PR de Cabo Verde apanhado de "surpresa" com aumentos nos transportes marítimos

por Lusa

O Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves, afirmou hoje ter sido "absolutamente apanhado de surpresa" com a decisão do Governo de aumentar até 80% as tarifas dos transportes marítimos, contrariamente ao que prevê a Constituição.

"Quanto às decisões que foram tomadas tanto em relação ao aumento das tarifas dos transportes, como também em relação à adenda ao contrato de concessão dos transportes marítimos interilhas, o Presidente da República foi absolutamente apanhado de surpresa, quando a Constituição diz que o Presidente da República deve ser regular e completamente informado sobre todas as questões relativas à política interna e externa do Governo", afirmou José Maria Neves, questionado pelos jornalistas.

O Presidente cabo-verdiano fez uma declaração ao país, a partir do Palácio Presidencial, na Praia, durante a qual criticou o Governo pelo "retrocesso em setores vitais" do país e por decisões cuja lógica e propósito "não se entendem".

"Segundo aspeto, o Governo tomou essas decisões no quadro das suas competências. Cabe ao Governo tomar as decisões que tomou e cabe à sociedade cabo-verdiana, aos partidos políticos e aos diferentes atores políticos se pronunciarem e tomarem as decisões que devem ser tomadas", acrescentou, ao responder aos jornalistas após a declaração ao país.

Cerca de uma hora antes desta declaração, o primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, admitiu "turbulências" na reorganização dos transportes marítimos interilhas, mas garantiu que as dificuldades serão ultrapassadas.

"Apesar das turbulências nos transportes marítimos interilhas, vamos ultrapassar os problemas", afirmou Ulisses Correia e Silva, ao intervir na Assembleia Nacional, na Praia, durante o debate mensal com o primeiro-ministro, na última sessão parlamentar ordinária de abril.

"Vamos melhorar o sistema, vamos dotar Cabo Verde de um bom sistema de transportes marítimos interilhas", afirmou o chefe do Governo, reconhecendo que a situação dos transportes é uma prioridade também para a comunidade cabo-verdiana emigrada, tema deste debate parlamentar.

O executivo cabo-verdiano anunciou na segunda-feira a suspensão das novas tarifas de cargas no transporte marítimo interilhas, embora mantendo as de passageiros, após muita contestação à medida.

"O Governo de Cabo Verde, em concertação com as armadoras nacionais, procedeu à suspensão temporária da medida de atualização das tarifas de transporte de cargas, a nível nacional", anunciou o Ministério do Mar, cinco dias após a entrada em vigor dos novos preços, que geraram uma contestação generalizada no país.

Conforme atualização decidida pela Direção Nacional de Política do Mar, que entrou em vigor em 20 de abril, as tarifas dos transportes marítimos interilhas em Cabo Verde vão subir 80% para cidadãos não residentes e 20% para residentes.

Nesta atualização verificam-se igualmente aumentos na tarifa base da carga geral, na ordem dos 17%, bem como de 20% no transporte de mercadorias em câmaras frigoríficas e no transporte de animais vivos.

Segundo o executivo, cujos ministros responsáveis pelo setor estiveram reunidos no domingo com o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, a suspensão das tarifas de cargas resultou de uma "apreciação e análise" sobre os impactos imediatos desta atualização, principalmente nas ilhas de Santo Antão e São Vicente, Fogo e Santiago, "pela forte ligação histórica e pela forte dinâmica de carga rolada em ambos os sentidos".

Em contrapartida, o Governo anunciou a aprovação de um modelo tarifário enquadrado na política de transportes que garanta o equilíbrio entre a sustentabilidade dos operadores de transportes marítimos e a atividade económica e comercial das ilhas.

"Convém realçar que esta atualização vem sendo há muito clamada pelos armadores nacionais, em nome da sustentabilidade do setor dos transportes de passageiros e carga em Cabo Verde. Recorde-se que a última atualização das tarifas de carga remonta a 2006", frisou ainda o Ministério do Mar.

Na mesma nota, aquele departamento governamental cabo-verdiano salientou que nos últimos anos as tarifas aplicadas no transporte de carga, principalmente na rota São Vicente/Santo Antão/São Vicente, a mais movimentada do país e onde os condutores realizaram um protesto, foram determinadas pelos operadores privados em resposta aos mecanismos de mercado, sem base de calculo racional, em função da cubicagem da carga/viatura.

Assim, sublinhou que resultaram em preços "muito inferiores" àqueles que seriam obtidos, conforme estipulado na portaria de agosto 2006.

"Por outro lado, há necessidade de ponderar o impacto que o aumento dos preços, causados pela implementação de uma metodologia racional de cálculo e das novas tarifas-base, conforme estipulado pelo despacho n.º 01/2023 da Direção Nacional de Política do Mar, de 17 de abril de 2023, irá causar no preço final de bens essenciais, e na atividade, já consolidada de transporte de carga rolada", explicou.

O primeiro-ministro justificou anteriormente o aumento das tarifas dos transportes marítimos com a necessidade de os operadores investirem no setor.

A concessão do serviço público de transporte marítimo interilhas de passageiros e carga foi entregue, após concurso público internacional, à CV Interilhas, detida em 51% pela portuguesa Transinsular (Grupo ETE), por um período de 20 anos.

As novas tarifas entraram em vigor um dia antes de o Governo e a Cabo Verde Interilhas terem assinado uma revisão da concessão dos transportes marítimos de passageiros e carga, pouco mais de três anos depois do primeiro documento.

De acordo com a minuta da revisão, o Estado cabo-verdiano vai pagar anualmente 6,6 milhões de euros à CV Interilhas, montante que será atualizado no início de cada ano, no âmbito da concessão.

A revisão do contrato estava em curso há vários meses, após críticas de parte a parte ao modelo vigente e serviço prestado.

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