PR critica "retrocesso" em Cabo Verde e decisões que "não se entendem"

por Lusa

O Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves, criticou hoje o Governo pelo "retrocesso em setores vitais" do país e as decisões de políticas públicas que são tomadas cuja lógica e propósito "não se entendem".

"Legitimamente, a nação inquieta-se e indigna-se com o inegável retrocesso em setores vitais ao nosso Estado arquipélago. Verifico com preocupação que são tomadas decisões cujo propósito e cuja lógica não se entendem, principalmente quando tudo levava a crer que medidas iam ser tomadas e elas até já haviam sido anunciadas, mas eis que as instituições públicas recuam e se apequenam", afirmou José Maria Neves, numa declaração ao país.

"Essas mesmas decisões, que são tomadas num dia para se recuar no dia seguinte, sinalizam que as mesmas não foram suficientemente amadurecidas", acrescentou.

Numa mensagem de 12 minutos, a partir do Palácio Presidencial, na Praia, e sem referir concretamente o Governo ou casos, mas que surge numa altura de forte contestação ao executivo liderado desde 2016 por Ulisses Correia e Silva, devido à qualidade do serviço dos transportes marítimos e ao recente aumento de até 80% nas tarifas - entretanto parcialmente suspenso devido a erros de cálculo -, José Maria Neves afirmou que não é possível assistir de "ânimo leve" a "discursos contraditórios e descoordenação a nível da formulação de políticas".

"Revelando falta da maturação das medidas com vista à sua implementação. Cabo Verde não pode dar-se ao luxo da experimentação como método de gestão do interesse público. Isso é deplorável, é custoso, descredibiliza os serviços públicos, a política e os políticos, além de levar ao desgaste e ao cansaço das instituições", afirmou Maria Neves, que foi primeiro-ministro de 2001 a 2016.

"O Presidente da República, tal como a generalidade dos cabo-verdianos e estrangeiros que visitam o país, já experimentou esses constrangimentos. Aliás, não é por acaso que em vários setores temos vindo a perder competitividade, precisamente porque as decisões são tomadas de forma enviesada e descurando contributos não negligenciáveis de outras sensibilidades políticas, sociais e de competências técnicas reconhecidas", criticou.

Observou ainda que "na prestação de alguns serviços contratualizados, a qualidade tem sido dececionante, com reclamações generalizadas, pela aparente falta de competência na garantia de serviços finais aos cidadãos, que chegam tarde ou não chega", provocando "reações e alertas da sociedade às mais altas autoridades políticas e religiosas".

"Temos de fazer diferente e melhor, muito melhor, o que estamos a fazer", apelou.

José Maria Neves, eleito nas presidenciais de 17 de outubro de 2021, assumiu que o "espetro político atual" em Cabo Verde é "caracterizado pela crispação e pelo desprezo pela cooperação constitucional, pelo diálogo e pela conciliação".

"Constatamos um clima preocupante e persistente de excessiva partidarização do espaço público. Assistimos a uma disputa política permanente que sufoca a sociedade. Este ambiente é permeável ao clientelismo e ao medo, com as pessoas a serem escolhidas para cargos públicos e promovidas menos pelo mérito e mais pelas suas relações de amizade ou pela sua lealdade a partidos. Com frequência, a verdade é asfixiada em nome de uma verdade oficial e de um pensamento único", afirmou.

"Nunca é excessivo sublinhar que a ninguém é reservada a exclusividade da verdade. Pelo contrário, e sobretudo nestes tempos de comunicação escorregadia e de verdades alternativas, urge que os poderes públicos deem permanentes provas de serenidade e firme defesa das regras e valores da sociedade democrática, desde logo os atinentes à livre expressão do pensamento, das ideias, da palavra", acrescentou.

Defendeu ainda que a afirmação da cidadania ativa e o desinibido exercício do direito e dever de participação na vida nacional são domínios em que Cabo Verde precisa de "assegurar ganhos, como de resto bem o apontam as avaliações de instancias internacionais credíveis".

"Infelizmente, presenciamos uma atmosfera de campanha permanente. Tal facto é extremamente corrosivo para o interesse nacional, pelo desperdício de energias e de capacidades que são, importa sublinhá-lo, energias e capacidades da nação. Em período de campanha eleitoral, o que não é o caso, tal atitude de tensão, embora desnecessária e não desejável, poderia ser compreendida e tolerada", apontou.

"Cabo Verde, país vulnerável e dependente da cooperação internacional, tem de dar provas de genuína realização da concorda nacionais, enquanto fator, digo mesmo condição sem a qual o país não concretizará a sua legítima aspiração ao desenvolvimento sustentável", advogou.

Para José Maria Neves, "o eleitoralismo, mas também o `curtoprazismo`, têm de ser rejeitados" e a atual conjuntura internacional e não permite a Cabo Verde continuar "nessa mesmíssima forma de gerir o interesse público".

"A marca da razoabilidade não deve nunca ser forçada, muito menos transposta. Temos de fazer uma profunda análise da situação atual, arrepiar caminho e encetar mudanças radicais, trabalhando com mais sentido de Estado e mais sentido de compromisso com o país vulnerável que somos", disse.

"Como Presidente da República é meu dever indeclinável e de forma insistente apelar ao consenso, ao respeito pela diversidade de opiniões e à união no seio da nação. A crispação política é um vírus que leva à polarização, ao populismo, ao extremismo e à intolerância. Urge poupar Cabo Verde de solavancos desnecessários e evitáveis", referiu.

O chefe de Estado defendeu que "urge reduzir esta grande crispação política" e "aumentar a confiança entre os partidos e entre atores políticos", criando desta forma "as condições para um diálogo salutar e produtivo".

"Insisto na necessidade do respeito pela diferença e na premência do diálogo e do consenso como ingredientes naturais da vida democrática", concluiu.

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