Presidenciais em França. Possível candidatura de Éric Zemmour, judeu de extrema-direita, divide comunidade

por RTP
Éric Zemmour poderá anunciar a candidatura a meados de novembro Reuters

As eleições presidenciais francesas, na próxima primavera, poderão ter um estreante na política entre os protagonistas: Éric Zemmour. O jornalista, autor de vários livros sobre política e sociedade, comentador de televisão e "colecionador" de polémicas, ainda não apresentou oficialmente a candidatura, mas as sondagens são-lhe 16 por cento das intenções de voto, à frente de Marine Le Pen. Filho de imigrantes sefarditas da Argélia, Éric Zemmour pode tornar-se no primeiro candidato presidencial judeu do pós-guerra, mas a comunidade judaica francesa olha-o com desconfiança.

Ele é um político da extrema-direita e, como tal, um perigo para a república. Ele pode ser judeu, mas não é a voz da comunidade judaica”, declarou o presidente do Consistório judaico de França, Joel Mergui, citado pelo Jerusalem Post.

Até agora a comunidade judaica tinha estado em silêncio sobre o possível candidato que fala abertamente sobre a sua identidade judaica e não se coíbe de dar a opinião sobre várias questões da esfera religiosa, mas a rápida ascensão nas sondagens de opinião terá espoletado a reação.

Zemmour já foi condenado por incitamento ao ódio e são várias as afirmações polémicas envolvendo imigrantes. Em 2011, Zemmour chamou os imigrantes muçulmanos de “invasores” e, em 2016, disse que a maioria dos traficantes de drogas são árabes ou africanos.

Um dos apoiantes de Zemmour é Jean-Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional e pai da principal rival na possível corrida ao Eliseu do jornalista de 63 anos. “A única diferença entre Éric e eu é que ele é judeu”, disse Le Pen, conhecido por negar o Holocausto, em entrevista ao jornal Le Monde publicada no início de outubro. “É difícil rotulá-lo de nazi ou fascista. Isso dá-lhe maior liberdade”, explicou.

Opiniões sobre a identidade e questões judaicas

Zemmour revela que ocasionalmente vai à sinagoga, onde usa uma quipá. Contudo, o jornalista e comentador é favorável à proibição do uso da quipá em público, que chegou a comparar a uma "selfie religiosa”, tal como de outros símbolos religiosos.

Zemmour considera que usar uma quipá é "impor a religião de alguém aos outros". Pedir aos judeus para colocá-las é idêntico ao que os nazis fizeram, quando os mandaram usar estrelas amarelas durante o Holocausto.

Uma posição de Zemmour que mais revolta gera entre os judeus é a defesa da ideia de que o governo colaboracionista de Vichy sacrificou os judeus estrangeiros que viviam em França para salvar os judeus franceses. "Vichy protegeu os judeus franceses”, afirmou no mês de setembro no canal de notícias CNews, que é conotado com a direita.

Esta teoria é aceite por alguns historiadores mas fortemente contestada por outros, que defendem que o governo de Vichy também traiu judeus com cidadania francesa.

Zemmour também tem dúvidas sobre a inocência de Alfred Dreyfus, capitão do exército, judeu francês de ascendência alemã, cujo processo por alegada espionagem e traição acabou por assumir caraterísticas anti-semitas. Se Dreyfus fosse inocente, podia ter sido definido como um alvo “por ser alemão, não por ser judeu”, disse Zemmour durante um programa de televisão em 2020.

As polémicas são tantas que Zemmour consegue até irritar alguns judeus de extrema-direita, que poderiam ser um importante apoio para a candidatura presidencial.

Por exemplo, ainda em 2020 e também na televisão, Zemmour afirmou que, se Israel possui armas nucleares, estas não deviam ser negadas ao Irão. A opinião motivou o protesto da Liga Francesa da Defesa Judaica, grupo de extrema-direita, que considerou que as afirmações mostram “ignorância ou má fé, que desacreditam as suas afirmações”.

Definitivamente, Zemmour não é “o bom judeu de esquerda”

No entanto, Zemmour também granjeia apoios entre a comunidade judaica, que se expressam violentamente contra quem o critica.

O jornal Tribuna Judaica publicou recentemente quatro artigos de opinião de pessoas que apoiam Zemmour.

Num deles, um agente de seguros de Paris escrevia que Zemmour é “o único político a tentar acabar com a entrada de milhões, incluindo de assassinos dos seus irmãos da comunidade”.

Num outro artigo, publicado a 17 de Outubro, o dentista Elie Sasson escrevia que Zemmour estava a ser ameaçado de excomunhão por não ser “o bom judeu de esquerda”.

Um terceiro artigo apontava aos “VIPs da esquerda” como o filósofo e agora jornalista Bernard-Henri Levy, que admiram o antigo presidente François Mitterrand apesar da sua amizade com René Bousquet, colaboracionista e oficial de Vichy.

Nutro artigo, Sarah Cattan argumentava que Zemmour “tem opiniões abjetas que devem ser debatidas mas não por via da sua identidade judaica”.

Já o membro do Partido Socialista no conselho municipal de Paris, Patrick Klugman, apontou um “facto histórico” que não pode ignorar: “O herói da extrema-direita francesa identifica-se como um judeu e o seu judaísmo está a seduzir os piores anti-semitas”.

“O novo líder da negação do Holocausto”

O líder do Conselho Representativo das Instituições Judaicas de França (CRIF) alertou num artigo de opinião, que teve ampla repercussão no país, para os desafios que as ideias de Zemmour acarretam.

Ele não é um idiota útil - ele é um judeu útil e o novo líder da negação do Holocausto no nosso país”, escreveu Francis Kalifat.

O caçador de nazis Serge Klarsfeld e o filho Arno entendem que o escritor e comentador “atropela os valores nacionais e também os judeus”, sendo um dever destes “lutar contra a extrema-direita”.

O filósofo judeu e jornalista Bernard-Henri Levy traça um paralelo entre Zemmour e o antigo presidente dos Estados Unidos Donald Trump, por considerar que ambos são más escolhas para quem defenda os valores judaicos.

Há cinco anos, eu disse aos judeus americanos tentados pelo trumpismo: aliarem-se a ele … pode ser suicida. Agora digo o mesmo aos judeus franceses tentados pelo simplismo nefasto de Éric Zemmour", que rejeita a "generosidade judaica, a vulnerabilidade judaica, o humanismo judaico e a sua estrangeirice", escreveu o filósofo.

Levy aponta ainda para o facto de tanto Zemmour como Trump enveredarem por narrativas do medo com base no conceito de substituição étnica.

“Há o perigo de que nosso país morra, a população seja substituída por outra, a civilização também seja substituída”, disse Zemmour durante uma entrevista no início de outubro, na qual sublinhava – ainda à semelhança de Trump – as diferenças entre ele e os políticos experientes, como Marine Le Pen e o presidente Emmanuel Macron.
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