado de emissões de CO2 da História (seis por cento), muitos países preparam-se também para investir fortemente nos combustíveis fósseis.

"Estamos outra vez a caminho de vir a repetir os mesmos erros. Estou mais desapontado agora do que em 2010", confessou ao Guardian Fatih Birol, director-executivo da AIE, admitindo que, por causa da crise da Covid-19, os Governos deixem cair as metas ambientais a que se comprometeram para combater as alterações climáticas durante a próxima década.

"Isto é chocante e muito perturbador. Por um lado, os governos estão hoje a dizer que as alterações climáticas são a sua prioridade. Mas por outro lado, estamos a assistir ao segundo maior aumento de emissões da História. É verdadeiramente decepcionante", afirmou ainda Birol.
Aumento do uso de combustíveis fósseis
O uso crescente de carvão, o combustível fóssil mais poluente, na eletricidade, está já a causar o aumento das emissões, principalmente na Ásia, mas também nos Estados Unidos.

De acordo com a AIE, as emissões de carbono podem aumentar mais de 1,5 mil milhões de toneladas este ano, para um total de 33 mil milhões de toneladas. Apesar de ligeiramente abaixo dos níveis máximos registados em 2019, o regresso da aviação e da produção industrial em massa faz prever que os níveis de CO2 continuem a aumentar e possam mesmo atingir novos máximos já em 2022.

"Só a procura do carvão está projetada para aumentar mais 60 por cento do que todas as energias renováveis combinadas", sublinha o Global Energy Review 2021. "Está a caminho de um crescimento de 4,5 por cento em 2021, com mais de 80 por cento desse crescimento concentrado na Ásia. A China, sozinha, deve corresponder a mais 50 por cento do aumento a nível mundial. A procura de carvão nos EUA e na União Europeia também está a retomar".

"Este é um aviso terrível de que a recuperação económica da crise pandémica atualmente é tudo menos sustentável para o nosso clima", afirmou Birol.

Os especialistas têm alertado que as emissões têm de ser reduzidas em 45 por cento ainda nesta década, se o mundo quiser mesmo limitar o aquecimento global a 1,5 graus, tal como estabelecido no acordo de Paris. Isso devia significar que era agora que devíamos estar a mudar de rumo, antes de o nível de carbono na atmosfera aumentas a ponto de não ser possível evitar níveis perigosos de aquecimento, explicou Birol.

No entanto, o especialista lamentou que a escala da atual recuperação das emissões, devido à pandemia, mostra que "o nosso ponto de partida definitivamente não é bom".

Embora as emissões tenham caído cerca de sete por cento a nível global em 2020, uma descida recorde graças aos confinamentos globais. Contudo, no final do ano, os valores já estavam a aumentar e a caminho de ultrapassar os níveis de 2019 em algumas zonas do mundo.

As projeções da AIE para 2021 mostram que as emissões provavelmente terminarão este ano ainda ligeiramente abaixo dos níveis de 2019, mas num caminho crescente. O problema, segundo o relatório, é que no próximo ano pode haver aumentos ainda mais expressivos com a retoma das viagens aéreas. A aviação, como explicou Birol, contribui com mais de dois por cento das emissões globais, em tempos normais.
Energias renováveis continuam a crescer

Embora o cenário não seja animador, a AIE revela alguns dados positivos: o uso de energias renováveis aumentou três por cento em 2020 e prevê-se que cresça oito por cento este ano.

De acordo com o relatório, as fontes de energia verde vão fornecer 30 por cento da energia para a eletricidade, o nível mais alto desde o início da revolução industrial. E, no quadro global de energia, a China provavelmente será responsável por quase metade do aumento global em energia renovável em 2021.

"A utilização de energias renováveis ​​cresceu três por cento em 2020 e deve aumentar em todos os setores-chave - energia, aquecimento, indústria e transporte - em 2021", indica o relatório da AIE.

"Espera-se que a energia solar fotovoltaica e a eólica contribuam com dois terços do crescimento das energias renováveis. A participação das energias renováveis ​​na geração de eletricidade está projetada para aumentar para quase 30 por cento em 2021, a maior participação desde o início da Revolução Industrial e de menos de 27 por cento em 2019", continua o documento.

E embora a China sozinha deva responder por quase metade do aumento global na geração de eletricidade renovável, os Estados Unidos, a União Europeia e a Índia não lhe vão ficar muito atrás.

"Como vimos em nível nacional nos últimos 15 anos, os países que conseguiram cortar suas emissões são aqueles onde a energia renovável substitui a energia fóssil", afirmou à BBC Corinne Le Quéré, professora na Universidade de East Anglia. "Aparentemente, o que está a acontecer agora é que temos uma implantação massiva de energia renovável, o que é bom para enfrentar as alterações climáticas, mas isso está a acontecer ao mesmo tempo que os investimentos em carvão e gás".

Segundo a especialista, o problema é que os gastos com incentivos de recuperação da pandemia em todo o mundo ainda "estão a financiar atividades que contribuem para altas emissões de CO2 durante décadas".

Já Nicholas Stern, economista e presidente do instituto de nvestigação Grantham sobre as alterações climáticas da London School of Economics, considera que os resultados da AIE "mostram que os países realmente devem agir com maior urgência para acelerar a transição para os caminhos de carbono zero, se estivermos a ter uma oportunidade de reduzir as emissões".

"Esta é uma oportunidade crucial e histórica de reconstruir de forma diferente das formas poluentes do passado e, em particular, de nos afastarmos muito mais rapidamente do carvão. Uma recuperação forte e sustentável virá com menos carvão, não com mais"
, frisou.
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